Natal enfrenta índices alarmantes de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes, com Felipe Camarão identificado como o bairro com maior ocorrência de casos, incluindo situações em que os próprios pais são os agressores. Os dados foram apresentados pela vereadora Camila Araújo (União), ex-conselheira tutelar, e que criou o Projeto Araceli, que promove ações de prevenção e conscientização.
“A melhor forma de prevenir é falar, é transmitir conhecimento”, afirmou ela, que criticou a normalização de comportamentos inadequados por influência de músicas e desafios eróticos nas redes sociais. O projeto inclui a Tenda da Proteção, em parceria com o Circo dos Palhaços Bisteca e Bochechinha, para alertar que relações sexuais com menores de 14 anos configuram estupro de vulnerável, crime previsto no Código Penal.
Camila condenou decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, em casos específicos, afastaram a condenação por estupro de vulnerável com base no consentimento da vítima. “Acho um absurdo essa flexibilização. Estupro de vulnerável precisa ser combatido com conhecimento, ensinando que criança é inocente e não pode namorar”, declarou.
Em junho de 2023, a 6ª Turma do STJ rejeitou por maioria a denúncia contra um homem de 19 anos acusado de estupro de vulnerável por manter relações com uma menina de 12 anos. O colegiado aplicou pela primeira vez a técnica do distinguishing para afastar a Súmula 593/STJ, que considera irrelevante o consentimento da vítima nesses crimes. Para a maioria, a condenação – que poderia chegar a 13 anos – traria mais prejuízos sociais do que benefícios, desestruturando a família formada.
A vereadora citou um caso atendido no Conselho Tutelar: uma adolescente de 13 anos, grávida de um namorado de 15, com histórico de relacionamento desde os 9 anos. A mãe da jovem foi responsabilizada por negligência, e o adolescente responde por ato infracional análogo a estupro.
Dados do Centro de Referência Abraçar, criado por lei de autoria da vereadora, mostram que 169 casos de abuso sexual foram atendidos em menos de um ano. O serviço reúne atendimento médico, psicológico e policial em um único local, evitando a revitimização. “Precisamos expandir esse modelo para outros municípios”, defendeu Camila.
Em Felipe Camarão, o projeto já identificou situações graves, como meninos invadindo banheiros femininos para abusar de uma criança de 11 anos, vítima de um vizinho. A vereadora também relatou um caso extremo: uma mãe grávida do próprio filho autista de 14 anos.
A iniciativa orienta crianças a diferenciarem carinho de abuso e pede que pais observem mudanças de comportamento. “Criança não namora nem de brincadeira. É preciso ficar atento até aos jogos online, que podem esconder redes de pedofilia”, alertou Camila Araújo.
O Projeto Araceli atua com capacitação de profissionais da educação, saúde e assistência social, reforçando a rede de proteção. “Não adianta só discursos. É preciso ir às ruas e agir”, concluiu a vereadora.