Ninguém tem domínio absoluto da vida. Por mais que tentemos tomar as rédeas, algo sempre segue rumos inesperados. É essa realidade que Doralice, uma mulher que sempre gostou de ter tudo sob o próprio controle, enfrenta no espetáculo Véspera – Tome Isto Que a Vida Te Dá, que estreia amanhã, às 17h, no Teatro Gamboa. A peça fica em cartaz até 1º de junho, aos sábados e domingos, com ingressos a R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia), à venda pela Sympla.Sozinha, cercada pelos itens retrô pelos quais tem tanto apreço, Doralice embarca sem sair de casa numa reflexão sobre si mesma, compartilhando com o público seus desajustes e fragilidades, crises existenciais e manias, mas também suas potencialidades e virtudes – até as que ela não percebia.O monólogo tem texto de Gildon Oliveira, direção de Paula Lice e é estrelado por Véu Pessoa. O trio, veterano dos palcos de Salvador, se juntou para trazer à vida os dramas pessoais de Doralice, que ecoam as de muitas outras mulheres Brasil afora.“Eu gosto de trabalhar com personagens populares, que no seu cotidiano muito simples são capazes de emocionar, fazer refletir e provocar as pessoas no lugar da identificação. O público vai se envolver com Doralice não só porque pode conhecer uma pessoa como ela, mas porque, em muitos momentos da vida, a gente pode ser uma Doralice. Às vezes a gente é tomado pela ansiedade, ou tem um trabalho que nos consome tanto. Como é que tudo isso afeta a gente? Como podemos entender e trabalhar nossos limites? Eu acho que Doralice vem para mostrar isso”, provoca Gildon.Foi assim, com a mente voltada para o desenvolvimento de uma personagem que espelha as vidas de pessoas comuns, que Gildon começou a escrever Véspera – Tome Isto Que a Vida Te Dá, há três anos. Tinha o desejo de construir um monólogo e explorar certos temas, mas atento a cada detalhe. O nome ideal para incorporar sua protagonista estava na ponta da língua: a atriz Véu Pessoa, que ele admira e acompanha de perto há algum tempo.Véu, envolvida no projeto desde o início, considera uma emoção poder acompanhar a trajetória de Doralice, do papel ao palco. “O que eu acho mais bonito dessa personagem é como ela é humana. Qualquer pessoa que assistir vai se identificar com alguma coisa dela e vai torcer por ela também”, afirma.“Doralice é uma mulher que se isola das possibilidades. Ela quer ter controle sobre tudo, então acaba se isolando da vida. Ela cria um mundo próprio para conseguir seguir existindo, numa falsa segurança das certezas, mas ela é uma mulher solitária. Uma mulher que tem coragem de sonhar, mas não tem coragem de existir”, define a atriz.Construindo DoraliceQuando começou a pensar em como seria Doralice, as inspirações de Gildon foram as histórias e pessoas comuns, alguém que poderíamos encontrar em um ponto de ônibus ou que poderia ser um colega de trabalho. Mas, outra referência, esta sugerida pela diretora Paula Lice, abriu ainda mais os olhos do diretor: a irreverente Ilka Tibiriçá, personagem vivida por Cássia Kis na novela Fera Ferida (1993).“Eu falei: ‘Meu Deus, você foi longe, mas foi tão certeira’. Porque realmente era isso, quando a gente foi reparar as fotos, até o cabelo é parecido, então eu percebi que era esse o caminho mesmo. E tudo casou muito bem, a maneira de vestir e de se movimentar”, afirma o dramaturgo.Para consolidar a personagem aos olhos do público e transmitir sua personalidade, Paula considerou alguns elementos essenciais. Como todo o espetáculo se passa na casa de Doralice e aquele é o seu universo particular, os objetos quase antiquados dizem muito sobre ela: uma amante de tango argentino, radionovelas e programas de TV.“Uma coisa que a gente pensou muito é que, por ela ser uma figura super controladora e metódica, nós deveríamos pensar numa certa retidão. Então, tem uma marcação toda pensada em linhas, tudo na cenografia é tudo muito reto. A gente conserva essa retidão para que no final, quando tem uma virada da personagem, possamos dar uma bagunçada geral e cause um contraste entre esses dois momentos”, conta a diretora.A ambientação, ao mesmo tempo em que transmite a solitude da personagem, faz com que o público se sinta íntimo de Doralice, ao entrar em sua casa e ouvi-la contar como são seus dias. Essa sensação de confidência é potencializada pelo local onde o espetáculo acontece: com capacidade para 60 pessoas e uma estrutura intimista, o Teatro Gamboa foi a escolha ideal para Paula.“Essa peça, especificamente, tem uma atmosfera de casa, sabe? É uma pessoa contando uma história, em um ambiente muito caseiro. Então, desde sempre eu queria um teatro que fosse pequeno. E o Gamboa tem uma proximidade da plateia que é muito gostosa e faz o espetáculo chegar para a plateia de outro jeito. O público acompanha cada gesto e cada respiração do ator”, afirma.União de longa dataEsta não é a primeira vez que Gildon, Paula e Véu trabalham juntos. Amigos e admiradores dos trabalhos um do outro, eles montaram uma peça virtualmente durante a pandemia e, mais recentemente, trabalharam em uma leitura dramática. Véspera – Tome Isto Que a Vida Te Dá marca, porém, o retorno do trio com uma montagem aos palcos soteropolitanos.“Eu acho que nada é por acaso, tudo são encontros. Esse nosso reencontro vem como mais um processo em que a gente consegue entender mais ainda o quanto cada um contribui para o trabalho do outro. Voltar para esse palco com elas duas e, claro, com toda uma equipe também por trás, que é muito bem-vinda e muito acolhedora, me deixa muito feliz e confortável”, afirma Gildon.Além dos três, Véspera – Tome Isto Que a Vida Te Dá tem assistência de direção de Marina Martinelli, produção de Tais Bichara, direção de movimento e preparação corporal de Mônica Nascimento, iluminação de Moisés Victório Castilho, figurino de Carol Diniz, cenografia de Renata Mota e trilha sonora de Juan Almeida.E o encontro deu seu jeito para acontecer, seja com ajuda do destino ou por pura sorte. Isso porque, inicialmente, Paula Lice não conseguiu aceitar o convite para participar da montagem, porque estava grávida e sua mãe estava adoentada. Um tempo depois, a pessoa responsável por dirigir a peça precisou se afastar e, nesse ponto, Paula já estava disponível.Para Véu – descrita por Paula como uma das melhores atrizes que ela conhece –, o reencontro chega num momento oportuno: o ano em que ela celebra duas décadas de carreira. Foi a chance ideal de mostrar para si mesma que, após 20 anos, os desafios ainda são muito bem vindos. Nesse caso, encarar sem hesitação um palco em que ela pisará sozinha durante todo um espetáculo.“Esse espetáculo é, para mim, uma grande comemoração da vida, da minha carreira, dos amigos que eu consegui conquistar, dos ídolos que eu consigo ter perto e trabalhando junto, e também é uma realização pessoal. Minha terapeuta está aí para comprovar que estar sozinha em cena é um desafio assim que está sendo vencido”, brinca a atriz. “Estar passando por isso enquanto consigo me divertir está sendo incrível, e eu acho que essa temporada vai ser deliciosa”.‘Véspera – Tome Isto Que a Vida Te Dá’ / A partir de amanhã, até 1º de junho, sábados e domingos, 17h / Teatro Gamboa / R$ 40 e R$ 20 / Vendas: Sympla e bilheteria / Classificação indicativa: 18 anos*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Espetáculo mergulha no universo íntimo de uma mulher comum
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