No dia em que comemoramos o Dia das Mães, é impossível ignorar aquelas que cruzam essa jornada ainda em fase de descobertas pessoais: as mães adolescentes. Longe de romantizar a maternidade precoce, o Correio de Carajás conversou com duas profissionais especialistas no assunto e mergulhou nas consequências emocionais e físicas de uma gravidez não planejada nesse período tão delicado da vida.
A psicóloga clínica e perinatal Christiane Castro, que acompanha jovens em processo de gestação, alerta para os impactos psicológicos que costumam ser negligenciados tanto pela sociedade quanto pelo próprio núcleo familiar. “A gravidez em si pode correr bem do ponto de vista biológico, mas os impactos emocionais durante a adolescência são profundos. A menina se vê com sonhos frustrados, autoestima abalada e, muitas vezes, isolada”.
Segundo Christiane, o preconceito social e o afastamento de amigos e colegas são frequentes. A ausência de apoio emocional pode desencadear quadros de ansiedade, estresse e até depressão. “É interessante ressaltar que a depressão pós-parto, na verdade começa ainda durante a gestação. É o que chamamos de depressão perinatal”, explica a psicóloga.
O SILÊNCIO DENTRO DE CASA
Outro fator que agrava o quadro é o relacionamento familiar. A psicóloga destaca que a dificuldade da adolescente em comunicar a gestação à família pode adiar o início do pré-natal e, dessa forma, comprometer a saúde da mãe e do bebê. “Isso significa menos acompanhamento médico, menos apoio e mais riscos”, ressalta.
Segundo a psicóloga, a construção do vínculo entre pais e filhos, desde a infância, é primordial, pois quando a relação é fragilizada, a notícia de uma gravidez pode se tornar uma bomba emocional difícil de administrar, para ambas as partes. “O ideal seria que ela encontrasse um espaço seguro para compartilhar, e não esconder”, completa Christiane.

Para a especialista, o caminho mais eficaz para lidar com essas emoções é a escuta — algo que pode ser alcançado com o apoio da psicologia perinatal e terapia. “É um espaço onde ela não será julgada e poderá falar sobre o medo, o arrependimento, o impacto da chegada do bebê em sua vida”. Ali, essa jovem também entende que seus sonhos não acabaram, apenas vão seguir um novo percurso.
De acordo com a especialista, o acompanhamento não atende apenas a gestante, mas toda a rede de apoio: pais, avós, irmãos e cuidadores. É um trabalho de reconstrução emocional coletiva, uma forma de procurar entender o que está acontecendo e lidar melhor com a nova realidade.
A VIDA NÃO ACABOU
Mesmo quando a adolescente idealiza a gestação, Christiane lembra que há diferenças entre o sonho e a experiência real da maternidade. “Durante a gestação, muitas ainda vivem na fantasia de que tudo será tranquilo. Mas a realidade pode ser brutalmente frustrante”. E é nesse momento que é comum surgir sentimentos de arrependimento, culpa e impotência. Sentimentos que se agravam quando não há uma rede de apoio.
Mesmo com esses medos, a psicóloga diz que os planos daquela menina ainda continuam, ainda que de outra forma. “Essa adolescente pode entender o impacto da maternidade e, com apoio, seguir sua trajetória. A vida dela não acabou”.
Corpo em transformação, risco dobrado para elas
Os impactos, infelizmente, nem sempre são só psicológicos para menores que engravidam. A grande maioria dessas adolescentes tende a enfrentar dificuldades ao longo da gestação e com isso sofrer com alterações ao longo da vida. Embora os números venham caindo nos últimos anos, ainda há uma grande quantidade de crianças geradas por mães adolescentes.
Em conversa com a ginecologista e obstetra Luma Carolynne Oriente, ela explicou que os riscos de uma gestação entre 10 e 19 anos são maiores tanto para a mãe quanto para o bebê. “Durante a gravidez tem os riscos associados: hipertensão, com complicação pela eclâmpsia, diabetes, maior risco de aborto e de parto prematuro, além de complicações na hora do parto por uma pelve imatura. Às vezes uma bacia muito pequena para a passagem daquele bebê”, destaca a especialista.

Ela também aponta que os bebês podem nascer prematuros extremos e sofrer complicações relacionadas à prematuridade, além de maior risco de síndromes genéticas. Segundo ela, a gestação é uma sobrecarga para o corpo feminino, por isso, o corpo precisa ter uma maturidade maior, para manter a estabilidade.
DESENVOLVIMENTO CORPORAL
“Às vezes, um útero muito pequeno, um ovário imaturo começando a ovulação, toda essa sobrecarga se liga ao sistema respiratório, sistema circulatório, produção hormonal, desenvolvimento corporal. A gravidez gera essas alterações corporais de maneira muito rápida”, explica Luma Carolynne.
Segundo a ginecologista, atualmente o diálogo acerca do tema está, de certa forma, mais avançado, mas para ela, ainda existe um tabu sobre sexualidade. “A gente percebe que antigamente esse tabu era maior. Nós tivemos um progresso, tanto que tivemos uma redução da gravidez na adolescência. Entretanto, ainda estamos longe do ideal”, diz.
Ela ainda destaca que um dos grandes perigos atuais é a falta de informação, ressaltando que informação incorreta também pode causar prejuízos. A grande maioria dessas jovens tem a internet na palma da mão, e muita gente falando sobre tudo, mas nem sempre é informação correta.
“Você não tem liberdade, para tirar dúvida com os pais e recorre à internet, e lá você não sabe o que é certo e o que é errado, e pergunta para uma colega que também não tem maturidade suficiente, ou acredita no amigo, no companheiro. As adolescentes acabam ficando mais sujeitas à desinformação e assim há também a maior probabilidade de gestar antes do período adequado”, avalia.
IMPACTOS PERMANENTES
A médica reforça que os impactos no corpo podem ser permanentes. “A gestação aumenta o útero em pelo menos 10 vezes. Quando você pega um corpo imaturo, que ainda não tem uma vascularização ideal, que não passou pela diferenciação que a puberdade traz, ela vai ter consequências no futuro”, além da mudança nas mamas, e no corpo como um todo.
Sobre a diferença entre gestar com o corpo maduro e gestar ainda em formação, Luma Oriente explica que, idealmente, a partir dos 20 anos o corpo feminino está preparado. “Um corpo maduro possui uma bacia que sustenta melhor o peso, um sistema circulatório bem formado, uma irrigação melhor do útero, uma chegada melhor de nutrientes para o bebê”.
Ela exemplifica que um útero imaturo ainda não passou por essas diferenciações, e por isso há maior risco de aborto e de hipertensão.
PAIS E PROFISSIONAIS JUNTOS
A médica especialista reforça a importância de levar essa jovem à um atendimento ginecológico no início da puberdade. “É nosso dever como profissionais orientar desde a primeira consulta, que deve acontecer logo que a menina apresentar sinais como aumento das mamas e aparecimento de pelos. É ali que apresentamos a informação correta, mostrando o caminho”.
Ela também defende a atuação dos profissionais e pais juntos. “É papel dos dois orientar, passar informação, estar de olho, guiar de acordo com a demanda da criança”. O acompanhamento com uma profissional da área é essencial, principalmente após a descoberta da gravidez. “O mais importante é fazer um acompanhamento adequado, fazer o pré-natal e ter assistência até a hora do parto”.
Neste Dia das Mães, é essencial lembrar e abordar a temática das mães invisibilizadas. Das adolescentes que, sem preparo, enfrentam o peso da maternidade em uma fase de descobertas do mundo e de si mesmas. Falar sobre o tema é buscar levar informação adequada para essas jovens que estão em processo de descobrimentos. Não é hora de julgar. É hora de escutar e acolher.
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