Com recurso de Natália, STF veta verba pública para celebrar golpe de 1964

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu um recurso apresentado pela deputada federal Natália Bonavides (PT) e proibiu o uso de recursos públicos, por parte de qualquer ente estatal, para promover comemorações ao golpe de 1964, considerando a ação como um atentado contra a Constituição e com dano ao patrimônio imaterial do governo federal.

O pedido de Natália nasceu ainda em 2020, durante o governo Bolsonaro, quando o Ministério da Defesa do então presidente publicou a “Ordem do dia de 31 de março de 1964”, uma mensagem em comemoração aos 56 anos do golpe. A prática de comemorar a ação que deu origem à ditadura começou em 2019 e foi seguida até 2022, último ano de Bolsonaro na presidência.

Em primeiro grau, na 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, o pedido de Natália foi julgado procedente  “para determinar aos réus que procedam a retirada da ordem do dia 31 de março de 2020, do sítio eletrônico do Ministério da Defesa, além da abstenção de publicação de qualquer anúncio comemorativo relativo ao golpe de Estado praticado em 1964, em rádio e televisão, internet ou qualquer meio de comunicação escrita e/ou falada”.

Em segundo grau de jurisdição, no entanto, a sentença foi reformada pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) para julgar improcedentes os pedidos. O Tribunal de origem fundamentou seu entendimento, majoritariamente, na ideia de que a “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964” apenas veicularia “a visão dos Comandantes das Forças Armadas sobre aqueles fatos e sobre a participação da instituição” e que “a Constituição não desautoriza as diferentes versões sobre fatos históricos, mas as fomenta, porquanto fundada no pluralismo de ideias, de visões, de versões, não se regozijando, portanto, com uma verdade oficial”.

Contra o acórdão, houve a interposição de recurso extraordinário. O caso, então, passou para o STF. O relator, ministro Nunes Marques, negou provimento ao recurso e argumentou que o caso não apresentava repercussão geral, sendo acompanhado pelos ministros Dias Toffoli e André Mendonça.

Chegando ao Plenário em dezembro de 2023, Gilmar Mendes fez um pedido de vista e o julgamento foi suspenso. Em maio, Mendes discordou de Nunes Marques e sustentou que “a utilização, por qualquer ente estatal, de recursos públicos para promover comemorações alusivas ao Golpe de 1964 atenta contra a Constituição e consiste em ato lesivo ao patrimônio imaterial da União”.

Depois, a ação foi julgada em sessão virtual entre os dias 30 de agosto e 6 de setembro. Nos autos, Natália Bonavides sustentou que a “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964” utiliza-se de “meios oficiais do poder executivo” para “justificar aquilo que é injustificável, legitimar o ilegitimável: o golpe de Estado”. 

A parlamentar defendeu que a Constituição de 1988 seria “fruto do processo de transição […] de um regime autoritário, de exceção, para um regime […] democrático” e que “o repúdio à ditadura” integraria o “núcleo da identidade da ordem constitucional forjada pela Constituição”, que “se opõe textualmente ao regime que se instalou no Brasil com a ilegítima deposição do presidente João Goulart”.

Também argumentou que houve “uso da estrutura do Estado brasileiro para realizar uma publicação capaz de subverter fatos históricos incontroversos e, pior, para ocultar a verdade e tripudiar da memória das vítimas dos atos de arbítrio”.

Para Gilmar Mendes, “práticas como a combatida nos presentes autos inserem-se em um contexto maior de sucessivas e espúrias contestações inconstitucionais da ordem democrática – quer por via indireta, mediante a exaltação de iniciativas inequivocamente subversivas, como realizado por meio da ‘Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964’ impugnada nestes autos; quer por via direta, como tivemos a desventura de observar no infame dia 8 de janeiro de 2023.”

“A tentativa abjeta e infame de invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 não será devidamente compreendida se dissociada desse processo de retomada do protagonismo político das altas cúpulas militares, processo que se inicia e se intensifica por meio de práticas como a edição da ‘Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964’ combatida nos presentes autos”, disse em outro trecho o decano. 

Para ele, ao caracterizar o golpe de 1964 como “um marco para a democracia brasileira” e a atuação das Forças Armadas no período como orientadas a “sustentar a democracia”, a comunicação impugnada abandonou qualquer intuito informativo ou educativo. 

“Ao invés, veiculou conteúdo inequivocamente inverídico, na medida em que o próprio Estado brasileiro já promoveu, em mais de uma oportunidade, o reconhecimento de responsabilidade por diversas violações de direitos humanos durante o período autocrático falsamente caracterizado pela comunicação impugnada como “democrático”, classificou.

Por 8 votos a 3, o Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral sobre o tema e deu provimento ao recurso da deputada potiguar.  Acompanharam o voto de Gilmar Mendes os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Por sua vez, Nunes Marques, Dias Toffoli e André Mendonça foram votos vencidos.

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