A vez do jornalismo regional e alternativo na cobertura ambiental

Mesa com Kátia Brasil (sentada) e Juliana Arini I Foto: Mirella Lopes

Como traçar projetos para o futuro quando eles trazem devastação para o presente? Para discutir essa e outras questões, como a dívida que a geração atual vai deixar para a futura em termos ambientais, profissionais de diferentes lugares do país compartilharam suas experiências em coberturas jornalísticas na manhã desta sexta (20) no 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental que está sendo realizado no Nordeste pela primeira vez e tem cobertura da Agência Saiba Mais.

Apesar das realidades e localidades diferentes, foi possível perceber que há um discurso comum entre os gestores que tentam passar por cima ou flexibilizar a legislação ambiental: a promessa de desenvolvimento econômico. Trazendo a reflexão para Natal, é inevitável lembrar da promessa de desenvolvimento com a aprovação do Plano Diretor de Natal e da engorda da Praia de Ponta Negra. No 1º caso, alguns pontos estão sendo questionados pelo Ministério Público e no segundo, a obra foi paralisada pela própria Prefeitura do Natal por problemas na jazida de areia que serviria de fonte para a retirada de sedimentos.

As obras vêm sempre sendo as indutoras da discussão ambiental, que acaba sendo aquartelada pela promessa de crescimento. Lembro que na época da construção das hidroelétricas, como Belo Monte, a promessa era que o Brasil iria crescer 5%. Nunca esqueço isso, as reportagens da época. O Brasil nunca cresceu 5%. Era uma energia que estava atrelada a projetos de mineração, não era para consumo do país, mas para exportação de minérios”, desabafou Juliana Arini, Secretária da Câmara Setorial Temática do Estado de Mato Grosso, que participou de maneira virtual direto do Mato Grosso, de onde trabalha atualmente.

Saiba +
Falta de contexto prejudicou cobertura jornalística de enchentes no Sul

A jornalista lembra que o projeto de desmatamento começou na Ditadura Militar de 1964, quando os militares enviaram pessoas para abrir estradas e garantir a ocupação das terras, o que resultou em grandes latifúndios e na matança de indígenas.

A ideia de progresso é floresta no chão e gado em cima. Estou contando isso porque quando você chega a Pantanal, a primeira coisa que encontra é a retomada da discussão da construção da hidrovia Paraná-Paraguai, que traz a interferência num bioma extremamente sensível. Um dos meus sonhos era que meu filho tivesse o privilégio de conhecer o Pantanal. Eu fui essa criança… de ver onça em fundo de pasto, de acordar e ver Tuiuiú [tipo de pássaro], Arara Azul comendo manga… eu tive esse privilégio de mostrar esse Pantanal para ele… mas ele não existe mais hoje…”, lamenta Juliana Arini.

Apresentação de Kátia Brasil I Foto: Mirella Lopes

“A ministra Marina Silva disse que poderíamos perder o Pantanal, isso é algo que digo desde 2020, não porque sou eu falando, mas ouvindo cientista, trabalhando em redação”, acrescenta a jornalista, que trabalha com assessoria de imprensa e reportagem, mas retornou ao Mato Grosso para atuar em um projeto de proteção a onças pintadas.

Com o incêndio de 2020, o Pantanal foi a região que mais perdeu área no Brasil, com cerca de 58% de sua área atingida pelo fogo, no Cerrado, 12,5% da vegetação foi afetada e na Amazônia, 6% da mata foi atingida, segundo a jornalista.

“Entrei em estado de choque ao ver aqueles animais queimando, foi uma chacina. O bioma nem se recuperou e já está passando por um incêndio agora… A previsão é que o Pantanal se torne semiárido”, alerta.

Para Juliana Arini, uma das causas dos inúmeros incêndios da atualidade é o desmantelamento do Código Florestal, ainda em 2012, e a não realização do Cadastro Ambiental Rural, no qual os proprietários de terras teria a obrigação de fornecer informações sobre sua propriedade.

Tivemos uma destruição do Código Florestal de 2012 e a contrapartida ambiental era o Cadastro Ambiental Rural, que era uma espécie de raio-x que o produtor rural tinha que dar perante os órgãos reguladores… hoje, passados mais de dez anos da implantação do Cadastro, esse ambiente não foi implementado, foi declaratório e quem consolidar, ganhar terra! Então, o fogo passou a ser a forma mais barata de se ocupar a terra. Esse fogo que estamos vendo hoje descontroladamente, principalmente na Amazônia Cerrado e Pantanal, tem como raiz a ausência de discussão ambiental do Código Florestal e da implementação do cadastro. Então como jornalista hoje, faço uma mea culpa porque precisamos urgentemente retomar essa discussão”, assevera Juliana Arini.

Amazônia… ocupar para não entregar

Na sequência, foi a vez de Kátia Brasil, Diretora-executiva da Agência Amazônia Real explicar o processo de ocupação de terras na Amazônia.

Não vou nem falar sobre a invasão de 1.500, quando a população indígena foi dizimada pelo interesse nas riquezas do Brasil. Vou tratar do projeto de ocupação durante a ditadura militar, que tinha o lema ‘ocupar para não entregar’, que resultou em Serra Pelada, na abertura para a mineração, na construção das BRs 230, 163, 319, 174 e na instalação da Vale do Rio Doce em Carajás, além da Suam, Basa, Suframa e dos mega-latifúndios”, denuncia.

Nesse período, pelo menos 3.000 indígenas foram mortos segundo levantamento realizado pela Comissão da Verdade, em 2014.

A prática era de exclusão dos indígenas nos projetos de governo, porém, quando eram incluídos, era pata participar do sistema autoritário, treinados pelo regime, eles trabalhavam como guardas rurais, perseguindo outros indígenas.

Nesse contexto, e avançando para os tempos atuais, a jornalista lembra que as coberturas na Amazônia são sazonais e só costumam ocorrer quando há alguma tragédia.

Dom [Phillips] e Bruno [Pereira] foram assassinados em 2022 e a imprensa toda foi para lá, hoje não tem mais ninguém cobrindo. Só algumas mídias acompanham o resultado da investigação, mas ninguém voltou mais ao Javari. Mas a Amazônia Real não, voltou para fazer levantamento de como ficaram aquelas comunidades depois daqueles assassinatos brutais que tinha envolvimento do narcotráfico, tinha mandante e a gente viu agora que uma pessoa acabou de ser absolvida pela justiça, enfim na Amazônia os grandes crimes sempre ficam na impunidade. Foi assim com Chico Mendes, Dorothy Stang e tantos outros que tombaram na floresta”, critica Kátia Brasil.

A dependência econômica

O vínculo econômico entre os grandes jornais e grandes empresas é outro fator que interfere nas coberturas jornalísticas.

A imprensa local é comandada pelos poderes do agronegócio, mineração, madeira, sempre foi assim. Os jornais são financiados por esses grupos. No Pará, por exemplo, ninguém me falou sobre o desastre ambiental de Barcarena, de 2018, quando houve um transbordamento da barragem de rejeito porque a empresa que se diz a maior produtora do mundo de alumínio banca todos os nossos veículos”, denuncia a jornalista.

Para evitar pressão contra jornalista, a Amazônia Real abriu mão de financiamentos públicos. A instituição tem cinco processos de censura e uma reportagem censurada há dois anos sobre a questão dos danos ambientais provocados pelo uso de agrotóxico na produção de açaí, que contamina lagos e produção de quilombolas.

Outro ponto que precisa ser visto para melhorar as produções jornalísticas, aponta Kátia Brasil, é o elevado uso de releases oficiais, que empobrecem a diversidade de matérias que chegam ao leitor.

A imprensa está totalmente oficial, existe um problema sério que interfere na democracia que é a publicação de notícia oficial do estado, dos municípios, uma notícia só para todo mundo ler. A população está ficando burra e desinformada”, critica.

O 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental está sendo realizado na Unifor, em Fortaleza, no Ceará, e tem cobertura da Agência Saiba Mais. O evento termina neste sábado (21), com a participação de André Trigueiro, jornalista da Rede Globo, que vai falar sobre “Jornalismo ambiental na era dos extremos”.

Saiba +
Como o modelo de desenvolvimento do presente inviabiliza o futuro
Congresso de jornalismo ambiental começa nesta quinta (19), no Ceará

The post A vez do jornalismo regional e alternativo na cobertura ambiental appeared first on Saiba Mais.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.