Jornalista Ricardo Corrêa:
“Dia desses um ex-parlamentar que hoje atua em outro cargo na administração pública brasileira refletia sobre o esforço do Congresso em esconder autores de emendas parlamentares. ‘Na minha época, a luta era para mostrar que a emenda era nossa’, dizia, lembrando dos eventos para anunciar o dinheiro, da presença na inauguração da obra e de toda a divulgação para contagiar as bases e provar que era o verdadeiro ‘dono’ da benesse. É o que dava voto. E se hoje, com emendas por vezes escondidas, não dá voto, só pode dar dinheiro.
E assim o Brasil caminha para a explosão de um escândalo de corrupção generalizado na comercialização de recursos Brasil afora. Os primeiros casos já pipocam daqui e dali, mas outros virão. E é por isso que tem gente no meio político dizendo que estamos à beira de uma ‘Lava Jato’ das emendas.
A operação Overclean revelou um quadro que o brasileiro conhece bem. Planilhas apreendidas com codinomes de políticos e servidores públicos. E mais de 100 envolvidos já na ira da Polícia Federal, como mostrou o blog do Fausto Macedo. Ao contrário do que se viu na Lava Jato, porém, os indícios dão conta de um esquema mais pulverizado, em pequenas obras bancadas com emendas em prefeituras pelo País.
Foi na Overclean que apareceu o nome de Elmar Nascimento, um dos homens-fortes do Centrão, o que levou a apuração ao STF, nas mãos de Kassio Nunes Marques. Elmar nega qualquer irregularidade, mas a suspeita é sobre uma emenda enviada à Prefeitura de Campo Formoso, administrada pelo irmão do deputado.
A PF encontrou mensagens sobre encontros entre o prefeito e o empresário que venceria a licitação. No mesmo encontro estava o superintendente da Codevasf, indicado por Elmar Nascimento para comandar a empresa pública ligada ao Ministério da Integração Nacional.
É de recursos da Codevasf também que veio outro escândalo de uma figura do mesmo União Brasil, partido que controla o ministério. No caso, envolvendo o agora ex-ministro das Comunicações, Juscelino Filho. Ele foi denunciado pela PGR e o caso será relatado pelo ministro Flávio Dino. Em situação semelhante: a emenda foi enviada para Vitorino Freire, cidade controlada pela irmã dele. E garantiu a pavimentação de estradas que dão acesso à família do ministro, em obra com indícios de favorecimento. Juscelino também nega, mas deixou o ministério e não deve ser largado na chuva. O União quer dar a ele a liderança do partido na Câmara.
A rainha dos recursos do orçamento secreto, a Codevasf, segue sendo expandida, muito além de seu foco inicial. Foi criada para garantir o desenvolvimento da região dos vales do São Francisco e do Parnaíba, mas hoje vai muito mais longe do que as águas dessas bacias alcançam. São 15 Estados, incluindo Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba e até o Amapá, do cacique do União Brasil e presidente do Congresso Davi Alcolumbre, um dos pais do orçamento secreto e quem mais se esforçou para ampliar sua atuação até atingir 37% do território brasileiro.
Em outra frente, uma figura também conhecida pelo bom trânsito na Codevasf, o deputado Josimar Maranhãozinho (PL-MA), está encalacrada. Ele, o também parlamentar Pastor Gil (PL-MA) e o hoje suplente Bosco Costa (PL-SE) foram transformados em STF também sob suspeitas de desvios de emendas.. Mas neste caso, que está nas mãos do relator Cristiano Zanin, eles são acusados de organização criminosa e corrupção passiva pela suposta negociação de emendas da área da saúde em troca de cobranças de propina. Eles também sempre negam as irregularidades.
Com o esforço gigante do Congresso em blindar parte das emendas, atribuindo-as aos líderes a ou às comissões para ocultar o verdadeiro autor, a suspeita sobre o que foi destinado nos últimos anos ganha ainda mais força. É, como apontou a Transparência Brasil, a perpetuação do orçamento secreto, que dribla parte relevante das decisões do ministro Flávio Dino sobre o tema.
Com um escândalo de proporções gigantescas prestes a se abater sobre o Parlamento, e em meio aos embates do Legislativo com o Judiciário e da profunda dependência do Executivo para com as duas Casas do Congresso, a grande dúvida é o quanto algum tipo de concertação pode acabar servindo, involuntariamente ou não, para abafar as apurações sobre uma desconfiança cada vez mais viva sobre o uso indevido do orçamento brasileiro.
Depois do que vimos com a Lava Jato original, não seria de se surpreender.”