“Mãe” de reborn e “tutor” de bicho: é o triunfo da infantilização

Texto de Ricardo Kertzman:

Donas de bonecos de silicone que choram quando viram de lado, agora querem ser chamadas de “mãe”. Donos de cães que lambem as próprias partes íntimas e degustam as próprias fezes, agora são “tutores”. Sim. Você leu certo. E sim. Está tudo errado.

A epidemia de eufemismos afetivos é um sintoma grave de uma sociedade que já não distingue fantasia de realidade. A mulher que compra um boneco e se diz ‘mãe’ não precisa de afeto, precisa de terapia. E quem leva um pinscher de roupinha na bike, chama de ‘filho’ e briga com a clínica veterinária como se fosse a escola do filho, desistiu de ser adulto faz tempo.

Mãe, por definição, é a mulher que gera e dá à luz um filho. Ou, por extensão legítima, quem cria, educa e ama um criança como se fosse sua. Fora disso, é fantasia. Pode até haver carinho genuíno, mas não existe parto de silicone. Nem instinto maternal por delivery. Reduzir a maternidade a um teatrinho com boneco plastificado é caso clínico.

Já a história dos ‘tutores’ de pet é outra distorção semântica travestida de evolução moral. Tutor, no sentido estrito, é quem exerce a guarda legal de alguém incapaz: menor de idade, órfão, interditado. No máximo, em contextos educacionais, pode ser o orientador. Agora, transpor isso para o dono de um pug com crise de ansiedade, me desculpe, é teatro identitário.

Essa onda não é só pieguice. É um sintoma. A substituição da linguagem reflete a substituição do real. O boneco vira bebê, o pet vira filho e o adulto vira uma criança em negação. O mundo é cruel, instável e imprevisível, e então se refugiam no simulacro: bebês que não crescem, filhos que não falam, cães que não contradizem. Amor garantido, sob demanda e sem atrito.

O problema não está em ter afeto por um bicho ou brincar de boneca. O problema está em fingir que isso é a mesma coisa que ser mãe, ou pai, ou responsável por alguém. A recusa em nomear as coisas pelo que elas são é a recusa em amadurecer. E sem maturidade, o que nos resta é um mundo onde todos choram, ninguém pensa e, sim, para não deixar a política de lado, elege mitos, pais e mães mas falsos que os filhos de plástico que têm.

Não sei se no mudo todo, mas, em Banânia, estamos nos tornando uma espécie de parque de diversões com zoológico, onde bichoss têm RG – mas parte das pessoas mais humildes, ainda não – e há berçários para Chucky e sua noiva, hoje aprimorados por materiais e design realísticos.”

 

 
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