‘Quando você abraça, você é humilde e, ao mesmo tempo, poderoso’, aponta Fabrício Carpinejar

Fabricio Carpinejar Credito Diego Lopes

Fabricio Carpinejar Credito Diego Lopes
Conhecido por suas teorias sobre relacionamentos, Fabrício Carpinejar se volta para a geração de mais de 40 anos em ‘Se eu soubesse’, livro no qual apresenta reflexões sobre a vida, os relacionamentos, a família e a passagem do tempo (Foto: Diego Lopes/ Divulgação)

O gaúcho Fabrício Carpinejar foi certeiro ao se descrever como um “abraçadeiro”. Em “Se eu soubesse: para maiores de 40 anos” (Bertrand Brasil, 304 páginas), seu mais novo livro, ele reafirma essa característica. Suas palavras têm o poder de transmitir uma sensação de acolhimento. “Quando você abraça, você é humilde e, ao mesmo tempo, poderoso”, confessa o poeta e cronista em um bate-papo, por telefone, que emocionou esta jornalista.

Já no início da obra, em um texto sensível e repleto de doçura, ele afirma que, quando adolescente, se soubesse o valor de tudo o que possuía, teria agido de maneira diferente em várias situações. Teria aproveitado melhor os momentos em que estava à mesa com a família. Teria sido menos ansioso para ir brincar com os amigos. “O que você mudaria primeiro?” Questiono, logo no início da nossa conversa. “Eu teria sido mais atento, teria aproveitado melhor a presença da casa cheia, da família reunida, porque a gente não se dá conta de que nossa linha do tempo é extremamente breve. O período que vamos passar com as famílias, com os avós vivos, os pais juntos, os irmãos lado a lado, com os primos, com os tios. São cinco, sete anos de toda uma existência. E, quando somos pequenos, nós acreditamos que aquilo será para sempre”, lamenta ele, para logo apontar uma constatação que só veio com a maturidade. “Eu faria um maior estoque de saudade. A saudade é um sentimento perigoso, porque você precisa senti-la antes de perceber a falta.”

Duas vezes vencedor do prêmio Jabuti, Carpinejar é autor de 51 livros publicados e, na nova obra, embora o público-alvo sejam os leitores de mais de 40 anos, os mais jovens também são convidados a se enveredar por sua escrita. “Se eu soubesse” apresenta reflexões sobre a vida, os relacionamentos, a família e a passagem do tempo. Em sua volta à coluna Sala de Leitura, ele falou sobre esperança, amor, saudade, maturidade emocional e relação entre as gerações.

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Marisa Loures: No início de ‘Se eu soubesse’, você se declara um “abraçadeiro”, e suas palavras são conhecidas por trazerem essa sensação de abraço. Esse novo livro nasceu do desejo de acolher o leitor, de oferecer esse abraço em forma de escrita?

Fabrício Carpinejar: Totalmente. Eu sou adepto da cura pelo afeto. E, realmente, eu sou um abraçadeiro. Quando você abraça, você é humilde e, ao mesmo tempo, poderoso. Você acolhe, você desfaz mágoas e ressentimentos. Usamos muito pouco o abraço em nossa vida. O abraço é sempre a palavra certa. Você nunca vai errar o que dizer com um abraço.

E já no início da obra, em um texto sensível e repleto de doçura, você confessa que, “se soubesse quando era criança, quando era adolescente” o que tinha, teria agido de outra forma em várias situações. Essa percepção só chega na maturidade mesmo?

Depois dos 40 anos, você tem um outro entendimento da vida. Antes, acaba querendo a aceitação dos outros. Depois dos 40, você quer se aceitar.

Segundo você, “este não é um livro saudosista, mas um livro feito de saudade.” Como fazer com que a saudade não se torne tristeza?

A saudade nunca será tristeza, porque significa que você tem que lembrar, que você viveu, que você esteve presente. A saudade é o apogeu da memória, e é uma memória afetiva. A saudade é a memória das sensações. Não é a memória visual, não é a memória dos fatos. A saudade é como você estava se sentindo naquele momento. A saudade é a sua alma naquele momento. Você pode escrever uma lembrança objetivamente, mas é só a saudade que vai dizer o que você sentia naquele instante. É como se fosse uma preservação da memória emocional, e o que é triste é tudo o que você não viveu, é se arrepender de não ter vivido.

Se eu soubesse
Capa de “Se eu soubesse: para maiores de 40 anos” – Foto: divulgação

O texto de divulgação de “Se eu soubesse” nos dá conta de que “não é um livro de memórias, mas um livro escrito pela esperança.” O uso da conjunção adversativa sugere que há uma aparente contradição entre revisitar as memórias e ter esperanças. Poderia falar um pouco sobre isso?

É que você não pode perder a esperança de que o dia seguinte ainda será melhor. E isso costuma acontecer quando você diz que no seu tempo era melhor. Essa frase é uma frase sem esperança alguma, ou seja, você já viveu o melhor período da sua vida, tudo agora é decadência e ocaso. Por isso é um livro que tem essa vitalidade. O quanto você pode se reinventar, estabelecer novas versões a partir do ato de essencializar a sua vida. Então, você, lendo o “Se eu soubesse”, entende que não tem nada de errado em ter poucos amigos. A vida sincera é de poucos amigos. Você entende que não tem nada de errado em dizer “não”, você não pode aceitar tudo. Você entende que os defeitos protegem as suas virtudes. Você precisa de um pouco de antipatia para ser feliz. Você entende que amor não é sofrimento, que amor não é correr atrás do outro, que amor não é discussão de relacionamento, que amor é paz, é poder continuar sendo quem você era. Então, são várias compreensões esperançosas.

Você também faz questão de afirmar que “Se eu soubesse” não é um livro sobre envelhecimento. Mas seus textos, repletos de reminiscências, lembram-nos constantemente da inevitabilidade da passagem do tempo. Você considera difícil lidar com o processo de envelhecimento? Como lida com ele?

O meu envelhecimento não existe. Nunca existe o seu próprio envelhecimento. Você nunca se reconhece velho. Você mantém dentro de si uma feição desatualizada de si mesmo, mas a velhice é uma gangorra. Você tem uma espécie de apogeu terapêutico, você já sabe quais são seus limites e, ao mesmo tempo, tem uma debilidade física, ou seja, a cabeça, o coração e o corpo entram em desacordo, e aí parte de você o entendimento de que a velhice não é incompetência. A velhice tem suas singularidades, mas nós estigmatizamos a velhice com medo da nossa própria. Aí o que é que a gente faz? A gente não permite distrações, não permite esquecimentos, já confundimos como sinais de demência. Não admitimos exageros, extravagâncias, já identificamos como sinais de descontrole. Tudo o que a gente faz na nossa vida que é normal, na velhice, ganha uma lupa do desvio, da patologia. E é errado, a gente julga demais os idosos. Mas é um livro, acima de tudo, que faz um retrato de uma geração invisível, de uma geração que nunca mais vai se dar na terra, uma geração à beira da extinção. Essa geração de 40 anos para mais é a última geração analógica. Todas as que vieram depois já são nativas das redes sociais e das tecnologias. É a última geração que escreveu cartas, é a última geração que escreveu em máquinas, que usou telefone público, que teve um 3 em 1 em casa, que gravou fitas cassete, que rebobinou fitas VHS, é a última geração do fax, de viver na rua, de roubar fruta, de beber água na torneira do vizinho, ou seja, não vai ter uma geração com uma formação semelhante. E eu quis trazer à tona essa geração. É por isso que a gente é tão ligado aos pais e aos avós, porque nós temos uma memória em comum com eles. Os netos e os bisnetos não têm essa memória.

E isso tudo está se perdendo…

É quase como se fossem os últimos sobreviventes de um idioma cultural. Os avós não precisam se explicar para nós, os pais não precisam se explicar para nós. Nós também vivemos aquilo. É muito diferente, por exemplo, para um jovem hoje que entra no carro e liga o Waze, para a nossa geração, que vivia desdobrando um mapa. Até chegar ao local, a gente vivia perguntando para as pessoas. É muito diferente. São detalhes. Nós entrávamos pela porta dos fundos do ônibus. Hoje, se entra pela frente. Hoje, mal existe cobrador. É tudo digital. Isso mudou a nossa sensibilidade. A nossa sensibilidade é diferente. Quer ver? Nós sofremos por amor. A nova geração não sofre por amor. Nós tínhamos esses projetos de morar numa casa, de formar família. Nós éramos apegados à cidade, ao bairro. Para essa geração, tudo é o mundo, tudo é o lugar.

A falta de apego das novas gerações pode levar a um mundo mais triste? Ou será que essa é apenas a percepção da nossa geração?

É a percepção da sua geração em relação à outra, mas não é real. Talvez a nova geração perceba a nossa geração como apegada e triste. É por isso que estou dizendo: o que te faz alegre não faz alegre essa nova geração.

E no que diz respeito à convivência entre gerações, parece haver uma incompatibilidade na forma de enxergar e valorizar a felicidade…

Você vai ficar feliz com um piquenique, com um passeio, com a simplicidade, e sua filha vai achar um tédio, ou seja, você está contaminando a percepção a partir do filtro da sua geração. E eu tento explicar isso no livro. Dificilmente, a nossa geração será compreendida pelas novas gerações. É quase como que uma incomunicabilidade.

E como podemos superar essa incomunicabilidade entre gerações?

O que eu tento fazer com meus filhos é ensinar a saudade para eles, porque a saudade é um sentimento que escapa hoje em dia. Então, o que eu faço? Temos uns rituais. Vamos à pizzaria, no mesmo dia, peço as mesmas pizzas. Sempre vou ao estádio com meu filho para assistirmos aos jogos do nosso time. Eu crio uma rotina saudável de lembranças fixas. Aí, quando meus filhos forem comer uma pizza, vão se lembrar de mim. Quando forem ao estádio, vão se lembrar de mim. O que a gente pode fazer é ensinar os filhos a quererem voltar a memória, a não serem tão imediatistas. Já é um grande valor. Eu acho que talvez seja o maior valor: não se envergonhar de onde veio, não se envergonhar dos próprios pais.

Fiquei feliz por receber um dos seus famosos guardanapos. Nele, você me diz que “só a fragilidade nos protege. Quem é forte fica constrangido para pedir ajuda.” É preciso ter coragem para admitir a própria fragilidade?

É preciso ter confiança na pessoa. Você não pode dividir o teto com quem você não pode dividir a tristeza, muito menos dividir a alegria. Você não pode ter medo de falar, de ser censurado. A sinceridade, a espontaneidade, depende da confiança, e só na confiança é que você pode pôr suas inseguranças, seus medos, ou seja, você dá poder para quem nunca vai usá-lo contra você. Na vida, a gente deveria se preocupar mais com quem está ao nosso lado.

Seus textos refletem uma profunda maturidade emocional, mostrando como você aprendeu a lidar com questões que causam angústia em qualquer pessoa. Essa maturidade emocional é fruto de muita reflexão ou até de terapia?

Faço terapia semanalmente. Não vivo sem terapia, porque terapia é poder falar em voz alta. Poder se ouvir em voz alta, mais do que falar. E, também, quando você passa a escolher, você renuncia. Tudo o que incomoda você fica para trás. Sabe como a gente sabe que escolheu bem? Pelo tamanho do que a gente deixou para trás. Se a renúncia é grande, a escolha é justa. Sim, eu tenho uma leveza. Se você não faz terapia, você vai sobrecarregar a família com suas angústias, com suas dores. Não é justo com quem convive com você. Há coisas que nem são tão importantes e que acabam sendo importantes porque a gente não processa, não digere. Tudo é digestão. O coração também precisa de digestão.

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