Um servidor da direção central do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) denunciou em 2020 à Polícia Federal um esquema de descontos irregulares em benefícios de aposentados e pensionistas. O caso, que se manteve sob sigilo, foi encerrado em 2024 sem nenhum indiciamento. A informação foi divulgada pelo Jornal Nacional.
O servidor, que atuava na área responsável pela análise de descontos nos benefícios, relatou que recebeu ameaças de morte após identificar as irregularidades e procurou a PF em setembro de 2020.
“Na época que a Diretoria de Benefícios estava cortando ali os ACTs, estava fazendo uma auditoria em cima deles, alguns servidores receberam ameaças, isso foi falado lá dentro. O coordenador que estava atuando em cima dos ACTs e também o diretor. Eles receberam ameaças justo no período onde que ‘tavam’ enviando ali as auditorias dos descontos associativos”, afirmou o servidor, que pediu para não ser identificado.
A Polícia Civil do Distrito Federal também abriu uma investigação em 2020, após denúncias de aposentados ao Ministério Público. O servidor foi ouvido em fevereiro de 2021 e citou a Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) como responsável pelos descontos irregulares.
Segundo seu depoimento, houve um aumento abrupto de associados com descontos relacionados à Conafer: em janeiro de 2020, eram cerca de 80 mil filiados; em outubro, o número superava 250 mil, mesmo com o convênio entre a entidade e o INSS suspenso desde setembro.
O acordo entre Conafer e INSS havia sido firmado em 2017. A suspensão ocorreu após servidores apontarem irregularidades. Em outubro de 2020, o então presidente do INSS, Leonardo Rolim, transferiu da Diretoria de Benefícios para a Diretoria de Atendimento a responsabilidade de análise desses contratos.
Com a mudança, a Conafer foi reabilitada. Na época, o então diretor de atendimento, Jobson de Paiva Sales, recebeu uma homenagem da confederação.
Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), de 2024, aponta que a Conafer foi a entidade que mais aumentou o volume de descontos nos benefícios entre 2019 e 2024. Os valores passaram de R$ 400 mil anuais, em 2019, para R$ 57 milhões em 2020 e R$ 202 milhões em 2023.
O presidente da Conafer, Carlos Roberto Ferreira Lopes, prestou depoimento à Polícia Civil em março de 2021. Ele se recusou a informar os próprios rendimentos, alegando um termo de confidencialidade. O Jornal Nacional teve acesso ao documento, que foi assinado por Carlos Roberto tanto como presidente da Conafer quanto como funcionário.
No depoimento, Carlos Lopes afirmou que “a Conafer ou seus integrantes não foram responsáveis pela inserção de descontos indevidos nos benefícios de aposentados e pensionistas, mas, sim, se tal fato ocorreu, a responsabilidade seria da Dataprev”.
A Polícia Civil informou que, entre 2019 e 2020, Carlos Roberto e a esposa, Bruna Braz, negociaram cinco imóveis, incluindo uma fazenda avaliada em R$ 3 milhões.
Em 2021, a Justiça do Distrito Federal transferiu a competência da investigação para a Polícia Federal. A operação que desarticulou o esquema ocorreu apenas em abril de 2025 e resultou na saída do então ministro da Previdência e do presidente do INSS.
Leonardo Rolim afirmou que a mudança de responsabilidade entre diretorias foi parte de uma reestruturação do órgão. Disse ainda que deixou o cargo em outubro de 2021 e que não sabe o que ocorreu com os contratos após sua saída.