Sobre a regulação das redes sociais

Em dezembro de 2024, a Universidade de Oxford, Reino Unido, divulgou a palavra do ano após uma pesquisa com mais de 37 mil pessoas. A expressão eleita brain rot (cérebro pobre ou cérebro apodrecido), que se refere à exaustão mental causada pelo excesso de conteúdo superficial e de baixa qualidade, “trivial e pouco desafiador” que circulam nas redes sociais e plataformas digitais. Trata-se de uma deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, essencialmente relacionada ao declínio cognitivo e emocional dos usuários.

O ministro Alexandre de Moraes mencionou o termo em um parecer sobre uma ação julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) ao abordar o conteúdo de baixa qualidade e baixo valor e os impactos negativos de seu consumo. Para ele, a disseminação de discursos de ódio, violência e outros conteúdos prejudiciais não é exclusividade do Brasil, mas um fenômeno global que muitos países têm buscado conter por meio de legislação rigorosa.

No Brasil, ainda não há uma regulação específica, e o ministro destacou a importância de criar uma legislação que preserve a dignidade humana, a honra das pessoas e o Estado Democrático de Direito, especialmente em casos de ataques à democracia nas redes sociais. Ele argumenta que a autorregulação das plataformas faliu e que é necessário intervir para combater a impunidade dos que cometem crimes nas redes sociais.

Diversos autores têm refletido sobre os efeitos da hiperconexão na vida mental, como dificuldade de concentração, ansiedade e outros transtornos. Entre as obras que abordam esse tema, podemos citar: #vertigem digital: por que as redes sociais estão nos dividindo, diminuindo e desorientando de Andrew Keen (Editora Zahar, 2012), e em relação as crianças e adolescentes, Hipnotizados o que os nossos filhos fazem na internet e o que a internet faz com eles de Brenda Fucuta (Editora Objetiva, 2018), A geração superficial: o que estão fazendo com nossos cérebros (Editora Agir, 2011) de Nicholas Carr e A geração ansiosa, como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais de Jonathan Haidt (Editora Companhia das Letras, 2023).

Nicholas Carr, mestre em língua e literatura americana pela Universidade de Harvard, alerta para os perigos da tecnologia. Para ele, é difícil resistir às seduções da tecnologia, e na era de informação instantânea, há o que chama de “os benefícios da velocidade e da eficiência”, no entanto, defende que não devemos seguir passivamente os scripts escritos por engenheiros da computação e programadores de software. Para ele “As pessoas usam a internet de todos os modos possíveis. Algumas adotam as últimas tecnologias com avidez ou mesmo compulsivamente, mantém contas em vários serviços virtuais e se inscrevem em diversos portais de informação (…) outras ainda não se importam muito em estar superatualizadas e, no entanto, permanecem online a maior parte do tempo, conectando-se de seu computador, se seu laptop ou de seu celular (…). A  mente linear, calma, focada, sem distrações, está sendo expulsa por um novo tipo de mente que quer e precisa tomar e compartilhar informação em surtos breves, desconexos, frequentemente superpostos – quanto mais rápido, melhor”.

E isso se potencializa com a criação e expansão das redes sociais. E como se exerce o controle social e pessoal, sobre o que circulam nelas? Porque não se trata apenas da troca de informações, de conhecimento, amizade etc., mas também para o cometimento de crimes e nesse sentido é necessário que haja uma legislação específica que trate disso.

Há outros aspectos relevantes. Andrew Keen, em  #vertigem digital critica a superexposição e perda de privacidade (e tempo)das pessoas nas redes sociais, enquanto Jonathan Haidt investiga o impacto do seu uso excessivo na saúde mental, especialmente em crianças e adolescentes, relacionando-o ao aumento da ansiedade, depressão e automutilação.

Em relação às ações governamentais e iniciativas internacionais, em 2023, no primeiro dia do governo Lula, foi publicado um decreto criando a Secretaria de Políticas Digitais, vinculada ao Ministério da Justiça, com o objetivo de “cuidar de assuntos relacionados à desinformação e ao discurso de ódio no Brasil”. A secretaria inclui departamentos dedicados à liberdade de expressão e educação midiática.

No plano internacional, a União Europeia aprovou em 2022 a Digital Service Act (Lei de Serviços Digitais), que impõe obrigações a plataformas como Instagram, Tik Tok e Google. O projeto visa “prevenir atividades ilegais e prejudiciais online e a propagação de desinformação”. Entre as medidas estão a transparência de algoritmos, a proibição de publicidade direcionada a crianças e a responsabilização das empresas por conteúdos ilegais.

A Unesco também tem promovido debates sobre a regulamentação das redes sociais. Em fevereiro de 2023, organizou em Paris um fórum que teve a participação, entre outros, do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, e o influenciador digital Felipe Neto. O presidente Lula também foi convidado. Ele é um dos defensores da regulação das redes sociais.

Ele não pôde comparecer ao evento em Paris mas enviou uma Carta na qual afirma que o ambiente digital – controlado por poucas empresas, salientou – causou (e tem causado) “grandes riscos não apenas à democracia e suas instituições, como à saúde pública”. E exemplificou citando a profusão de mentiras, fake news, teorias da conspiração e desinformação durante a pandemia de Covid-19 no Brasil que “contribuiu para milhares de mortes”. Além do uso indiscriminado de mentiras no processo eleitoral e se referiu à disseminação de discursos de ódio, os ataques à democracia, como ocorreu nos atos criminosos  contra as sedes dos Três Poderes em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023, afirmando que os ataques foram, em grande parte, resultados de uma campanha de mentiras e desinformação, organizada e divulgada através de várias plataformas digitais e aplicativos de mensagens.

A aprovação do Marco Civil da Internet (Lei n. 12.965/2014) foi um avanço. Trata-se de uma Lei que “regula o uso da Internet no Brasil por meio da previsão de princípios, garantias, direitos e deveres para quem usa a Internet, bem como da determinação de diretrizes para a atuação do Estado”, mas apresenta também muitas limitações. Por exemplo, o artigo 19, dos 32 artigos da Lei, diz : “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”. Ou seja,  responsabiliza as plataformas apenas se não cumprirem decisões judiciais.

Diante disso, é que especialistas, profissionais da área, intelectuais, entidades da sociedade civil e alguns parlamentares, entre outros, defendem a aprovação do PL 2630/2020, conhecido como PL das fake news, que estabelece diretrizes para as plataformas digitais, visando um ambiente online mais seguro e transparente. Aprovado no Senado, o PL está parado na Câmara dos Deputados há dois anos. 

No dia 26 de março de 2025, a OAB/SP realizou uma audiência pública para discutir a regulação das redes sociais e os desafios da governança, reunindo especialistas do setor de tecnologia, juristas, integrantes de organizações da sociedade civil e do governo (como a representante de Promoção da Liberdade de Expressão e Enfrentamento à Desinformação da Secretaria de Políticas Digitais). O objetivo foi o de discutir um marco regultório no país, abordando, entre outras questões, a Inteligência Artificial e liberdade de expressão.

Uma lei que discipline isso no Brasil é de fundamental importância porque não cabem apenas as plataformas a regulação dos conteúdos que nelas circulam, ou seja, a autorregulação. Por isso, o ministro do STF Alexandre de Moraes, afirma que “por todos os reflexos desse descontrole total existente nas redes sociais, existe uma fragilidade das mídias digitais para coibir determinados conteúdos”. Ele não apenas constata a ineficácia da autorregulação das próprias plataformas, como defende a adoção de mecanismos de regulamentação das redes sociais “semelhantes à aplicada à mídia tradicional”. Fundamentalmente, alternativas ao modelo regulatório atual.

É preciso garantir a liberdade de expressão, mas também não permitir que o ambiente online seja um território sem lei. É necessário ter mecanismos eficientes quanto à responsabilização das plataformas digitais, dos usuários que em nome de uma (pretensa) liberdade de expressão, usam as redes sociais para crimes virtuais, espalhar fake news, mentiras, manipulações, discursos de ódio e ataques à democracia.

Como destacou Sergio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC, em artigo publicado em 8 de maio de 2025, as redes sociais monetarizam a vida social por meio da coleta de dados e da predição de comportamentos. Para ele, a regulação não deve ser confundida com censura, e sim com a criação de direitos e proteções para os usuários, além da responsabilização de quem comete crimes.

Em resumo, é lei que garanta a liberdade de expressão, mas com responsabilidade, para que o ambiente digital não seja um território sem lei, acobertando crimes. A aprovação de uma legislação eficiente, com a criação de códigos de conduta, para usuários (inclusive para a preservação de sua saúde mental) e também para as plataformas digitais, é essencial para combater a desinformação e proteger a democracia.

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