Trump aceita avião de R$ 2,2 bilhões de presente do Qatar

Donald Trump disse que não haverá obstáculos legais à aquisição

|  Foto:
Alex Brandon/Associated Press/Estadão Conteúdo

Em um evento inédito da história americana, o presidente Donald Trump aceitou um avião de luxo avaliado em US$ 400 milhões (R$ 2,2 bilhões) do governo do Qatar para servir como o novo aparelho destinado a transportar os mandatários da principal potência mundial.Fora o questionamento ético, descartado por Trump com coisa de “idiotas”, há questões técnicas sérias envolvendo a transferência do Boeing 747-8I que estava a serviço da família real do emirado do golfo Pérsico havia 13 anos.”O secretário de Defesa aceitou um Boeing 747 do Qatar de acordo com todas as regras e regulamentos federais”, disse o principal porta-voz do Pentágono, Sean Parnell. “O Departamento de Defesa trabalhará para garantir que todas as medidas de segurança e exigências funcionais para missões sejam consideradas para uma aeronave usada para transportar o presidente.”Aqui começam os problemas além do âmbito do conflito de interesse, dado que inicialmente a proposta qatari sugeria a transferência do aparelho para a Biblioteca Presidencial Donald J. Trump, o que supunha o uso privado do dito “palácio voador” pelo republicano após o mandato que acaba em 2029 —algo que ele negou.”Qualquer aeronave civil exigirá modificações significativas para isso”, havia dito na véspera durante uma audiência no Senado Troy Meink, secretário da Força Aérea. Ele afirmou que o seu chefe, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, havia determinado que as contas fossem feitas.Não será barato. Quando a Boeing foi comissionada por Trump em 2018, durante seu primeiro mandato, para entregar dois novos aviões para servir como Air Force One, a designação de qualquer aparelho que transporte o presidente que acabou associada aos 747 de 1990 ora em uso, as dificuldades ficaram claras.A gigante americana não conseguiu cumprir o prazo de entrega até 2024, e prevê colocar os aviões à disposição da Casa Branca só em 2029. Eles serão versões altamente modificadas do mesmo 747-8I, que foi a última versão construído do icônico Jumbo, que saiu de linha em 2023.A Boeing admitiu ter perdido US$ 2 bilhões dos US$ 3,9 bilhões concedidos no contrato com o projeto. Não se trata apenas de um avião: cada Air Force One é um centro de comando em momentos de crise, tem sistemas de defesa contra mísseis e outras ameaças, e precisa ser capaz de resistir a pulsos eletromagnéticos e impacto de calor de explosões nucleares.Nada disso se compra na esquina, e a chegada do presente do Qatar trará questionamentos acerca do grau de segurança que a aeronave terá.Em favor da mudança de modelo atual, com 35 anos de uso, está seu custo de manutenção e operação, na casa dos R$ 1,2 milhão a hora-voo, sete vezes mais do que o de um 747-8 comercial em uso regular. Os aviões atuais, baseados nos modelos 747-200B, não têm praticamente peças de reposição na praça.Além dessas questões técnicas, que dificilmente permitirão que Trump possa usar o avião no seu governo salvo uma degradação de seu nível de segurança, há implicações políticas e éticas.Trump disse que não haverá óbices legais à aquisição, mas o comunicado desta quinta não entra em detalhes acerca do destino do avião. A oposição democrata no Congresso pediu uma abertura de investigação sobre o caso, sugerindo uma legislação para impedir que aeronaves vindas do exterior sirvam à Presidência.Isso, claro, é política, mas não sem sentido. Se os EUA são capazes de rastrear eventuais escutas no aparelho, por outro lado, a questão da influência política auferida pelo emirado do golfo Pérsico fica em aberto.Na semana passada, quando foi o primeiro presidente dos EUA a visitar o Qatar em 23 anos, Trump buscou minimizar isso. Na terça (20), o Qatar rejeitou formalmente qualquer suposição de conflito de interesses no seu gesto.Seu premiê, Mohammed bin Abdulrahman al-Thani, afirmou que a doação era “uma coisa normal entre aliados”, apesar da inexistência de precedente histórico.Na visita de Trump, o emirado anunciou US$ 243 bilhões em negócios com os EUA, inclusive com a compra potencial de 210 jatos da Boeing, a fabricante do Air Force One, o que ajudaria a empresa americana num momento em que a China promete vetar a compra de seus aviões no âmbito da guerra comercial com Washington.Trump chegou a vistoriar o novo avião em fevereiro, quando segundo a imprensa americana os qataris gastaram US$ 1 milhão só para trazer a aeronave até a Flórida. O emirado vinha tentando emplacar a venda do aparelho, mas ele era visto como caro e opulento demais no mercado.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.