Arquidiocese de Salvador criará núcleo para preservar igrejas e peças de arte sacra

A grandiosidade do patrimônio histórico e religioso de Salvador é indiscutível. A capital baiana, hoje, abriga cerca de 589 igrejas católicas, muitas delas repletas de obras sacras de valor inestimável. Entre altares de ouro, imagens barrocas e documentos históricos, os acervos da cidade remontam aos primórdios do Brasil, sendo testemunhas de séculos de devoção e cultura. Pensando na preservação desse vasto acervo, a Arquidiocese de Salvador, por meio da Comissão de Bens Culturais, tomou a iniciativa de criar um núcleo especializado para conservação e restauro. O objetivo é não só preservar as peças, mas também formar profissionais qualificados que ajudem a manter viva essa herança.O projeto de criação do Núcleo de Conservação e Restauro surge em um momento crucial, quando parte das igrejas e objetos sacros se encontra em avançado estado de deterioração. Segundo o Irmão Jorge Mendes, vice-coordenador da Comissão de Bens Culturais da Arquidiocese, a necessidade de restauro é iminente, mas o foco principal é a prevenção. “A ideia de criar o núcleo é antiga. Desde que assumi, há dois anos, temos pensado na importância de que Salvador tenha um núcleo dedicado à preservação do seu patrimônio religioso. A cidade ganharia muito com isso”, conta.‘Cultura preventiva’O núcleo deve servir como um ponto de referência na Bahia, não só na restauração, mas também na conservação de objetos sacros e na formação de jovens que desejam atuar nessa área. “Precisamos criar uma cultura preventiva para evitar a necessidade de restauro. Esse núcleo teria como referência a defesa do patrimônio e a formação de jovens e adultos, tornando-os defensores do patrimônio”, explica Jorge.Com a preservação preventiva como uma das principais metas, o projeto almeja evitar que o estado de deterioração das peças atinja níveis críticos, exigindo restauros complexos e caros. “Precisamos treinar jovens e pessoas que tenham vontade de aprender, para que possam entrar na área de conservação e restauro de forma preventiva, sem deixar as coisas chegarem ao ponto em que estão hoje”, conta Rita Moraes, conservadora, restauradora e membro do núcleo recém-criado.“Ontem mesmo, entramos em uma igreja que foi restaurada recentemente, mas você olha em alguns lugares e há uma camada de poeira que parece algodão. Isso pode ser resolvido com uma conservação preventiva; não precisa de restauro para limpar e dar uma nova imagem”, completa Rita.Para que essa conservação preventiva seja possível, o núcleo oferecerá cursos de restauração voltados, principalmente, para aqueles que trabalham nas igrejas católicas da Bahia. Ensinando não só como restaurar suas peças, mas também como conservá-las, tornando os reparos menos necessários.Numa espécie de pontapé ao projeto, o núcleo está oferecendo hoje, das 09h às 12h, no Convento da Piedade, de maneira aberta e gratuita ao público, um workshop sobre preservação histórica, artística e cultural religiosa, ministrado por João Rossi, restaurador do Mosteiro de São Bento, em São Paulo.”A ideia do workshop é justamente despertar essa consciência”, diz o restaurador. “Muitas vezes, as pessoas que frequentam ou cuidam da igreja não têm noção dos danos que pequenas ações, como amarrar arranjos de flores com arame nas obras, podem causar. Precisamos criar essa cultura de conservação para evitar restauros desnecessários”, conta João.Rossi se mostrou impressionado com a dimensão e a qualidade do patrimônio sacro de Salvador. “Me impressionou muito o montante de patrimônio eclesiástico que Salvador possui, e unificar isso na questão da conservação é muito importante, especialmente no âmbito da arquidiocese”, comenta.Após a captação de recursos, a elaboração do projeto pedagógico e a inicialização do projeto, o núcleo funcionará de maneira autossustentável, fornecendo serviços de restauração e conservação a baixo custo, inserindo aqueles que decidirem ingressar no núcleo no mercado de restauração da Bahia.“Nesse ambiente, teremos pessoas qualificadas para elaborar projetos a um custo menor, porque, muitas vezes, o maior custo para restaurar uma igreja, além do próprio restauro, é o projeto. Um projeto pode custar 500 mil reais, e muitas vezes a irmandade ou o administrador da igreja não tem condições de arcar com isso. Se tivermos esse núcleo, poderemos avançar muito no campo do patrimônio histórico”, conta o Irmão Jorge.Com a adoção de um projeto de ensino que seja também voltado àqueles que hoje trabalham nas igrejas e oferecendo serviços a baixo custo, o núcleo de restauração evitará situações de má administração das obras, como conta Rita Moraes. “Recentemente, restaurei uma peça de uma igreja onde o funcionário passou um produto com amônia, tirando todo o ouro da peça. A peça veio em caráter de urgência para ser restaurada devido a uma festividade, e tivemos que aplicar o ouro novamente. Esse funcionário não tinha nenhum conhecimento. O mesmo acontece quando enfeitam o altar com flores sem proteção”.O Núcleo de Conservação e Restauro, que tem em sua estrutura uma vertente educacional muito forte, além de formar jovens, terá um papel importante na conscientização da comunidade sobre a preservação do patrimônio. “Nesse núcleo, também será trabalhada a educação patrimonial, levando conhecimento para as escolas e comunidades, para que as pessoas entendam a importância de preservar o patrimônio. Se alguém risca a porta de uma igreja ou destrói algum bem, está destruindo um patrimônio que pertence não só à igreja, mas à humanidade”, afirma o Irmão Jorge.A criação do núcleo de restauração surge, então, como uma esperança para que o patrimônio religioso de Salvador continue a ser admirado e preservado pelas futuras gerações. “Precisamos deixar esse legado, não só para a Igreja, mas para toda a sociedade”, conclui o Irmão Jorge.O futuro do acervo histórico de Salvador depende do sucesso desse núcleo de restauro. A Arquidiocese de Salvador, junto com a Comissão de Bens Culturais, espera que, ainda este ano, possa contar com o apoio necessário para dar início às atividades do núcleo. Se o projeto for bem-sucedido, não só as igrejas da cidade serão preservadas, mas também o legado cultural e religioso da Bahia será assegurado para as próximas gerações.*Sob supervisão da editora Isabel Villela.
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