Desnutrição foi responsável por mais de 90 mil mortes de idosos nos últimos 20 anos

Entre 2000 e 2021, foram registradas 93.868 mortes de idosos causadas por desnutrição no Brasil. Segundo um novo estudo publicado na Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, o período registrou uma queda na taxa de mortalidade por esse motivo entre aqueles de 60 a 79 anos, mas os números se mantiveram estáveis e elevados entre a população acima de 80 anos.A pesquisa utilizou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Considerando que a desnutrição é uma causa de morte evitável e que a expectativa de vida da população brasileira é maior do que há duas décadas, os autores do estudo apontam que os números, embora em queda ou estabilidade, ainda estão elevados e acendem um alerta.”A gente observou uma tendência decrescente (da mortalidade de idosos por desnutrição), mas a alta taxa chama a atenção. No ano de 2021, por exemplo, foram 10,6 mortes a cada 100 mil pessoas. É uma taxa alta. Não deveria morrer ninguém por desnutrição”, diz Ronilson Ferreira Freitas, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e orientador do estudo.Outros autores da pesquisa são da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). A pesquisa recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).Desnutrição em idososA desnutrição analisada pelo estudo se refere à baixa ingestão não apenas da quantidade de calorias, mas também de proteínas. Em longo prazo, ela leva à perda de peso e de massa muscular, o que prejudica a qualidade de vida dos idosos. Sem força nos músculos, eles têm maior dificuldade para exercer atividades simples, como se levantar, e também correm maior risco de quedas e fraturas.Segundo Simone Fiebrantz Pinto, nutricionista especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), a desnutrição afeta esse grupo por diversos fatores. Entre os motivos, estão problemas de dentição e deglutição, comuns nessa fase da vida.Os idosos também são mais suscetíveis a quadros de saúde que favorecem a perda de peso e a desnutrição, como demências e doenças crônicas. Simone aponta que a própria fraqueza muscular dificulta a alimentação adequada nessa idade, uma vez que dificulta tarefas como ir ao mercado e cozinhar.Além dos fatores fisiológicos, há influências socioeconômicas. A diminuição da renda com a chegada da aposentadoria e o aumento dos gastos com remédios são exemplos aqui. Quanto mais velho, mais esses aspectos se acentuam.Segundo o novo estudo brasileiro, os grupos de idosos mais afetados pela mortalidade causada por desnutrição eram aqueles que viviam em Estados do Nordeste e que eram analfabetos.”A educação geral e, consequentemente, a educação em saúde potencializa (o acesso) à informação, ao conteúdo de qualidade, mostrando a importância do alimento diversificado e do consumo proteico. Às vezes, essa informação não chega para analfabetos, ou não chega da forma mais adequada. E, aí, as escolhas são feitas por desconhecimento”, explica Simone.Ela afirma ainda que a falta de conhecimento não é exclusiva desse grupo. Por isso, muitos idosos acham que comem de maneira correta e que não precisam frequentar um nutricionista. Isso é comum especialmente entre aqueles que não apresentam baixo peso, inclusive os que têm obesidade. “Ele tem a reserva calórica, mas tem menos proteína e não tem massa muscular adequada”, aponta a especialista da SBGG.Por fim, há casos em que o idoso não tem uma doença, possui condições financeiras e até se cuida, mas, devido à idade, naturalmente tem menos apetite. “O próprio esvaziamento gástrico do idoso é mais lento, então ele vai querer comer volumes menores”, explica a nutricionista.O que pode ser feitoPara Simone, a queda na mortalidade por desnutrição entre idosos de 60 a 79 anos de idade já é um indicativo de que políticas públicas implementadas lá atrás surtem efeito. O cuidado com a saúde bucal ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, é uma maneira de evitar problemas de dentição e deglutição que podem prejudicar a nutrição.A nutricionista aponta ainda programas que oferecem hortas comunitárias e restaurantes populares como ações intersetoriais que beneficiam os idosos. Para ela, o que pode melhorar é a busca ativa por idosos em risco de desnutrição, uma vez que eles nem sempre têm o conhecimento necessário para compreender a necessidade de acompanhamento.Para Freitas, as políticas públicas existentes se mostraram capazes de reduzir ou, ao menos, interromper o aumento do problema. No entanto, ele acredita que, de olho no acelerado envelhecimento populacional, elas precisam ser revisitados, discutidas e aprimoradas. “O que a gente espera para os próximos 10, 20 anos é que haja investimento nessas políticas”, afirma.Além disso, Freitas aponta a importância da ciência brasileira esmiuçar o tema, uma vez que ele não é tão explorado pelos pesquisadores e é de extrema importância para o futuro da população. “A partir das evidências científicas a gente consegue proporcionar aos gestores e aos profissionais da saúde que estão na ponta o auxílio na tomada de decisão”, conclui.
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