Conexão Pará e Rio prende membros do Comando Vermelho

De 2022 até agora a Polícia Civil do Pará já neutralizou, no Rio de Janeiro, cerca de 40 criminosos do Comando Vermelho (CV) que atuavam no Estado do Pará, em parceria com a Polícia Civil carioca. O trabalho conjunto entre as duas corporações teve início em 2021, ainda na pandemia.A mais recente ocorreu no último dia 2, com a prisão de Bianca Duarte, 24, mais conhecida como “Bruninha do RH” em Cabo Frio (RJ), no último dia 2. Foi mais um duro golpe no crime organizado no eixo-Pará-Rio de Janeiro e no CV, cujas conexões vem crescendo em território paraense nos últimos anos. A prisão comprova a sintonia do setor de inteligência das polícias que, mais uma vez, realizaram a prisão conjuntamente para frear a expansão da facção nos dois Estados.CONTEÚDOS RELACIONADOSResponsável pelo Comando Vermelho no Pará debochou de policiais antes de ser presaTrês integrantes do Comando Vermelho no Pará são presas no RioDoze integrantes de facção criminosa são presos no ParáBianca tinha um papel estratégico na facção, recrutando jovens e gerenciando o cadastro de novos membros, similar a uma diretora de Recursos Humanos. A jovem, que postava vídeos e fotos ostentando armas de grosso calibre nas redes sociais, agora pode enfrentar mais de 20 anos de prisão. A também paraense Layane Tharlita Santos Santana e a brasiliense Kalita Eduarda Ataíde, amigas de Bianca, também foram presas em flagrante por tráfico de drogas e associação para o tráfico.O Comando Vermelho, do Rio de Janeiro; e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, são as duas facções criminosas com atuação mais forte no Estado do Pará, com maior destaque para a facção carioca, que possui uma “filial do crime” no território paraense.Quer saber mais de polícia? Acesse o nosso canal no WhatsAppUálame Machado, secretário de Estado de Segurança Pública, lembra que durante a pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) restringiu operações policiais em morros cariocas, tornando o Rio de Janeiro um ponto seguro para que essas organizações criminosas ficassem encasteladas, fazendo com que muitos criminosos migrassem para outros estados para criar “filiais”.“Por exemplo, aqui no Pará, todas as 13 lideranças cariocas que compõem a organização no estado estão fora daqui. Praticamente todos estão no Rio de Janeiro. Mas essas lideranças não são paraenses. Todos os estados têm as suas lideranças que são do Rio. Todo o estado tem o seu fluxo, o seu organograma, que é de lideranças da organização que vêm do Rio”, explica.Em 2021 a inteligência paraense percebeu um aumento no fluxo de migração de muitos líderes daqui para o Rio de Janeiro. “Em 2022 tivemos mais ou menos 20 prisões, ou prisões de criminosos com mortes em confronto no Rio de Janeiro, que eram do Pará, que tinham vínculo com o Pará”Em 2023 a atuação da polícia paraense em terras cariocas foi marcada pelo confronto com o traficante “Léo 41”, maior liderança do CV no Pará, mas que estava no Rio de Janeiro. O criminoso foi a óbito no confronto com a polícia. Em 2024 mais 12 pessoas vinculadas ao CV no Pará foram presas no Rio de Janeiro, com o apoio da polícia carioca. “Este ano de 2025 prendemos mais 3 mulheres presas no início deste mês”, ressalta Uálame.ESTADOSAs prisões feitas pela PC paraense no Rio de Janeiro sempre acabam tendo maior relevância em razão do CV, mas a polícia paraense já efetuou prisões em outros Estados, como em Goiás, Pernambuco, e muitas em Santa Catarina. “As parcerias com as polícias civis de outros estados fortalecem muito nossas ações. A ponte é permanente e inclusive mantemos equipes de policiais paraenses no Rio de Janeiro para intensificar o monitoramento dos criminosos e facilitar o planejamento das ações”.O titular da Segup diz que os escritórios do crime nos estados funcionam como estruturas de empresas, só que do crime, mantendo um organograma elaborado com presidente, vice-presidente, tesoureiro e até uma responsável pela área de Recursos Humanos, cargo ocupado por Bianca Duarte, paraense presa recentemente no Rio.Uálame Machado garante que o Pará é referência nacional no combate a facções criminosas em casas penais. “Hoje quando fazemos ações de busca em presídios não encontramos mais celulares. Diferente, por exemplo, do Rio de Janeiro, onde presos do Pará vivem falando de dentro dos presídios com pessoas daqui. Quando isso ocorre nós avisamos a área de segurança do Rio da situação e eles vão lá e apreendem os aparelhos”, relata.Essa nova realidade fez com que integrantes do CV presos aqui percam imediatamente o posto de liderança graças ao rígido controle de entrada celulares nas casas penais, o que impede a comunicação e o acessos desses líderes com os demais membros da facção. “Hoje as fações sabem que quando lideranças criminosas são presas aqui perdem completamente o contato com o mundo exterior”, observa o secretário.Negligência de governos anteriores fortaleceram facçõesRoberto Magno Reis Netto, Doutor em Geografia com ênfase em segurança e Mestre em Segurança Pública, explica que o Comando Vermelho consolidou sua presença em presídios paraenses por volta de 2010, processo favorecido por governos que negligenciaram e até mesmo negaram a existência do problema.“Em 2019, mesmo diante de mudanças no enfrentamento das facções criminosas feitas pelo governo que iniciava aquele ano, os efeitos de anos de descaso vieram à tona com o Massacre de Altamira, um dos episódios mais violentos do sistema prisional brasileiro. Em termos proporcionais, trata-se de uma das maiores tragédias carcerárias do país, comparável ao Massacre do Carandiru”, diz.Esse cenário de domínio crescente motivou, por parte do Estado, a adoção de políticas de intervenção penitenciária mais incisivas, voltadas ao enfrentamento das facções criminosas no interior das unidades prisionais. ”A essa altura, o número de indivíduos associados a esses grupos já era expressivo, e as facções haviam consolidado sua capacidade de articulação e expansão por diversas comunidades socialmente vulneráveis em todo o estado do Pará”.Na Região Metropolitana de Belém, começaram a surgir os primeiros sinais mais evidentes da atuação dessas organizações, inicialmente por meio de pichações, símbolos, mensagens cifradas e outros indicadores territoriais. “Com o fortalecimento das estratégias repressivas no ambiente prisional, observou-se, em um primeiro momento, o deslocamento das lideranças para o exterior dos presídios. No entanto, à medida que o enfrentamento foi ampliado também nas áreas urbanas, muitas dessas lideranças passaram a migrar para outros estados da federação, como Santa Catarina e Rio de Janeiro”, coloca Roberto.A presença consolidada nesses Estados, especialmente nas zonas portuárias, evidenciava a capacidade logística das facções, que participam ativamente de esquemas transnacionais de escoamento de drogas e de articulações criminosas que extrapolam as fronteiras brasileiras.“Essas facções continuam se expandindo hoje por áreas marcadas pelo abandono estrutural. Nessas localidades, as organizações criminosas vêm praticando extorsões e cobrando taxas de proteção de pequenos comerciantes — práticas inspiradas diretamente nas atuações milicianas do estado do Rio de Janeiro”, explica o especialista.Outro fator que ajuda a compreender a presença mais intensa das facções criminosas em determinadas cidades — e sua ausência em outras — é a existência de redes logísticas que aproximam esses territórios dos grandes fluxos do tráfico de drogas que atravessam o território paraense. O estado do Pará, dada sua posição geoestratégica e sua vasta malha hidroviária, é cortado por pelo menos quatro grandes rotas do tráfico internacional de entorpecentes, especialmente de cocaína e seus derivados, oriundos dos países andinos.Essas rotas fazem do Pará não apenas um corredor de passagem, mas também um território de armazenamento, processamento, embarque e redistribuição de drogas, tanto para o mercado interno quanto para o tráfico transnacional — especialmente via portos clandestinos ou de fiscalização precária, além do porto internacional de Barcarena.É importante destacar que o tráfico internacional não se sustenta apenas por meio da atuação direta das facções, mas também por meio da participação de intermediários. “Essas redes recrutam indivíduos nas comunidades locais, cooptando-os por meio de promessas de ganhos financeiros e outros benefícios imediatos, aproveitando-se da vulnerabilidade social e econômica predominante em diversas regiões”As facções, por sua vez, ao se instalarem próximas a essas redes e aos centros de escoamento, obtêm acesso facilitado e menos custoso aos entorpecentes. “Essa proximidade permite, entre outras vantagens, a barganha por serviços como estocagem, segurança e distribuição, o que contribui para a obtenção do produto a preços significativamente reduzidos”, observa.As facções atuam com racionalidade econômica e organizacional, se moldando em princípios próprios de mercado: oferta, demanda, redução de custos operacionais e maximização dos lucros. Ao se assemelharem a empresas ilícitas, essas organizações impactam diretamente as dinâmicas sociais e territoriais das comunidades onde se inserem, provocando alterações profundas nas relações locais de poder, consumo e sociais”, detalha Roberto, que também é professor e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.EM NÚMEROSBalanço de operações conjuntas das Polícias do PA e RJ no combate ao crime organizado No Rio de Janeiro:2022: Foram mais ou menos 20 prisões, ou prisões de criminosos com mortes em confronto no Rio de Janeiro, que tinham vínculo com o Pará.2023: Foram cumpridos mandados de busca no complexo do Salgueiro, onde houve a neutralização de Leonardo Costa Araújo, vulgo “L41”. Na operação também foi preso Ygor Nascimento da Costa, vulgo “graveto”, também investigado da DRFC. Além dele, também foi neutralizada a paraense Ana Gabriely Pantoja Machado.2024: Foram 12 indivíduos presos, dentre cumprimento de mandados de prisão preventiva e auto de prisão em flagrante.2025: 3 indivíduos presos (uma por mandado de prisão e 3 autuadas em flagrante e delito).
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