Opinião: “Responsabilidade fiscal de mentirinha”

 
 
Do jornal “O Estado de São Paulo”:
 

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, propôs que os gastos com segurança pública não sejam submetidos aos limites fixados pela Lei Complementar (LC) 200/2023, o chamado arcabouço fiscal. A prosperar mais essa artimanha legal e orçamentária, muito conveniente para governos preguiçosos, caminharemos a passos largos até a completa desmoralização da mera ideia de compromisso com o equilíbrio das contas públicas no País.

A proposta foi feita por Lewandowski a um grupo de senadores no dia 9 passado, durante uma audiência pública na Comissão de Segurança Pública do Senado para a qual o ministro foi convidado a participar. Entre outros assuntos, os membros do colegiado trataram da nova versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, apresentada por Lewandowski na véspera às lideranças da Câmara. Ao ser questionado sobre a omissão, no texto, da origem dos recursos que abasteceriam o Fundo Nacional de Segurança Pública e o Fundo Penitenciário Nacional caso a PEC seja promulgada, o ministro da Justiça justificou a ausência, com incrível singeleza, citando as limitações impostas pelo arcabouço fiscal.

Que o regime de controle dos gastos públicos aprovado em 2023 já nasceu frouxo, não há dúvidas. Igualmente, é conhecido o absoluto descaso do governo Lula da Silva – mas não só do Poder Executivo – com qualquer medida que represente, de fato, um compromisso genuíno com o equilíbrio das contas públicas. Mas até para esse padrão de desrespeito aos contribuintes que dá o tom da administração pública no Brasil a ideia de Lewandowski, se não chega a surpreender, é um disparate. Ora, trata-se, ninguém menos, do ministro da Justiça (e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, a Corte que zela pela Constituição) propondo aos senadores a flexibilização do cumprimento de uma lei em pleno vigor.

Governar implica fazer escolhas, muitas delas difíceis. Administrar bem – e, no caso da administração pública, governar em prol do bem comum – significa estabelecer prioridades e gerir recursos públicos escassos. Num país como o Brasil, premido por desafios, desigualdades e carências expostas aos olhos de todos para onde quer que se olhe, fazer boas escolhas e, sobretudo, adotar uma gestão eficiente e republicana dos recursos públicos são fatores determinantes para o destino de milhões de cidadãos que dependem do Estado para ter uma vida minimamente digna.

Se a segurança pública deve ser tratada – e deve – como uma “pauta prioritária” para o País, como disse há poucos dias o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), é dever do governo federal escrutinar o Orçamento de cima a baixo e identificar oportunidades de corte de gastos que permitam o financiamento de políticas públicas nessa e em outras áreas tidas como preferenciais pelos cidadãos.

E isso, evidentemente, deve ocorrer em estreita parceria com o Congresso, na condição de representante dos interesses da sociedade e da Federação. Administrar um país empregando esforços na construção de exceções ao cumprimento de leis exigentes, e não o contrário, pode até ser mais fácil para o governo federal, mas também é o caminho mais curto e certeiro para a ruína.

Para citar poucos exemplos, oportunidades de corte de gastos decerto não faltam num país que concede aos membros do Poder Judiciário privilégios inimagináveis para servidores até de outros setores do funcionalismo, que dirá da iniciativa privada. Ademais, como justificar a necessidade de excluir os gastos com segurança pública das regras do arcabouço fiscal quando a deputados e senadores é dado dispor de quase R$ 60 bilhões a título de emendas parlamentares, não raro opacas e ineficientes?

Por fim, não se pode deixar de considerar que a proposta desarrazoada do ministro Ricardo Lewandowski, apenas mais uma no contexto de reiterados ‘furos’ no natimorto arcabouço fiscal, está totalmente em linha com o desejo de Lula da Silva de gastar como se não houvesse amanhã em nome de sua eventual reeleição em 2026. O busílis é que haverá amanhã – mas ninguém no governo federal parece perder o sono pensando nisso.

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