Centros Históricos e a moradia, um debate sempre necessário

Wagner Muniz
Doutorando em Estudos Urbanos e Regionais (PPEUR) da UFRN e Pesquisador do Núcleo Natal do Observatório das Metrópoles

Que história é essa que a cidade do Natal-RN conta com seus prédios antigos abandonados, caindo? A Ribeira, junto com a Cidade Alta, são os bairros considerados formadores do centro histórico de Natal e a gestão pública insiste em dar para eles um tom de requinte para aquilo que está, aos poucos, esvaziando. Estão dando ares de grandeza para edifícios que já não existem. Se tornaram apenas fachadas. 

Vira e mexe alguns setores da sociedade resgatam o debate da preservação e o colocam para a população. Como aconteceu, por exemplo, em dezembro de 2023, após artista local simular (por computação gráfica) os edifícios do bairro revitalizados, de acordo com a sua imaginação e com uso de inteligência artificial, o debate sobre “o que fazer com o centro”, voltou ao debate. Imaginem só, até audiência na Câmara municipal ocorreu. 

Não bastasse, diversos projetos que criam e recriam ou escondem a realidade do local, como, também de dezembro do ano passado, ação executada pelo poder público municipal e uma empresa privada, que visa pintar as fachadas de treze prédios. Isso é maquiar, mascarar. 

Outro, iniciativa, anunciada pelo governo do estado, em março de 2024, destinou recursos para reconstrução de um imóvel, também na Ribeira, a antiga Loja Paris em Natal, que abrigará o Centro Cultural Fazeres. E daí, pergunta-se: reconstruir ruínas? Reconstruir, sim, porque muito do que se tem ali são fachadas feitas de alvenaria. E ruínas, sim, porque, muitas estão ao relento, abandonadas, sem telhado, portas e janelas, se desfazendo.  

Perguntas a mil: Apagar os detalhes arquitetônicos, as marcas do tempo, misturar cal e adobe com ferragem e cimento? Que tragédia! E depois da obra pronta, vão fazer o quê? Que uso dar a ela? Além disso, ao reconstruir um único edifício ou pintá-los é suficiente para fazer a população se interessar e frequentar aquelas bandas? Essas medidas pontuais e escassas são suficientes para atender o projeto de centro histórico que a sociedade almeja? Estariam deixando propositalmente esses edifícios ruírem para depois levantarem as tão modernas caixas de ferro, vidro e cimento? Em um país onde se evidencia a ideologia do novo, moderno e progresso são sinônimos e parece absurdo preservar edifícios antigos.  

É estranho, mas, adobe e madeira são mais duráveis que cimento. Aliás, já existem muitos edifícios construídos em concreto armado precisando de reformas. As técnicas de restauro se desenvolveram e foram aperfeiçoadas. Mas, são mais empregadas em hotéis, pousadas, lojas, restaurantes e centros culturais elitizados. A gestão pública precisa enfrentar os conflitos postos entre a preservação e as necessidades da população local. Porém, quando o fazem, preferem atender os interesses de determinadas classes, geralmente, aquelas mais ricas, e suas pressões por modernização.  

Entende-se, de modo errado, que o patrimônio urbano é algo intocável, distante da realidade e do cotidiano local. A compreensão que se tem é de que o centro histórico é um lugar separado na atividade do planejamento urbano e do urbanismo e as responsabilidades a profissionais ou instituições específicas.  

Desculpem os meus amigos planejadores urbanos e arquitetos. Muitos de nós, também compreendemos esses locais como uma região à parte do restante da cidade. Não à toa, quando organizamos nossas publicações, o tema patrimônio fica por último. Salvo se esse não for o tema do livro. 

Naquelas cidades em que o centro histórico se encontra degradado, quantos já não disseram que ele está morto, sem vida, que precisa revitalizar? Estaria morto ou ainda não entrou na mira daquilo que chamam de lógica do capital? Se é que a lógica do capital não é se apropriar de tudo aquilo que encontra pela frente e transformar em negócios para quem possa pagar e lucrar. Seria o centro histórico um contraponto na cidade capitalista? Quando adotadas ações de preservação ou revitalização, seja em Natal ou em qualquer outra capital, destroem as relações sociais. A população nativa é expulsa. Em especial, os pobres, por estarem em um bom local. Quando, na verdade, a principal instituição de preservação começa pelo morador! 

E se as políticas de preservação não forem articuladas, não andarem de mão dadas com a sociedade local, faz surgir esses vácuos entre preservação e desenvolvimento, que é incompatível com a cidade real. Como as que se observam para o bairro da Ribeira, em Natal. 

Ao invés de maquiar o imaginário da população potiguar, por que não pensar em políticas de habitação e de permanência dos habitantes que já vivem nessas áreas e de seus descendentes? O centro histórico já possui teatro, escola, escola de dança, ponto de ônibus, várias linhas de ônibus passando, infraestrutura urbana, feiras, bares, pescadores, comércio.  

Lembra-se que a região metropolitana de Natal, ou seja, a grande Natal, como referido pela mídia local, contempla quinze municípios. E quando se fala em metrópoles pensa-se, logo, no moderno, no novo. Debate-se crescimento econômico, energia, tecnologia. Mas, e a nossa memória, nossos remanescentes, nossas referências? 

Porque os municípios da grande Natal não dialogam, em conjunto, medidas para a proteção do patrimônio histórico e urbano? Primeiro, existem poucos arranjos institucionais de coordenação metropolitana que discutem os centros históricos ou destinam recursos para uma gestão colaborativa de preservação dessas áreas. Isso seria uma inovação. 

Além disso, os municípios da grande Natal, apresentam dinâmicas urbanas que extrapolam seus limites e as ações implementadas em uma, interferem nos sítios históricos das outras. Por exemplo, ao criarem áreas e eixos para ocupação fazendo com que a população de uma se mude para outra, alterando preços, valorizando determinadas áreas. Por isso, a manutenção e os planos de valorização devem considerar o desenvolvimento econômico e social dos locais que o abrigam, bem como de seus vizinhos, e dialogarem entre si nesse aspecto. 

O debate é longo, mas possível. Os problemas para a proteção e gestão do patrimônio urbano são muitos, como: baixa inserção do tema na pauta política, pouca inclusão das organizações representativas da sociedade sociais, recursos econômicos escassos, e tantas outras questões. Ainda assim, possível! 

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