Mapa genético revela que paraenses têm 41,71% de DNA europeu

O mais completo estudo sobre o genoma do brasileiro confirmou que o País apresenta um dos mais altos graus de miscigenação do mundo, principalmente com ancestralidades europeiasafricanas e indígenas americanas – muitas delas de grupos étnicos já extintos.

O trabalho revela também mais de oito milhões de variantes genéticas inéditas; um conhecimento valioso para o diagnóstico de doenças e o desenvolvimento de tratamentos médicos personalizados.

Publicado na edição desta semana da prestigiosa revista Science, o trabalho é liderado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e apresenta a maior base genética da população brasileira já organizada até hoje.

Foram analisados os genomas completos de 2.723 pessoas como parte do projeto DNA do Brasil. Os genomas incluem comunidades urbanas, rurais e ribeirinhas das cinco regiões geográficas do País.

Projeto DNA do Brasil traz maior base de dados genética já organizada/Foto: Estadão

O Brasil apresenta uma genética única, cuja origem remonta à ocupação do território no século 16, quando aproximadamente cinco milhões de colonos europeus migraram para o País.

A chegada desses grupos provocou a redução de mais de 90% da população indígena nativa e a escravização forçada de mais de cinco milhões de africanos de diferentes partes do continente para o Brasil. O trabalho mostra que a conturbada história demográfica do Brasil está registrada nos genomas da população.

“Revelamos as cicatrizes biológicas deixadas pela história da formação da população brasileira”, resume a geneticista Lygia da Veiga Pereira, da USP, uma das autoras do trabalho.

“Conhecer o nosso DNA é desvendar a biologia e a história por trás da maravilhosa diversidade do brasileiro e aprender que essa diversidade é a nossa maior força”, acrescenta ela.

A maior parte da amostra estudada apresenta cerca de 60% de ancestralidade europeia, 27% africana e 13% nativa. As maiores porcentagens de ancestralidade africana estão no Norte e no Nordeste, enquanto as europeias se concentram no Sul e no Sudeste.

“Conseguimos capturar mais frações de genomas indígenas do que qualquer outro estudo. Apesar de 90% dos povos originários terem sido extintos com a vinda dos europeus, eles seguem vivos nos brasileiros atuais, na forma de fragmentos de seus genomas”, explica Lygia da Veiga Pereira.

A geneticista Lygia da Veiga Pereira, da USP, uma das autoras do Projeto DNA do Brasil. Foto: Divulgação/Gen-t

“Além disso, encontramos combinações de genomas africanos que não são encontrados nem mesmo naquele continente, uma vez que povos geograficamente distantes retirados à força da África se encontraram aqui e se misturaram”, completa.

A pesquisa revela ainda que a maioria das linhagens do cromossomo Y (herdado dos homens) analisados no estudo era de ascendência europeia (71%), enquanto a maioria das linhagens mitocondriais (herdadas das mulheres) era africana (42%) ou indígena americana (35%). A equipe conclui que isso se deve a um padrão histórico de acasalamento assimétrico entre homens e mulheres indígenas e africanas.

Nas gerações mais recentes, contudo, o estudo detecta um padrão de “acasalamento seletivo”, que revela a tendência de a população de ter filhos dentro do mesmo grupo étnico. O conjunto desses dados genéticos revela a complexa rede social e étnica que se formou no Brasil ao longo de mais de últimos 500 anos.

“A maioria dos colonos europeus eram homens e, considerando a história de violência na colonização, pode-se explicar a ocorrência de acasalamentos assimétricos sistemáticos nos primeiros séculos do Brasil (séculos 16 a 18). Após esse período, observa-se preferência por casamentos dentro dos próprios grupos étnicos”, aponta Tábata Hünemeier, pesquisadora da USP que também lidera o estudo.

Segundo Lygia da Veiga Pereira, a formação do povo brasileiro não é comparável nem mesmo à da população dos Estados Unidos, onde “houve muito menos miscigenação”, conforme a pesquisadora.

“Para começar: para lá foram 450 mil africanos escravizados, contra mais de seis milhões que vieram para cá. Ou seja: tem 15 vezes mais contribuição da África na formação do povo brasileiro do que do povo americano”, afirma.

“Além disso, apesar das tentativas de ‘branqueamento’ da população, tivemos muito mais miscigenação do que nos Estados Unidos, onde até relativamente pouco tempo atrás havia leis proibindo a miscigenação (tanto com negros quanto com indígenas); uma história ainda pior do que a nossa”, prossegue Lygia.

Entre 1908 e 1963, entraram no Brasil 242.171 imigrantes japoneses. Trata-se do quinto maior grupo estrangeiro a imigrar para o País, atrás de portugueses, italianos, espanhóis e alemães. Hoje, os descendentes de japoneses estão concentrados em São Paulo e Paraná, com porcentuais mínimos no restante do País, o que se reflete no mapa geral feito pelos pesquisadores.

A pesquisa revela mais de oito milhões de variantes genéticas desconhecidas até então. A equipe identifica variantes genéticas potencialmente patogênicas em 450 genes ligados a doenças cardíacas e obesidade.

Também foram encontradas variantes genéticas em 815 genes relacionados a doenças infecciosas, como malária, hepatite, gripe, tuberculose e leishmaniose. Mais estudos serão necessários para determinar o papel e a influência de cada um desses genes.

“Conhecer e estudar as variações genéticas pode nos ajudar, por exemplo, a entender por que algumas pessoas têm mais chances de desenvolver algumas doenças do que outras”, explica a pesquisadora da USP Kelly Nunes, que também assina o trabalho.

“Essas informações podem contribuir para melhorar a saúde pública não só no Brasil, mas também em populações historicamente pouco representadas nos estudos genéticos, como os povos originários brasileiros e africanos.”

O estudo identifica também variantes genéticas que favorecem a fertilidade, além de genes ligados à resposta imunológica do organismo e ao sistema metabólico, que teriam sido favorecidos pela seleção natural ao longo de 500 anos de miscigenação.

“Os processos de seleção natural do genoma costumam ocorrer ao longo de milhares de anos, mas na população brasileira observamos um processo mais recente e muito mais curto”, descreve o pesquisador David Comas, do Instituto de Biologia Evolutiva (IBE) de Barcelona, que colaborou com a pesquisa da USP.

“Isso se deve à grande diversidade genética do País a partir da chegada dos colonizadores e à pressão seletiva exercida pelos patógenos locais sobre os recém-chegados.”

Como montar o quebra-cabeça do DNA

Desde o sequenciamento do genoma humano em 2003, cientistas de várias partes do mundo se dedicam a decifrar as informações. Entretanto, grande parte das informações genéticas obtidas nas últimas décadas carece de diversidade étnica.

Mais de 80% da população já mapeada são de europeus e norte-americanos brancos. Isso limita a aplicação do conhecimento gerado em países muito miscigenados a exemplo do Brasil.

O projeto “DNA do Brasil” faz parte de um projeto maior, do Ministério da Saúde, que engloba ainda um trabalho do Hospital Albert Einstein, com o sequenciamento de genomas de pessoas com doenças raras. O objetivo é chegar a centenas de milhares de genomas, como já ocorre na Finlândia, no Reino Unido e nos Estados Unidos.

(Fonte: Estadão)

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