“Decidi ser médico após passar por 14 cirurgias”

Eduardo Passamai conta que decidiu ser cirurgião plástico aos 6 anos de idade, por causa de sua malformação

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Leone Iglesias/AT e acervo pessoal

Um problema de nascença, que para muitos poderia ser um fator limitante, foi o que impulsionou o capixaba Eduardo Passamai, de 48 anos, a se apaixonar pela medicina e a realizar um sonho que passou a nutrir desde a infância: ser aluno do cirurgião plástico de renome internacional Ivo Pitanguy.Eduardo nasceu com uma fissura labiopalatina, também chamada lábio leporino, uma malformação congênita que ocorre quando o lábio e o palato (céu da boca) não se desenvolvem completamente durante a gestação. O problema pode comprometer a fala, a respiração, a alimentação, a dentição e, até mesmo, a autoestima da pessoa.Para corrigir a fissura, Eduardo precisou passar por um total de 14 cirurgias, a primeira quando tinha apenas 8 meses de vida. A maioria desses procedimentos – 9 ou 10, segundo ele – foi feita por Pitanguy, sua grande referência na área médica e que morreu em 2016.“Com 6 anos, eu já tinha decidido que queria ser cirurgião plástico e aluno dele quando crescesse. Foi um sonho que consegui realizar”, comemora.“Quando era criança, eu lia as entrevistas dele nas revistas e via simplicidade nele, na forma como ele tratava as pessoas. Então, passei a admirar seu lado pessoal. E, depois, quando me tornei aluno dele, passei a admirá-lo ainda mais”.Eduardo se formou em Medicina, em 2003, na Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (Emescam), em Vitória. Nos dois anos seguintes, fez residência médica em Cirurgia Geral no Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro.Em 2007, quando iniciou a residência em cirurgia plástica, ele enfim conseguiu realizar o grande sonho de infância: ser aluno de Ivo Pitanguy. “Quando eu passei na prova e depois, quando fui agradecer a ele pessoalmente pela oportunidade, eu só sabia chorar”, lembra.Você sabia?Em todo o mundo, as fendas orais, como é o caso da fissura labiopalatina, são as anomalias congênitas mais comuns que afetam a cabeça e o pescoço, com incidência aproximada de uma a cada 700 pessoas. Com relação ao sexo do bebê, a ocorrência dessa condição é maior entre meninos.

Eduardo Passamai com o cirurgião plástico Ivo Pitanguy durante residência
na área

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Acervo pessoal

Eduardo Passamai, cirurgião plástico: “Tive sorte de nascer fissurado”A Tribuna – Quais foram as maiores dificuldades que você precisou enfrentar, especialmente na infância, devido à fissura labiopalatina?Eduardo Passamai – Na época, aqui em Vitória, minha mãe teve muita dificuldade para encontrar profissionais que pudessem me ajudar, como fonoaudiólogo, nutricionista e médico. Por causa disso, precisou procurar em outros estados. Passamos a ir todos os meses ao Rio de Janeiro, onde minha mãe conseguiu um fonoaudiólogo. Isso foi até por volta dos meus 17 anos. Além disso, quando bebê, tive dificuldade para me alimentar. Minha mãe não conseguia amamentar e precisou fazer uma adaptação na mamadeira, pois eu engasgava muito. Chegou a sofrer algum tipo de rejeição ou preconceito por causa do problema?A questão do bullying sempre existiu, mas na época a gente não conhecia dessa forma. Dizia que era só implicância mesmo. Mas os verdadeiros amigos não me faziam mal e muitos são meus amigos até hoje. Essa implicância ficava restrita a algumas pessoas que não me conheciam e, de alguma forma, queriam me rebaixar. Isso me deixava chateado, mas a gente se resolvia ali mesmo. Minha mãe sempre disse que a gente precisava superar muitas coisas. Um copo que está meio vazio também está meio cheio, depende de como enxergamos. O que eu falo hoje é que nós temos que nos sentir privilegiados com o que somos. Tenho muita sorte de ter nascido fissurado, pois se não fosse isso, não teria tido as experiências que tive.Como surgiu a paixão pela cirurgia plástica e até que ponto ela foi influenciada pelo médico Ivo Pitanguy?Depois de me consultar com meu primeiro cirurgião, lá no Rio, começamos a ir à clínica do professor Pitanguy. Passei a ver nele um exemplo de pessoa e de médico: a maneira como ele tratava a equipe e os pacientes, a forma como ele olhava o ser humano, vendo beleza onde ninguém via. Também gostava de ler as entrevistas dele nas revistas. Passei a admirá-lo como pessoa. Quando me tornei aluno dele, comecei a entender de fato o quão grande ele era, como enxergava os detalhes na cirurgia plástica e como se tornou o maior cirurgião plástico do mundo. Ele transformava o simples no belo. Era um Michelangelo, um Leonardo da Vinci da cirurgia plástica.E qual foi sua reação ao saber que seria aluno dele?Já tinha esse objetivo desde os meus 6 anos. Muitos amigos disseram que eu não ia conseguir. Só minha mãe e minha avó acreditaram em mim. Quando soube que tinha passado na prova e depois, quando fui agradecê-lo pessoalmente, eu só sabia chorar. Eram só 10 vagas e muita gente concorrendo. Mas estudei, me dediquei, abri mão de baladas para conseguir. E valeu a pena! Quando você consegue entrar e se vê ao lado de gigantes da cirurgia plástica, é um sonho realizado.E hoje, como cirurgião plástico, tem feito cirurgias em pacientes com o mesmo problema?Fiz algumas cirurgias desse tipo na época da minha formação, ainda lá no Rio, mas hoje em dia, aqui no Estado, não opero mais fissurado. Hoje, atendo mais pacientes com lesões de mama, pós-bariátrico, entre outros. Mas tenho contato com pais de crianças com fissura e procuro passar minha experiência. Sei como é o pós-operatório, como é ficar sem conseguir se alimentar direito. Já fiquei 60 dias com a boca amarrada, me alimentando apenas com um canudinho. E em minhas palestras, falo dos cuidados que é preciso ter com a criança, as etapas pelas quais ela vai passar. Mostro que elas podem, sim, transformar seus sonhos em realidade. Basta acreditar.Saiba maisMalformação congênitaLábio leporino ou fissura labial é uma malformação congênita que leva à abertura de uma fenda no lábio superior do feto. Em alguns casos, pode acometer também o palato (céu da boca) — nesse caso, fissura labiopalatina. Essa condição ocorre por uma junção incompleta dessas estruturas no desenvolvimento fetal. É comum que uma pessoa com lábio leporino apresente algumas dificuldades, como na amamentação, na fala e na respiração. A gravidade da condição varia conforme o tamanho. Os casos mais graves são os que a abertura se estende até o palato, pois gera prejuízos nas funções de outras estruturas da face.O lábio leporino pode ser causado por alterações genéticas ou pelo consumo de álcool ou tabaco pela mãe durante a gestação. Alguns medicamentos também podem levar ao desenvolvimento da condição.TiposUnilateral: a fenda está presente em apenas um lado dos lábios. O tamanho da abertura varia, indo de perto do nariz até a gengiva e o palato.Bilateral: o tipo de fenda é semelhante ao unilateral, mas sua ocorrência é simultânea dos dois lados.Mediana: A fissura labial se forma bem no meio dos lábios, o que separa o lábio em duas partes. Palatina: A abertura se estende para as estruturas do palato, tanto o palato mole (céu da boca) quanto o palato duro (estruturas ósseas).Fonte: Pesquisa AT.

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