Um grupo de pesquisadores da área farmacêutica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveu uma formulação cosmética inovadora com ação despigmentante para manchas escuras e uniformização da tonalidade da pele, além de propriedades hidratantes e antienvelhecimento. O produto é destinado a segmentos que produzem formulações para aplicação tópica em humanos.
Orientador do estudo que resultou na nova tecnologia, Márcio Ferrari explica que a formulação é indicada para uso na rotina de cuidados com a pele de pessoas que apresentam hiperpigmentação cutânea em regiões localizadas. “Entretanto, ela também pode ser incorporada a tratamentos médicos e estéticos, bem como a protocolos que utilizem produtos voltados à uniformização da tonalidade da pele. São amplamente utilizados no tratamento de peles hiperpigmentadas, como no caso do melasma e de manchas causadas pela radiação solar”, destaca o cientista.
Atualmente doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos da UFRN, Samara Vitória Ferreira de Araújo explica que o produto foi desenvolvido a partir do extrato vegetal de Kalanchoe pinnata, conhecida popularmente como Saião ou Coraima, para aplicação tópica com ação despigmentante, voltada para o tratamento de manchas escuras e para a uniformização da tonalidade da pele. A espécie é uma planta nativa de Madagascar, naturalizada no Brasil, presente em biomas como a Caatinga. Por ser de fácil cultivo e ocorrer durante todo o ano, caracteriza-se como uma matéria-prima abundante, com potencial para se tornar um ingrediente promissor para a indústria cosmética.
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“Além disso, é importante destacar as vantagens relacionadas ao uso de um produto nanotecnológico, cujas propriedades são superiores às de produtos convencionais já comercializados no mercado brasileiro. Há, portanto, a conveniência de se utilizar um único produto capaz de atuar por diferentes mecanismos que promovem a despigmentação da pele. Isso se deve à presença de compostos que inibem enzimas e espécies reativas de oxigênio envolvidas na produção da melanina – o pigmento responsável pela coloração da pele – e, consequentemente, à sua atividade despigmentante. É o caso das substâncias presentes na Kalanchoe pinnata”, explica Samara.
Além dos dois pesquisadores, a invenção contou com a contribuição de Silvana Maria Zucolotto Langassner e Stella Maria Andrade Gomes Barreto, tanto na metodologia da obtenção do extrato, quanto nas etapas de realização dos testes antioxidantes, despigmentantes e o desenvolvimento do produto. O grupo destaca que se trata de um produto multifuncional. “Realizamos testes de eficácia clínica com a formulação cujo extrato vegetal de Kalanchoe pinnata foi a substância responsável por melhorar a hidratação da pele, bem como parâmetros relacionados à rugosidade, maciez e sinais de envelhecimento cutâneo”, explica Ferrari.
O professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos destaca que a nova tecnologia é especialmente interessante para empresas que buscam substâncias e produtos mais naturais, pois se trata de uma formulação eco-friendly, com extrato obtido de forma sustentável, ou seja, sem agressão ao meio ambiente. “Isso demonstra a responsabilidade social que nós, da Universidade, assumimos ao desenvolver produtos para a indústria de cosméticos, que busca, cada vez mais, formulações elaboradas com matérias-primas sustentáveis. Toda a cadeia de produção da presente invenção é sustentável, desde a obtenção da matéria-prima até o desenvolvimento do produto”, ressalta.
Márcio Ferrari ressalta que o próximo passo é a busca por empresas que tenham interesse na transferência da tecnologia para que este produto chegue ao mercado consumidor de cosméticos. Nesta perspectiva, a iniciativa de patentear ganha relevância, pois garante proteção legal para invenções e contribui para o avanço do conhecimento, garantindo que os inventores tenham direitos de exclusividade sobre a invenção e evitando que terceiros explorem comercialmente a criação sem a autorização expressa.
“Também nos incentiva, pesquisadores, a desenvolver novas tecnologias e permite que as universidades busquem parcerias com empresas, fortalecendo a produção científica e criando um elo entre academia e setor produtivo com a aplicação da inovação. Isso gera impacto social e econômico, pilares importantes para o avanço da sociedade. Além disso, trata-se de um produto tecnológico desenvolvido durante o doutorado, alinhado com os objetivos do programa, que envolvem desenvolvimento e inovação tecnológica”, ressalta a doutoranda Samara de Araújo.
Do estudo, pesquisa e patente
Produzir saber e conhecimento não é fácil. A constatação não assusta, tampouco surpreende. Entretanto, guarda um certo poder quando nos deixamos contaminar pelo caminho percorrido pelos cientistas. Na pesquisa que resultou no pedido de patente, por exemplo, o extrato de Kalanchoe pinnata foi submetido à caracterização química quanto à presença de compostos fenólicos e flavonoides, substâncias com propriedades antioxidantes e capacidade de eliminar espécies reativas.
A informação sobre a presença dessas substâncias, bem como sobre sua quantidade, está relacionada ao fato de que essas substâncias capazes de eliminar espécies reativas derivadas do oxigênio podem atuar em mecanismos secundários envolvidos na melanogênese e, consequentemente, na atividade despigmentante. Não por acaso, a melanogênese é o processo de produção de melanina – pigmento que dá cor à pele, aos cabelos e aos olhos. A ausência de melanina, por sua vez, caracteriza uma condição genética conhecida como albinismo.

O extrato também foi avaliado quanto à atividade antitirosinase, ou seja, à capacidade de inibir a produção de melanina, uma vez que a enzima tirosinase é fundamental para a formação desse pigmento. Para compreender esse processo, é necessário ativar outro conhecimento: saber que essa enzima estimula reações entre a tirosina, um aminoácido, e seus intermediários, levando à formação da melanina. Quando ocorre uma hiperprodução localizada, isso pode resultar no surgimento de manchas escuras na pele.
Do rápido raciocínio, podemos concluir que, a partir dessa ‘interseção’ entre saber e conhecimento, da convergência entre os objetos e os usos da ciência, é possível beneficiar o que está ao nosso redor sem agredir o meio ambiente. Pelo contrário, promovendo sua revitalização. “O uso das folhas da planta para obtenção do extrato pode gerar renda para moradores das regiões onde é cultivada, e toda a cadeia de produção é sustentável – desde a obtenção da matéria-prima até o desenvolvimento do produto”, exemplifica Ferrari.