RESSIGNIFICAÇÃO E HUMOR

Não sou particularmente fã, mas não pude deixar de acompanhar a notícia: nesses dias, a pop star americana Taylor Swift posicionou-se em sua conta pessoal do Instagram a respeito do último debate (em 10 de setembro) entre os candidatos à presidência dos EUA, Kamala Harris e Donald Trump. A fotografia de sua postagem, implicitamente, já marcava seu posicionamento, somado pela assinatura: uma “mulher sem filhos com gatos”. Quem conhece o contexto, compreende logo que, por meio desse subentendido, a cantora, compositora e produtora musical assumia o voto em Kamala (o que está dito explicitamente no texto da legenda).

Considerações à parte sobre a polarização política aí implicada (e que afeta, sabemos, todo o planeta), interessa-me particularmente esse fenômeno semântico e discursivo chamado ressignificação. Ao postar uma fotografia com um de seus gatos e se autodesignar como “mulher sem filhos com gatos”, o que Swift fez foi manifestar, pela linguagem, uma atitude de resistência. Ela remete a uma expressão  dita pela primeira vez, e de maneira pejorativa, por JD Vance, o candidato a vice de Trump na chapa republicana. Em 2021, quando senador, ele afirmou em entrevista: “Estamos sendo governados por um bando de velhas dos gatos sem filhos…”. O comentário infeliz desencadeou uma série de protestos, dentre os quais a criação de contas em redes sociais sob a hastag #childlesscatladies.

Todo esse movimento de recusa está na base da ressignificação, conceito difundido pela filósofa americana Judith Butler. Particularmente atrelado a casos de ciberviolência e discursos de ódio na internet, a ressignificação é um gesto de enfrentamento a partir da reapropriação de uma ofensa original e tem sido especialmente atrelada a questões de gênero. Como assinala a linguista Marie-Anne Paveau, por trás da dimensão subversiva da ressignificação há um conjunto de aspectos que vão do linguístico ao pragmático e as inversões do que antes era insulto assumem um componente acima de tudo político, isto é, refletem relações de poder e de insubmissão. Veja-se o caso, para citar outro exemplo, da “Marcha das Vadias”.

Em meio a esses aspectos, o elemento criativo e humorístico tem destaque. A profusão de piadas, vídeos-paródias, charges, memes e tantas outras expressões que manifestam a ressignificação por meio do humor é um verdadeiro deleite. Mas mais do que simples desfrute, o que esse cruzamento entre ressignificação e humor demonstra, na prática e mais uma vez, é como o riso pode ser uma potente arma de luta, disponível para qualquer um, seja celebridade ou não, com ou sem gatos.

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