| Foto: Alberto Lima/Divulgação
TitulaçãoSejam os avanços comunitários ou os riscos por quais passam comunidades quilombolas, quem atua na defesa dos territórios enfatiza a necessidade da titulação das terras que pode deixar as populações mais amparadas. “O governo federal vem ajudando a comunidade e acelerou o processo de titulação”, diz Jurandir Pacífico. Em abril, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) declarou as áreas situadas no município de Simões Filho, na Bahia, como territórios pertencentes à Comunidade Remanescente de Quilombo de Pitanga de Palmares. A luta pela titulação, no entender do filho, foi o fator principal para a morte dela. “Entendo que esse crime ocorreu a mando de algum interesse. Alguém pode ter usado o tráfico de drogas para executar a mãe Bernadette, ou seja, pagou o traficante”. As investigações da Polícia Civil atribuíram o crime ao tráfico. O inquérito policial indiciou seis pessoas pelo envolvimento na morte de Bernardete. CrimeDe acordo com as investigações, foram dois executores, dois mandantes e mais dois participantes (que facilitaram com informações) identificados como responsáveis pela morte. A mais recente prisão, em julho, foi de Ydney dos Santos. A polícia apontou, em abril, que estavam foragidos Marílio dos Santos e Josevan Dionísio. Três homens já haviam sido presos no ano passado. Para defender a investigação, a Secretaria de Segurança Pública apontou que houve 80 oitivas, 20 medidas cautelares e 14 laudos periciais.Para a superintendente estadual de Direitos Humanos, Trícia Calmon, a violência contra lideranças, defensoras de direitos humanos em suas comunidades, precisa ser combatida de forma urgente. Segundo ela, existem dois momentos em que os riscos das lideranças são aumentados. “O primeiro é quando ninguém está olhando. Ninguém está olhando as dificuldades e as lutas que são postas ali naqueles territórios. O segundo, que foi o caso de Dona Bernadete, é quando todo mundo está olhando para aquele contexto, para aquela situação. E aí as forças interessadas naquele território compreendem que estão diante de um risco iminente de perder espaço”, diz Trícia. Ela avalia que o crime organizado emite um recado violento para amedrontar comunidades que, geralmente, são afastadas do meio urbano e que precisam de mais serviços públicos. Por isso, Trícia defende ações de diferentes instituições. “Foi criada uma força-tarefa para a realização fundiária visando tentar um modelo mais célere para a regularização. Nesse sentido a gente verificou um avanço em relação aos procedimentos de regulação fundiária”. Ela afirma que a dificuldade da posse do direito à terra, que é uma questão histórica no país, é um problema porque são comunidades invisibilizadas. Na Bahia, há 1.046 comunidades quilombolas. A respeito da responsabilidade do crime, Trícia concorda com a ideia defendida pela família da vítima, segundo a qual a problemática da disputa da terra é o contexto principal do homicídio. Sem arredar o péEnfática a esse respeito também é a dirigente da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e assistente social Selma dos Santos Dealdina. “Nós vamos reafirmar hoje e sempre que Dona Bernadete morreu por lutar pela terra, por denunciar vendas de lotes e desmatamento do território. Ela morreu porque cobrava justiça pelo assassinato do filho. A gente não trabalha com essa hipótese levantada pela polícia”.Selma considera que a situação dos quilombolas não avançou depois do assassinato. “Nós tivemos cinco lideranças executadas nessa luta pela terra. A gente continua com dificuldade porque a lentidão para titular os territórios ainda é muito grande. Não mudou o cenário, pelo contrário”, afirma. Ela entende que a ameaça é permanente e contextualiza que há no Incra mais de 1.850 processos para regularização fundiária.“Estamos aguardando e costuma haver alguma visibilidade para a pauta negra apenas no dia 20 de novembro (dia da Consciência Negra no Brasil). Não dá só para serem entregues portarias e decretos e titulações só no 20 de novembro”. A dirigente diz que as comunidades estão amedrontadas. “Não estamos seguras, mas também a gente não arredou o pé”, confessa.”Agenda nacional”O secretário nacional de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades, Ronaldo dos Santos, também reconhece que é preciso intensificar os programas de segurança porque essas lideranças ficam realmente muito expostas e vulneráveis. “E também intensificar a política de regularização fundiária. A gente sabe que a regularização encerra ou protege muito as comunidades dessas ações violentas no campo”.Ele explica que há hoje cerca de 350 títulos de propriedade definitiva quilombola expedidos no Brasil, que correspondem a cerca de 400 comunidades quilombolas. “Nós temos nos debruçado sobre um plano de ação da Agenda Nacional de Titulação. Temos feito a discussão e buscado saída para pensar como fortalecer os programas de proteção, como fortalecer esses territórios quilombolas com a chegada de políticas públicas e fortalecimento das organizações de base quilombola”, acentua.PresentesEnquanto esperam a titulação definitiva, familiares de Bernadete se emocionam, mas apresentam um sorriso no rosto quando falam de tudo o que a matriarca ensinou. “Hoje, eu almejo fazer coisas de direito, de pensar direito, conhecer esse mundo jurídico e ter mais opções para defender os interesses da minha comunidade”, observa o neto Wellington que não deseja ir embora do Brasil. “Não conseguiria me olhar no espelho. Espero que um dia eu possa ter segurança de viver em minha comunidade novamente”, diz.Enquanto percorre a casa em que ocorreu o crime, Jurandir, tio de Wellington e filho da liderança quilombola, não esmorece. “A nossa vida mudou depois dessas covardias que fizeram com minha mãe e meu irmão. Mas eles estão presentes em nós”, finaliza.