Ele traz para os jovens psiquiatras a importância da desmistificação dos conceitos, de demonstrar cientificamente as possibilidades e de testar as hipóteses, abandonando ideias pré-concebidas e os preconceitos. Ele colabora muito nesse aspecto de uma psiquiatria humanizada e mais preocupada com o outro, que vem em consonância com a psiquiatria moderna, que é a individualização do tratamento. Ele conseguiu quebrar preconceitos existentes do próprio paciente, de familiares, e conseguiu mostrar para as pessoas que se elas estão deprimidas, aquilo não é fraqueza, não é preguiça, aquilo é uma doença. Uma pessoa com um quadro depressivo também pode não ter força para realizar suas atividades normais
Antônio Freire – sobre inspiração para o seu ofício
Atual estruturaO HJM conta com uma estrutura de emergência, funcionando de domingo a domingo, durante 24 horas, contando com serviços de triagem e acolhimento, com classificação de risco em psiquiatria. A internação possui 101 leitos distribuídos em quatro unidades de internação. Segundo dados disponibilizados pela direção do HJM, entre janeiro a julho de 2024, o hospital registrou uma média de 715 atendimentos na emergência, resultando em aproximadamente 119 internamentos para tratamento psiquiátrico, por apresentar quadros agudizados do transtorno mental, ao passo que, foram efetivados uma média de 119 altas.Os pacientes podem ser tratados tanto em regime de internação integral, quanto de forma extra-hospitalar. Quando a doença está agudamente descompensada, a internação hospitalar é necessária, pois o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) ou o ambulatório não conseguem atender ao quadro clínico. Essa necessidade ocorre em situações de alto risco de agressão a outros ou a si mesmo, exposição social grave, depredação de patrimônio ou incapacidade de autocuidado, como tomar medicações, manter a higiene pessoal e se alimentar adequadamente, sem apoio familiar ou de amigos.Freire destaca que o hospital utiliza abordagens da psiquiatria moderna, focadas em ajudar o indivíduo a sair do estado de desorganização e incapacidade total de autocuidado, permitindo que ele possa, posteriormente, retomar sua vida fora do ambiente hospitalar. Segundo ele, o hospital tem avançado nos últimos anos devido a este quesito.“Se pegarmos um recorte de 5 ou 6 anos, o espaço tinha quase 50 moradores, que estavam no hospital abandonados por suas famílias ou que não tinham nenhuma referência familiar, portadores de transtornos psiquiátricos graves, sem nenhum apoio, e que moravam lá há 10, 15 ou 20 anos”, explica o Doutor. “Conseguimos desinstitucionalizar isso e hoje contém exclusivamente os pacientes que estão em estado agudo. Os antigos, foram conduzidos para serviços de residência terapêutica, que são casas com 6 a 8 pacientes, onde esses indivíduos moram com outros ex-pacientes de instituições psiquiátricas. Assim, conseguimos que quase 50 pacientes deixassem o hospital e retomassem suas vidas fora do ambiente hospitalar”, prossegue Freire.Além da emergência de internação psiquiátrica, o hospital oferece ambulatórios especializados – embora esteja fechado para novos atendimentos a anos -, disponível em diversas áreas: transtornos do humor, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade e depressão, primeiro episódio psicótico, psicose na infância e adolescência, e psiquiatria geral. Sendo uma instituição pública estadual, o hospital dedica-se exclusivamente ao atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), servindo não apenas a Salvador, mas toda a Bahia, e sendo uma referência na área de Saúde Mental no estado.Sobre o trabalho humanizado, Ronaldo avalia: “Eu tenho visitado o HJM e posso observar que, agora, depois de tantos anos desonrando o nome e a memória de Juliano, ele vem merecendo o nome, porque a ideia do tratamento psiquiátrico é isso: um paciente psicótico num estado agudo, ele precisa de uma intervenção, sem dúvida. Mas assim que sair do estado agudo, ele deve retornar à sua família, ao seu lar, e fazer o tratamento ambulatorial regularmente”.Já Freire destaca que o hospital é um grande vanguardista quando se trata de saúde mental. “Uma das inovações implementadas é o serviço de triagem e classificação de risco em saúde mental. Quando o paciente chega à emergência, ele faz sua ficha de atendimento e passa imediatamente pelo setor de triagem e acolhimento. Neste setor, os dados vitais do paciente são aferidos, incluindo pressão arterial, frequência respiratória, temperatura e saturação de oxigênio no sangue. Também é possível avaliar a glicemia capilar. Isso ajuda a determinar se o paciente tem uma doença psiquiátrica descompensada ou se há uma condição clínica contribuindo para os sintomas psiquiátricos”, FreireApós a avaliação, o paciente é examinado para saber a gravidade do quadro psiquiátrico ou clínico. Com base nisso, o risco é classificado. Se o paciente for considerado de alto risco, ele precisa ser atendido imediatamente pela equipe médica, com uma marca vermelha no sistema indicando a urgência. Se o paciente apresentar sintomas menos graves, como insônia e preocupação com a descompensação da doença, ele recebe uma classificação de risco menor e é atendido assim que possível, sem necessidade de prioridade sobre casos mais graves.Reflexo do seu legadoNo mais, vale ressaltar que Juliano Moreira é uma figura importante entre os estudiosos negros da história do Brasil e deixou o seu legado na área da psiquiatria que perdura até os dias atuais. Seu trabalho pioneiro e suas contribuições científicas estabeleceram bases sólidas para o tratamento e a compreensão das doenças mentais no Brasil. Ele não apenas desafiou preconceitos raciais em sua época, mas também lutou contra a institucionalização e o tratamento desumano dos pacientes psiquiátricos.“Embora ‘negro retinto’, graças ao seu saber, respeitabilidade, elegância, civilidade, bondade e contemporaneidade e o seu modo de ser, ele tinha livre acesso aos ambientes refinados do Brasil e de países do Exterior”, lembra Dunningham.“Ele teve um impacto muito grande no mundo. Chegou a ser homenageado quase 10 vezes como presidente de congresso internacional, foi homenageado pelo mundo todo, recebeu a maior comenda do Japão, ‘A Ordem do Tesouro Sagrado’, da mão do imperador; foi homenageado por mais de cinco universidades alemãs, recebendo uma medalha em Hamburgo por todo esse trabalho. Ele dominava seis línguas vivas e o latim, escrevia em alemão, inglês e francês, com a maior facilidade, e isso fazia os seus textos circularem pelo mundo e ganhar esse prestígio que ele teve”, detalha Ronaldo.Não conhecer a história de Juliano Moreira, pode ser ainda um reflexo do preconceito – do preconceito estrutural – presente no sistema educacional e informativo que, por muitos anos, gerou desigualdade e minimizou a importância de heróis negros em diversas áreas, assim como colaborou para a redução na visibilidade no seu reconhecimento público.