Um relatório técnico de análise apresentado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público Eleitoral (MP|E), no processo da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra o prefeito de Natal, Paulinho Freire (União Brasil), a vice-prefeita Joanna Guerra (Republicanos), o ex-prefeito Álvaro Dias (Republicanos) e os vereadores Daniel Rendall (Republicanos) e Irapoã Nóbrega (Republicanos), relevou novas provas sobre o abuso de poder político e econômico na eleição municipal de 2024.
Na ação movida pelo MPE, ajuizada no início de fevereiro deste ano, é pedida a cassação dos mandatos do prefeito, da vice-prefeita e dos dois vereadores, além da decretação da inelegibilidade deles e do ex-prefeito da capital pelo prazo de oito anos.
O diretor técnico Arsban (Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico do Município de Natal), Victor Diógenes, cunhado de Álvaro Dias, também foi denunciado na Ação de Investigação Judicial Eleitoral.
Ele foi gravado em reunião com os servidores comissionados e empregados terceirizados do órgão coagindo os subordinados manifestarem publicamente o apoio a Paulinho Freire e Joanna Guerra.
Depois da divulgação da gravação pela imprensa, Victor Diógenes foi exonerado “a pedido” da Arsban, no dia 15 de outubro de 2024, mas foi renomeado para o cargo, após o segundo turno das eleições, no dia 1º de novembro de 2024.
De acordo com a denúncia do MPE, Álvaro Dias “orquestrou como um todo o esquema eleitoral, valendo-se da máquina pública administrativa municipal” para favorecer a candidatura do prefeito eleito de Natal Paulinho Freire e da sua vice, Joanna Guerra, além dos vereadores Daniell Rendall e Irapoã Nóbrega.
Saiba Mais: Álvaro Dias “orquestrou” o esquema eleitoral para favorecer a eleição de Paulinho
Coação e ameaças
O material analisado pelo Gaeco, revelado em primeira mão pelo blog “O Potiguar”, é oriundo de interceptações telemáticas e da análise de equipamentos apreendidos nas secretarias da Prefeitura de Natal, além de comitês de campanha que foram alvos de busca e apreensão pelo MPE. O documento tem mais de 880 páginas.
O relatório reforça que os servidores comissionados e empregados terceirizados dos órgãos públicos municipais, especialmente na Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico de Natal (Arsban) e nas secretarias municipais de Educação (SME), Serviços Urbanos (Semsur) e Trabalho e Assistência Social (Semtas), foram vítimas de abuso de poder político.
“Os servidores sofreram coação e ameaças para apoiarem os candidatos a vereador Daniell Victor Rendall Melquíades de Lima e Irapoã Nóbrega Azevedo de Oliveira, e o então candidato a prefeito Paulo Eduardo da Costa Freire”, destaca trecho do documento do Gaeco.
O documento cita relatos de “perseguição política e demissões” que teriam ocorrido na Semsur durante o período eleitoral em 2024. Os servidores teriam sido demitidos por não declararem voto nos então candidatos apoiados pelo ex-prefeito Álvaro Dias.
“Há evidências de que o abuso de poder político ocorreu em algumas secretarias
do município e na ARSBAN (Agência Reguladora de Serviços de Saneamento Básico do Município de Natal), onde secretários, diretores e outros agentes, usando indevidamente do cargo, função ou emprego nos órgãos públicos, constrangiam e ameaçavam os servidores comissionados e empregados terceirizados para comparecerem a eventos de campanha e divulgarem apoio em suas redes sociais”, enumera o documento.
Participação em eventos de campanha era controlada com lista de frequência
De acordo, ainda, com o relatório do Gaeco, foram usadas listas de presença nos eventos de campanha para identificar quem participava ou não das atividades políticas. Quem não comparecia, era demitido.
“Servidores e empregados foram compelidos a comparecerem a eventos políticos. (…) Consta dos autos da investigação depoimentos e transcrição de áudios que apontam indícios robustos de possível abuso de poder político no intuito de influenciar o resultado eleitoral”, diz outro trecho do relatório.
O Gaeco apontou que o “modus operandi” do suposto esquema, em resumo, consistia na “coação de servidores comissionados e empregados terceirizados do município para comparecerem a eventos, apoiarem e votarem nos candidatos acima nomeados, sob pena de serem demitidos, o que, se comprovado, afronta a liberdade individual dos eleitores garantida pela Constituição Federal, além de vários dispositivos da legislação eleitoral”.
O Gaeco usou o software forense IPED (Indexador e Processador de Evidências Digitais), o mesmo usado nas investigações feitas pela Polícia Federal, para analisar a autenticidade das provas apresentadas na Ação de Investigação Judicial Eleitoral.
Diretoras coagiam estagiárias dos CEMEIs
Em um aparelho celular apreendido com um dos investigados, validado pela perícia, foram encontrados grupos de WhatsApp, com membros da Secretaria Municipal de Educação, onde há relatos de coação de diretoras dos CEMEIs (Centros Municipais de Educação Infantil), que obrigavam “as estagiárias a votarem nos candidatos delas sob pena de perderem o estágio”.
Em um áudio postado no grupo, transcrito no relatório do Gaeco, uma mulher relata que sua sobrinha, estudante de pedagogia, contou às colegas de curso que as diretoras “diziam que era para ela votar nos candidatos dessa ‘gestora’, porque ela ia perder o estágio se ela não votasse nesses candidatos”.
“Minha sobrinha chegou aqui em casa horrorizada. Não foi só uma não, viu? Foram várias colegas delas que estão estagiando em ‘CEMEI’ em Natal. Pra você ver como é que tá a situação”, diz trecho da transcrição.
Uma das investigadas na ação, Andrea Katia Bezerra da Silva, participante do grupo, costumava fazer postagens “com conteúdo de cunho político e opiniões divergentes sobre o melhor candidato para assumir a prefeitura de Natal/RN”, segundo apontado pelo Gaeco.
CEMEI virou “curral eleitoral”
Em outra postagem feita no grupo, uma participante relata que estava sabendo que “tem educadoras infantis que estão muito chateadas com gestores que estão pressionando os colegas, o pessoal da limpeza, do portão e até estagiários para votar no candidato delas, fazendo até chantagens emocional com esse povo, falando que os terceirizados vão perder o emprego se o candidato dela não ganhar”.
“A educação infantil está virando curral eleitoral, parece que a Semtas está entranhada dentro dessas pessoas, estudaram tanto, fizeram pós, concurso para ficar nas mãos desses políticos, é uma pena, não entenderam nada”, diz trecho da mensagem postada.
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