Primavera Secundarista ocupou IFRN há quase 10 anos; conheça histórias

Lany Soares, 27, se recorda dos cortes orçamentários nos institutos federais como “uma bola de neve” que foi crescendo a partir de 2015, quando tinha 18 anos. Nem se parasse para contar conseguiria numerar o tanto de protestos de que participou e que ajudou a organizar. Um dia, nos idos de 2016, subitamente, prometeu: “Amanhã, a gente vai fazer este ato. Eu não quero saber de nada. Vai dar certo”. E deu. Em sua memória, a manifestação foi a maior puxada pelo IFRN Natal-Central durante o período em que esteve no movimento estudantil, entre 2015 e 2017.

Amigo dela, mas do campus Zona Norte, Miranda Júnior, 24, tinha convicção de que era hora de ir além. Não bastava só colocar o bloco na rua. “A gente pode puxar uma ocupação e fazer uma semana inteira de mobilização”, pensava o jovem Juninho, como também é conhecido, em 2016.

Em São Gonçalo do Amarante, Mikael Lucas, 26, por sua vez, já compreendia desde criança que era o “menino chato da escola”, que brigava por tudo o que tinha direito, brinca, ao relembrar. Ao sair do ensino fundamental e entrar no IFRN em 2015, aos 17 anos, seu caminho cruzou com o movimento estudantil naturalmente.

No Seridó potiguar, Marília Gabriela, 25, se indignava com o que via ocorrer em Brasília-DF. Aos 17 anos, em 2016, sentia temor pelo futuro dos institutos federais, especialmente com o aprofundamento das políticas de austeridade fiscal. Se fosse preciso, enfrentaria até a direção do campus para denunciar os cortes no orçamento.

Já Viviane Forte, 27, sabia que o impeachment sofrido pela ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), que deu lugar no Palácio do Planalto ao vice Michel Temer (MDB), iria “respingar de maneira muito forte” nos estudantes. Em 2016, à frente da Rede de Grêmios do IFRN (REGIF), ela se preparava para sair do ensino médio — estava no 4º ano —, mas acreditava que os investimentos na educação e a liberdade de cátedra precisavam ser defendidos para as futuras gerações. Fora do IF, não virou professora à toa.

Em 28 de setembro de 2016, o sonho gestado coletivamente ganhou vida: em Natal e Mossoró, dois campi do IFRN eram ocupados pelos estudantes no episódio conhecido nacionalmente como Primavera Secundarista. Em todo o Brasil, mais de mil escolas foram tomadas pelos alunos, segundo levantamento da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES).

 “É hora de irmos à rua e dar uma resposta a esse governo golpista que quer cortar os nossos direitos. Não é tempo de nos calar. É tempo de ocupar e resistir”, advertia na época? Miranda Júnior para a câmera do celular, em vídeo gravado e disparado nas redes sociais.

Naquele ano, um espectro que rondava as escolas e os institutos federais se concretizou. Eram tempos de inquietação. Primeira presidenta mulher do Brasil, Dilma Rousseff (PT) havia sido afastada do cargo, vítima de um processo de impeachment pelas chamadas “pedaladas fiscais”. Em seu lugar, assumiu Michel Temer (MDB). Era um período em que, passada a época áurea dos governos democrático-populares do PT, a extrema-direita saía aos poucos do ninho, sem nem imaginar o poder que conquistaria nos anos seguintes. 

No Congresso e fora dele, pautas reacionárias ganhavam força. Era o caso da Medida Provisória 746/16, da reforma do ensino médio, apresentada menos de um mês após Temer sentar na cadeira principal do Palácio do Planalto.

Tratava-se, segundo o próprio Ministério da Educação (MEC), da maior mudança ocorrida na educação brasileira nos últimos anos, desde a Lei das Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996). A matéria foi aprovada em dezembro pela Câmara dos Deputados, em fevereiro de 2017, pelo Senado, e sancionada por Temer dias depois.

Uma das principais alterações trazidas pelo texto foi a implementação dos chamados itinerários formativos, uma flexibilização da estrutura curricular em que os alunos podem escolher parte do que vão estudar dentro das áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional. Pela reforma, apenas as disciplinas de matemática e língua portuguesa são obrigatórias nos três anos do ensino médio. 

No Rio Grande do Norte, a rede estadual possui Itinerários Formativos compostos por Trilhas de Aprofundamento propedêuticas e/ou Trilha de Educação Profissional e Tecnológica, Unidades Curriculares Eletivas e Projeto de Vida.

As trilhas possuem seis unidades curriculares com carga horária de duas aulas semanais, podendo envolver uma ou duas áreas de conhecimento. Das 33 trilhas, 12 são de áreas exclusivas e 21 de áreas integradas. Essas perpassam títulos como “A Gota Serena”, em Humanas, “Vamos Dar Unfollow Nesse Tabu?” (Natureza e Matemática), “Tô Com fome, Quero Merendar: Direito e Nutrição!” (Linguagens) e até “CSI Escolar: Desvendando Mistérios”, em Natureza.

Medidas do governo federal eram alvo de indignação dos estudantes | Foto: Facebook REGIF (autoria não identificada)

Foi ainda no governo Temer que veio a Proposta de Emenda à Constituição 241/2016 (na Câmara, e nº 55 no Senado), que impôs um teto aos gastos públicos por 20 anos, mexendo — dentre outras áreas — na saúde e educação. Não à toa, a proposta recebeu o apelido de “PEC da Morte”. O texto passou nas duas casas legislativas e foi promulgado pelo presidente em 15 de dezembro de 2016.

Os holofotes também estavam virados para o “Escola sem Partido”, que ganhara mais atenção desde o ano anterior. O movimento — ainda existente, mas sem a mesma força de outrora — propunha combater a “contaminação político-ideológica das escolas brasileiras” como parte de uma agenda conservadora nacional. Na prática, buscava cercear a liberdade de expressão dos educadores e ficou conhecido como “lei da mordaça”. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que o programa “Escola Livre”, lei de Alagoas semelhante ao “Escola sem Partido”, e mais três leis municipais com proibições ao ensino sobre questões de gênero e sexualidade na rede pública eram inconstitucionais.

Todas as propostas ganharam atenção naquele ano, em maior ou menor grau. Nas ruas, professores e estudantes contra-atacavam, na tentativa de fazer recuar as medidas reacionárias do governo neoliberal recém alçado à presidência. Foi nesse contexto que surgiu a Primavera Secundarista de 2016, um levante de ocupações em diferentes escolas no Brasil contra as pautas em curso.

Naquele ano, o movimento estudantil secundarista vinha de um “esquenta”: no ano anterior, 2015, foi a vez de o estado de São Paulo viver a sua própria Primavera contra o projeto de “reorganização escolar” do governo Geraldo Alckmin (à época no PSDB, hoje no PSB) que previa o fechamento de 94 unidades de ensino.

Em reação, várias escolas foram ocupadas pelos estudantes. A ação gerou confrontos — especialmente com a polícia e as direções, mas conseguiu seu principal objetivo: barrar o fechamento das escolas, levando ensinamentos ao novo movimento que viria a germinar no ano seguinte. Vanguarda da luta de classes, os estudantes de SP se inspiravam fortemente na “revolta dos pinguins”, movimento chileno de 2006 que levou mais de um milhão de estudantes às ruas reivindicando gratuidade na educação e passe livre no transporte público. Um dos vários gritos dos brasileiros em 2015 entoava em alto e bom som: “acabou a paz, isso aqui vai virar o Chile”.

Em 2016, descontentes com o novo governo, vendo o orçamento da educação minguando e assistindo às tentativas de silenciamento nas salas de aula, foi a vez do movimento estudantil potiguar se insurgir. Em 28 de setembro, eclodiu a Primavera Secundarista no IFRN. Naquele mesmo dia, estudantes do Campus Natal-Central e de Mossoró ocuparam suas escolas. Na capital potiguar, a movimentação aconteceu no pátio do campus, com várias barracas a dividir espaço com as “rosquinhas” em meio à agitada vida da principal unidade do IF no estado. Em Mossoró, segunda maior cidade do Rio Grande do Norte, colchões e colchonetes encontraram espaço dentro do gabinete do então diretor-geral da escola, com a presença também deste repórter.

Não foram ocupações massivas, nem preparadas para ter uma longa duração. O objetivo girava em torno de visibilizar as pautas dos estudantes e mostrar que, sim, o movimento estudantil estava vivo. Se via ainda os passos iniciais da REGIF (Rede de Grêmios do IFRN), entidade fundada em janeiro de 2016 para congregar todos os grêmios do IF do estado. 

No IFRN Natal-Central, não estavam somente alunos do próprio campus. Também se juntaram os matriculados em outras unidades da Região Metropolitana de Natal, já com o plano de, dias depois, expandirem as ocupações para suas próprias escolas.

Esta é a história de cinco lideranças secundaristas do IFRN no período. Algumas continuaram a militância na esfera partidária ou social, uma virou professora, outra se viu renascer graças ao movimento estudantil. Nesta série de reportagens, a Agência Saiba Mais vai mostrar como a Primavera Secundarista mudou para sempre a vida de Lany, Juninho, Mikael, Marília e Viviane. A cada domingo, você confere um novo perfil.

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