Thaís e o esposo Cleiton, pai de Catharina
| Foto: Arquivo pessoal
“Eu fiz a morfológica de março e estava tudo normal. Só que 10 dias depois, no dia 20 de março, eu comecei a sentir muitas dores na barriga, ela estava bem dura. Eu estava trabalhando no dia e acabou saindo o tampão mucoso, que é uma secreção que dá o sinal que a mulher vai entrar em trabalho de parto a qualquer momento. Como eu não sabia exatamente o que era e estava tarde, deixei para falar com o obstetra no outro dia. Quando acordei no dia 21, ainda estava com a barriga doendo. Segui trabalhando, mas quando estava quase no final do expediente, eu fui ao banheiro e vi que estava suja de sangue. Nesse momento, eu decidi ir para o hospital, porque percebi que algo grave estava acontecendo”, explicouA perdaAo chegar no hospital, Thaís foi informada que estava em trabalho de parto e que Catharina nasceria antes do tempo. No momento do ocorrido, bebê estava com 23 semanas, iniciando o sexto mês. Nessa fase, os médicos consideram prematuridade extrema, termo usado para o nascimento de um bebé com menos de 28 semanas de gestação. Estes bebês, são mais imaturos e precisam de cuidados especiais em Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal (UTI Neonatal). Sobreviver não é impossível, mas é muito difícil.“Fui informada que estava entrando em trabalho de parto de forma prematura extrema, motivada por uma infecção urinária silenciosa, que eu não sabia que estava. Os médicos informaram que era um infecção motivada pela bactéria chamada Sludge, que tem uma espessura como se fosse de lama, que se aloja no líquido amniótico. Consequentemente, Catharina estava ingerindo essa bactéria, só que a gente não sabia. E foi isso que fez com que eu tivesse um parto prematuro. Era um corpo estranho dentro do meu corpo. Eles me informaram que as chances eram muito pequenas de sobrevivência, mas que eles iriam tentar”.
| Foto: Arquivo pessoal
Depois do diagnóstico, a fotógrafa foi imediatamente internada para iniciar o parto. “Fiquei internada do dia 21 de março até o dia 29. Mas foi no dia 25 que ela nasceu. Eles [os médicos] não me enganaram, disseram que a chance de sobreviver era mínima, isso de certa forma, foi melhor, não fui enganada. Mas claro que a gente sempre tem uma esperança, a gente não engravida imaginando que vai perder o filho. Catharina nasceu viva e ainda chorou, eu ouvi o choro dela. Não consegui ver minha filha, mas tinha sonhado com ela dias antes. A vi apenas de costas, e ela era exatamente como no sonho que eu tive dias antes. Tinha um longo cabelo preto. Minha filha foi uma guerreira, ela lutou por duas horas tentando sobreviver”, contou emocionada.Dores que se repetemHistórias como a de Thais não são raras. Mesmo com idades e trajetórias de vidas diferentes, a administradora Uildimeire Rodrigues, de 46 anos, se une à ela no turbilhão de sentimentos que é ser mãe de anjo. No caso de Meire, já existia um filho de 13 anos quando, de novo, o desejo de ser mãe tomou conta do seu coração. Dessa vez, ela e o marido almejavam uma menininha. E assim quis assim o destino: ela engravidou de Manuela. “No entanto, o que era para ser apenas uma consulta periódica e depois voltar para casa, levou Meire direto para uma unidade de saúde, após constatar que o bebê, com 8 meses, estava com o batimento cardíaco fraco. “Eu já tenho um filho e 13 anos depois decidi ter novamente. Era o sonho do meu marido que fosse uma menina. Engravidei em 2021 e ficamos bem felizes quando soubemos que era a nossa Manuela. Ela estava prevista para nascer em 2022, no período da pandemia. Tava ocorrendo tudo bem, até que, aos 8 meses, quando fui fazer um exame periódico, a médica percebeu que o batimento cardíaco dela estava muito baixo e direcionou meu internamento imediatamente”, contou em conversa com o Portal A TARDE.
| Foto: Arquivo pessoal
Despreparada e sem entender o que estava acontecendo, Mara ficou angustiada e com medo, ao perceber que era uma situação grave. A administradora foi direcionada para a sala de parto, onde foi feita uma cesariana de urgência. O que ela não esperava era que o bebê nasceria sem vida. “Eu fiquei muito desesperada com o que estava acontecendo. Fiquei desnorteada. Me colocaram para dormir e quando acordei, não conseguia entender o que estava acontecendo comigo. Todo mundo vindo me perguntar se eu estava bem”.Ao recobrar a consciência, Meire vive ainda a angústia de não ter conseguido ver a filha e nem ao menos, enterrá-la. “Eu precisei ficar internada cinco dias ainda, porque, devido a vacina que tomei na pandemia, eu desenvolvi trombofilia, que foi a causa da morte da minha filha. Meu marido que resolveu tudo. Apesar do desespero, ele conseguiu tirar uma foto dela. É a única imagem que eu tenho da minha filha. Não a vi, não pude me despedir”, desabafa.Vivendo o lutoPerder um filho, independente do período, é uma dor que paralisa e deixa marcas por dentro que jamais irão cicatrizar, tanto para Thaís, Meire e outras mães de anjo. Quando isso ocorre num período tão prematuro, a dor do que não foi vivido sufoca esvazia. A administradora sentiu, principalmente, ao voltar para casa sem a filha nos braços.Lidar com o vazio no quarto do bebê, com o berço que já estava montado e nunca mais será usado por Manuela, fez com que Uildimeire entrasse em um quadro profundo de depressão. Segundo ela, foi necessário se ausentar por 10 meses do trabalho. “Quando eu fui pra casa, foi a pior parte. Eu cheguei em casa e a sensação de sair de um quarto do hospital sem a criança no braço foi a pior sensação do mundo. Acabei entrando em um estado de depressão profunda, a ponto de não conseguir dirigir, não queria ver pessoas, eu esqueci que eu tinha um filho adolescente que precisava de mim. Eu simplesmente me anulei pra tudo. E quando eu deitava, vinha aquela cena do hospital e eu ouvia várias vozes na minha cabeça”, relembrou emocionada.O quarto de Manuela só foi desfeito um ano depois. “Já estava praticamente tudo pronto para a chegada dela. O quarto decorado com nuvens, berçO no lugar. Tudo personalizado. Eu ficava vendo tudo pronto e sem ela ali, foi como um buraco no meu coração. Eu só consegui voltar à rotina 10 meses depois, com a ajuda da psicóloga. Fui ao cemitério, me despedi da minha filha. E só depois de um ano eu consegui desfazer a decoração do quarto, que hoje deixei como um depósito. Atualmente, eu tento seguir. Muita gente questiona o fato de eu passar muito tempo depressiva, minimizando minha dor, principalmente por já ter um filho. Mas só perde um filho que sabe, nada substitui”.Thaís, 15 anos mais nova, já sabe bem disso. A ausência de Catharina dura dois anos e ela vive um dia de cada vez. “A saída do hospital é sempre a pior parte. A gente beira à loucura. É um sentimento que não tem como explicar. Você perde o sonho e vive a vida achando que vai perder um filho. Ir para minha casa nova, que eu sonhava ir com ela, foi muito difícil. Foi difícil arquivar as roupas dela. Eu comprei uma caixa rosa para guardar as coisas dela… não foi nada fácil. Além disso, foi doloroso ouvir pessoas achando que a gente substitui, dizendo que eu sou nova, que posso fazer outros. Eu pretendo ter outros filhos, mas Catharina é única e nada substituirá. Desde o ocorrido, eu tive e tenho que viver um dia de cada vez”.Segundo a psicóloga perinatal, Thaís Rico, não existe um prazo predeterminado para viver um luto após uma perda de um filho logo após o nascimento. “O luto não tem prazo de validade. Você pode passar 10 anos e continuar vivenciado aquele luto, porque ele não é linear com início, meio e fim. Vai ter momentos que a mãe de anjo vai estar mais tranquila, sorrindo e vai ter momento em que a recaída vai vir. E isso não é respeitado. Acreditam que é só fazer outro para substituir que se passa. A gente só precisa tomar cuidado para não ser um luto patológico, que é o que leva para depressão, leva para ansiedade fora do comum. Caso a gente identifique esse quadro, orientamos o paciente a procurar o especialista adequado.Ressignificando a perda Há quem defenda que mãe é um ser divino. Talvez por esse motivo, o “título” mãe de anjo se encaixe muito bem para elas, que sofrem pela perda de um filho no início de sua vida, seja durante o período gestacional ou neonatal.Apesar dos sonhos e planos frustrados, Thaís Marar fala com felicidade de Catharian. Segundo ela, é um amor que segue transbordando e, a cada novo amanhecer, ressurge mais vívido em seu coração, tornando-a mais forte e uma pessoa melhor. “Desde quando eu descobri Catharina na minha vida, na minha vida, foi muita felicidade. Claro, tem o lado triste, como esse mês mesmo, que é mês das mães e também é um mês prócimo da chegada e partida dela. Mas hoje eu tento trazer força. Eu digo que a morte vida me deu. Tem dias que eu quero viver muito, tem dias que eu não queria mais estar viva. Tem dias que eu consigo ver outras bebês e fico triste, mas tem outros momentos que eu fico feliz. Os sentimentos oscilam o tempo todo, mas eu ressignifiquei a perda da minha filha, até mesmo para ajudar outras mulheres”. Desde o ocorrido, a fotógrafa passou a compartilhar a própria experiência nas redes sociais, ajudando mulheres que passaram ou que estavam passando pela mesma situação. Formada em jornalismo, Thaís conta que sempre gostou de se comunicar. Passou um tempo afastada, mas depois voltou a utilizar as redes e escrever e exlicar que existem formas de viver de o luto. “Eu sempre gostei muito de falar sobre maternidade, até mesmo antes de entravidar. Depois e Catharina, isso se intensificou. Eu usei a minha experiência e a minha vivência para ajudar mesmo outras mães de anjo, Falando sobre luto e que é normal você sorrir, apesar de tudo. O luto ele é eterno e terão sempre dias e dias. Depojs que comecei a postar, começou uma troca muito bacana nas redes. Descobri que, apesar de dolorido, era mais comum do que eu imaginava ter mulheres que passaram pelas mesmas situações. Muitas mães me falam que depois da minha experiência, conseguiram lidar melhor com o luto. E eu quero continuar. Eu tenho muitas ideias na minha mente ainda e meu objetivo vai ser ajudar as mulheres com informações importantes sobre a maternidade”. Amor eterno