Monstro no Trânsito: escultura alerta para perigos nas vias em Salvador

Ela tem seis metros de altura, pesa quase uma tonelada e nasceu do ferro retorcido de carros destruídos em acidentes reais. Não vem dos filmes de terror, mas dos nossos próprios erros ao volante. Quem passar pelo Centro Administrativo da Bahia (CAB), em Salvador, vai se deparar com essa escultura imponente batizada de “Monstro no Trânsito”. A obra é uma iniciativa do Departamento Estadual de Trânsito da Bahia (Detran-BA) e tem como principal objetivo chamar a atenção para os comportamentos imprudentes que causam tragédias nas vias urbanas e rodovias.Segundo o capitão José Antônio do Nascimento Neto, da Polícia Militar da Bahia (PMBA) e lotado no Detran, a ideia da escultura é criar um forte impacto visual e emocional. “O monstro não é apenas uma peça artística, mas uma provocação à consciência. Representa uma forma simbólica e cada um pode se tornar esse monstro dentro do trânsito se não atentar para os seus comportamentos e posturas”, afirma.A escultura foi inicialmente posicionada na movimentada Avenida Paralela, no canteiro do antigo Bahia Café Hall, local estratégico para chamar a atenção de quem passa. Atualmente, ela está exposta em frente à sede do Detran, na entrada do bairro de Sussuarana, no CAB. Agora, em alusão ao Maio Amarelo – mês de conscientização para a redução de sinistros no trânsito – a escultura recebe uma iluminação especial na cor amarela e exibe mensagens educativas.“A gente vai estar dando um destaque para essa obra de arte, justamente com essa iluminação amarela, e trazendo mensagens de conscientização nesse período para os motoristas que passam no local, bem como os transeuntes também, de forma que chama a atenção para a escultura e também chame a atenção para a mensagem que ela quer passar”, explica o capitão.De acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em 2024, foram registrados em todas as rodovias federais que cortam a Bahia, 3.984 sinistros, um aumento em relação aos 3.640 casos de 2023. O número de acidentes classificados como graves também subiu, de 1.266 para 1.431, assim como o total de feridos, que passou de 4.550 para 5.164. As mortes também apresentaram crescimento: 595 em 2024 contra 547 em 2023, o que representa um aumento de 8,78% no número de vidas perdidas nas estradas.Nos primeiros três meses de 2025, a análise também traz sinais de alerta. Embora o número total de sinistros tenha caído levemente de 904 em 2024 para 897 em 2025, também houve redução no número de acidentes com vítimas fatais – de 111 para 93. O total de mortos caiu de forma significativa, passando de 171 em 2024 para 120 em 2025. Apesar das quedas, o número de mortes ainda é expressivo, o que indica a gravidade dos acidentes.Para o capitão José Antônio, esses números evidenciam o impacto direto dos comportamentos inadequados no trânsito. “90% dos sinistros de trânsito que levam à morte, ele é causado justamente pelo comportamento do condutor. Então, a gente pode dizer que, dos sinistros que ocorrem, poderiam ser evitados em decorrência do comportamento inadequado ao volante. Outros 10% são situações que não envolvem o comportamento, mas está atrelada à questão da mecânica do veículo, a falha dentro do sistema do veículo pode gerar algum sinistro […] 90% desses sinistros que ocorrem poderiam ser evitados, então é um dado muito alarmante, haja vista a quantidade de mortes que nós temos no trânsito”, alerta.

|  Foto: Divulgação | Detran

Comportamento: o verdadeiro vilãoEntre as atitudes perigosas que transformam motoristas em verdadeiros “monstros” nas estradas estão: excesso de velocidade, uso do celular ao volante, condução sob efeito de álcool, desrespeito à sinalização e condução de motocicleta sem capacete.“Nosso compromisso é com a preservação da vida e para isso nós seguimos firmes e fortes nesses tipos de campanha que é para conscientizar cada vez mais o condutor da importância de ter uma excelência no comportamento, porque além de salvaguardar a sua própria vida, ele está salvaguardando a vida do próximo também. Quando a gente está no trânsito, a gente não dirige só para a gente, a gente dirige também pensando naquele que está ao nosso lado”, ressalta o capitão.

|  Foto: Divulgação | Detran

A campanha “Monstro no Trânsito” também convida a população a participar ativamente da causa. Para o motorista Bruno Mendes Damasceno, a escultura virou um símbolo. Um lembrete silencioso de que dirigir não é só chegar a algum lugar, é também voltar para casa.“Cada vez que passo por essa escultura, sinto um misto de surpresa e respeito. À primeira vista, parece só um robô gigante feito de sucata, mas pra mim, é muito mais do que isso. Como motorista, vejo ali partes que poderiam ser do meu carro, ou de tantos outros que já cruzaram essas mesmas ruas. Ela me faz pensar em quantas histórias um simples volante, um retrovisor ou um pedaço de para-choque podem carregar. Me lembra da importância de cuidar do que tenho, de respeitar o trânsito e de valorizar a vida em cada trajeto”, afirma.A engenheira e motorista Maria Elisa Gomes acredita que transformar sucata de acidentes em uma escultura gigante é uma forma muito forte de chamar a atenção.“Quando a gente vê aquilo, percebe o quanto um simples erro no trânsito pode causar tragédias. A mensagem ‘não seja você um monstro no trânsito’ é direta e faz a gente pensar. Saber que 90% dos acidentes acontecem por falhas humanas mostra que muita coisa pode ser evitada. É uma campanha que mexe com a gente, faz refletir e pode, sim, ajudar a salvar vidas. Todo mundo deveria ver essa escultura e repensar suas atitudes no trânsito”, diz.Campanhas que provocam mudançasSegundo a psicóloga Paula Lisboa, a rotina acelerada, o cansaço e o estresse são fatores que influenciam diretamente o comportamento no trânsito. Para ela, campanhas como essa sensibilizam, provocam reflexão e trazem o tema para o centro das conversas.“Muitas vezes, as pessoas entram no modo automático e subestimam os riscos. Sabem o que é certo, mas não conseguem sustentar atitudes seguras […]Para que produzam mudanças mais duradouras, precisam ser reforçadas continuamente, fazendo parte de um esforço coletivo de educação e responsabilização. Trabalhar com a ideia de que “pode acontecer com você e também com seus familiares” convoca à implicação pessoal e à responsabilidade — componentes essenciais para uma transformação real de postura”, explica Paula.A especialista acrescenta ainda que a força de campanhas visuais como a escultura feita com sucata de acidentes reais está justamente em romper esse automatismo.“Imagens impactantes ativam o campo emocional e rompem a ideia de que “só acontece com os outros”. A escultura é um choque visual que ajuda a transformar estatísticas em realidade concreta. Pode provocar medo, reflexão, até desconforto — sentimentos que, quando bem elaborados, são caminhos para mudança. Campanhas como essa ganham ainda mais força quando fazem parte de uma ação contínua, que mantém o tema vivo e incentiva a reflexão ao longo do tempo”, destaca.

|  Foto: Divulgação | Detran

Além da prevenção, é necessário olhar também para os efeitos emocionais de quem já foi afetado por um acidente. O trauma psicológico nem sempre é visível, mas pode acompanhar as vítimas, testemunhas e familiares por muitos anos. “Falar sobre isso é parte fundamental do cuidado. Criar espaços para escuta e diálogo é essencial para promover uma cultura mais consciente, sensível às experiências humanas que atravessam o trânsito”, finaliza Paula Lisboa.

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