Tribunal da internet culpa a esteticista Mikaella Andreia pelo próprio feminicídio

Mikaella Andreia Sagás
Mikaella Andreia Sagás

Por Ana Oliveira
Pragmatismo Político

Mikaella Andreia Sagás, de 29 anos, foi morta com brutalidade pelo ex-namorado em Biguaçu, na Grande Florianópolis. O crime ocorreu na noite de sexta-feira (9), mas seu corpo só foi encontrado no dia seguinte, em seu apartamento, com marcas de agressão e um corte profundo no pescoço. O autor, Sandro Coutinho Machado Junior, 23 anos, confessou o assassinato e se entregou à polícia quatro dias depois, na quarta-feira (14), após ter o mandado de prisão preventiva expedido.

A principal motivação, segundo a Polícia Civil de Santa Catarina, foi a recusa da vítima em continuar o relacionamento. O feminicida tem passagens por tráfico de drogas, lesão corporal, roubo, receptação e posse de drogas. Após cometer o crime, Sandro fugiu do local dirigindo o carro da vítima e levando seu celular. Poucas horas depois, foi visto em uma casa noturna da região. Segundo testemunhas, ele apresentava um corte na mão e afirmou que havia terminado com Mikaella.

No sábado (10), o corpo da esteticista foi encontrado em seu apartamento, após a família estranhar o desaparecimento. O pai autorizou a entrada da Polícia Militar, que arrombou a porta e localizou a vítima já sem vida, cercada por vestígios de sangue e sinais de que o corpo havia sido arrastado. Uma bermuda ensanguentada, que seria do agressor, foi localizada no banheiro. Imagens de câmeras de segurança também confirmaram que Sandro saiu do local com roupas cobertas de sangue.

O celular da vítima permaneceu ativo mesmo após o assassinato. Amigos notaram que mensagens enviadas a Mikaella continuavam sendo visualizadas, o que levantou a suspeita de que o autor do crime estivesse com o aparelho. Na manhã seguinte ao crime, uma mensagem enviada por uma amiga foi visualizada às 10h17.

Na quarta-feira (14), Sandro publicou um vídeo nas redes sociais admitindo o assassinato. Poucas horas depois, apresentou-se na delegacia e foi preso. Segundo o delegado Manoel Galeno, responsável pelo caso, o acusado prestou depoimento e não demonstrou arrependimento. O carro e o celular de Mikaella foram localizados e encaminhados para perícia.

Apesar da clareza dos fatos e do histórico do agressor, parte das redes sociais voltou sua atenção para um vídeo antigo de Mikaella, gravado em tom de humor. Na publicação, feita dois anos antes, ela diz: “Gosto de homem perturbado igual eu, que me ameaça pelo olhar e fala que, se me ver com outro, mata nós dois. Se for sonso, eu tô fora”. Fora de contexto, a gravação passou a ser usada para justificar o assassinato. Comentários sugeriram que a vítima “atraiu o que desejava” ou que “pagou pela própria escolha”.

A reação revela o funcionamento cruel do linchamento moral digital: o julgamento público que ignora a estrutura de violência de gênero e atribui à mulher a responsabilidade pela própria morte. Não é incomum que, após casos de feminicídio, a vítima seja revitimizada, seja por seu passado, por suas roupas, por sua postura ou, como neste caso, por uma fala irônica registrada anos antes.

Mikaella era esteticista, autônoma, dona de clínica, jovem e independente. Foi morta por recusar seguir em um relacionamento com um homem violento. O feminicídio interrompeu sua trajetória, mas, para muitos, nem a morte bastou: a vítima foi transformada em ré por um júri informal. O sepultamento da jovem ocorreu no Cemitério Municipal de Ganchos do Meio.

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