
Reportagem de Ana Oliveira e Felipe Borges, para o Pragmatismo
Amanda Fernandes Carvalho foi assassinada brutalmente pelo próprio marido, o sargento da Polícia Militar Samir Carvalho, na última quarta-feira (7), dentro de uma clínica médica em Santos (SP). O feminicídio ocorreu diante da filha do casal, de apenas 10 anos, que também foi baleada ao tentar proteger a mãe. Policiais militares estavam no local no momento do crime e nada fizeram para impedi-lo.
Antes de morrer, Amanda ainda conseguiu pedir ajuda. Ameaçada por Samir, ela se refugiou com a filha em um consultório e pediu à recepcionista que acionasse a polícia. A mulher também relatou o risco de morte ao médico da clínica: “Meu marido está comigo, está armado, é policial e ele quer me matar, pois estamos nos separando”, teria dito, segundo depoimento prestado à Polícia Civil.
Os relatos colhidos pela investigação revelam uma sequência de omissões e contradições por parte da Polícia Militar de São Paulo. A Secretaria de Segurança Pública (SSP-SP) divulgou inicialmente que os agentes chegaram ao local após o crime já consumado. No entanto, o depoimento do médico contradiz essa versão: ele afirma que abriu a porta do consultório após ouvir policiais fardados afirmarem que “estava tudo sob controle”. Foi nesse momento que Samir sacou a arma, atirou contra Amanda e a filha, e, em seguida, desferiu cerca de dez facadas na esposa.
A menina foi levada em estado grave para a Santa Casa de Santos. Segundo amigos da família, ela fraturou o braço, passou por cirurgia e está consciente. O estado emocional, no entanto, é desconhecido. Após o ataque, o sargento foi preso em flagrante e encaminhado ao presídio militar Romão Gomes. A Justiça converteu a prisão em preventiva.
Uma tragédia anunciada
Amanda já relatava há meses sofrer violência física e psicológica. Segundo uma amiga próxima, ele batia em regiões do corpo onde não deixava marcas visíveis. “Ela vivia um terror na vida dela”, relatou Bruno Rollo, sócio e amigo de Amanda. A mulher sentia medo de denunciar, pois Samir a ameaçava de morte e dizia que mataria os filhos antes de tirar a própria vida.
Na manhã do crime, Amanda foi à clínica acompanhada da filha. Pouco depois, Samir também chegou. A vítima tentou evitar o confronto, mas, percebendo o risco iminente, pediu à recepcionista que chamasse a polícia e se trancou em uma sala com a filha. Quando a PM chegou, ela acreditou que finalmente estaria segura. Mas não estava.
De acordo com o boletim de ocorrência, quatro policiais militares foram os primeiros a chegar ao local. A SSP-SP afirma que Samir se apresentou como policial desarmado e que, após a abertura da porta, iniciou os disparos. Não está claro o que os agentes fizeram enquanto o sargento abria fogo contra a esposa e a filha. A secretaria diz que instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para investigar a conduta dos policiais envolvidos.
Negligência, impunidade e descrédito
A atuação da Polícia Militar nesse caso, como em tantos outros envolvendo violência de gênero, é marcada pela omissão e pela tentativa de encobrir falhas. A versão inicial de que Amanda teria sido encontrada já sem vida após a chegada da PM foi desmentida por diversas testemunhas e pelo próprio médico da clínica, que se abrigou debaixo da mesa ao ouvir os disparos e depois socorreu a criança.
A delegada Débora Lázaro confirmou que Samir desferiu cerca de dez golpes de faca após os tiros. Um punhal foi encontrado cravado no pescoço da vítima. A barbárie se consumou diante de profissionais fardados que, ao que tudo indica, falharam de forma grotesca em sua função mais básica: proteger.
A Polícia Civil registrou o caso como feminicídio, tentativa de homicídio e violência doméstica. A investigação corre na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos. A SSP-SP afirma que irá “apurar rigorosamente” o ocorrido. Mas para os amigos e familiares de Amanda, as palavras soam vazias. A omissão custou uma vida.
Silêncio institucional e sofrimento familiar
O silêncio da Polícia Militar paulista diante da gravidade do caso é ensurdecedor. Não houve coletiva, nem pedido de desculpas, nem ação pública de solidariedade à vítima ou à filha. A tentativa de manipular a narrativa evidencia a cultura de proteção corporativa que ainda impera nas forças de segurança.
A sociedade brasileira precisa encarar o óbvio: não há proteção possível quando o agressor veste farda e carrega consigo a certeza da impunidade. O feminicídio de Amanda é um reflexo trágico do fracasso institucional em proteger mulheres ameaçadas, mesmo quando elas fazem tudo o que lhes é exigido — denunciam, pedem ajuda, se escondem, chamam a polícia.
Amanda Fernandes será lembrada não apenas pela brutalidade de sua morte, mas pela omissão criminosa de um aparato de segurança que deveria estar do seu lado — e não do lado do assassino.
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O post “Não mata minha mãe”: policial ignora filha e comete feminicídio na frente de colegas PMs apareceu primeiro em Pragmatismo Político.