Quem foi Gregório 10, o papa cuja eleição durou 3 anos e levou à criação do conclave

Na quarta-feira (7/5), começa o conclave que irá escolher o sucessor do papa Francisco (1936-2025). A eleição papal irá seguir as regras básicas estabelecidas há vários séculos.

O papa Gregório 10 (1210-1276) foi quem determinou que os cardeais encarregados de eleger o líder máximo da Igreja Católica deveriam ser encerrados e isolados do mundo exterior, para poderem tomar uma decisão tão relevante.

Algumas regras sofreram modificações ao longo dos séculos. Mas as bases essenciais estabelecidas no século 13 se mantêm em vigor até os dias de hoje.

Gregório 10 sequer era sacerdote quando foi eleito papa. Seu pontificado durou apenas cinco anos (1271-1276), mas ele se tornaria um dos papas mais transcendentais da história.

Para compreender a vida daquele pontífice, é preciso conhecer seu momento histórico.

Igreja dividida

Em meados do século 13, a Cristandade estava profundamente dividida.

Desde o século 11, a vida na Europa era marcada pela disputa entre o papado e o império formado pelo rei dos francos, Carlos Magno (742-814).

Hoje conhecido pelos historiadores como Sacro Império Romano Germânico, ele ocupava principalmente os territórios da atual Alemanha.

“O papa e o imperador do que hoje chamamos de Sacro Império Romano Germânico mantinham uma queda de braço pela liderança da Cristandade”, declarou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o catedrático em História Medieval Alejandro Rodríguez de la Peña, da Universidad San Pablo CEU de Madri, na Espanha.

“Os imperadores enfrentaram os papas ao longo de vários séculos, a ponto de chegarem a enfrentamentos militares”, conta o professor. “E o último grande imperador, Frederico 2º [1194-1250], havia sido excomungado.”

A estes dois grandes poderes, somava-se a França recém-unificada, que havia completado a conquista do sul da Itália, formando “um panorama internacional que não poderia ser mais complexo”, segundo Rodríguez de la Peña.

Este era o mundo quando, no dia 29 de novembro de 1268, morreu em Viterbo o papa Clemente 4º (1190-1268).

Na época, Viterbo pertencia aos Estados Pontifícios, que ultrapassavam em muito as fronteiras do atual Vaticano. Hoje, a cidade faz parte da Itália.

Seguindo a tradição, os cardeais eleitores se deslocaram para o lugar onde morreu o papa para eleger seu sucessor.

Mas os cardeais estavam divididos em dois grupos, que refletiam as tensões daquele momento.

Por um lado, um grupo de cardeais italianos se alinhava com os interesses do Império. Eles eram conhecidos como gibelinos.

Por outro, os cardeais franceses não aceitavam que o enorme poder político, econômico e religioso da Igreja Católica da época ficasse sob o controle do Sacro Império Romano Germânico. Eram chamados de guelfos.

A rivalidade era tão grande que meses se passaram, sem que os cardeais conseguissem chegar a um acordo. Nenhum candidato conseguia a maioria qualificada necessária, o que prolongava a duração do conclave.

A eleição duraria quase três anos – o mais longo conclave da história da Igreja Católica.

Cansados de esperar por um desfecho, os governantes da cidade de Viterbo encerraram os cardeais no palácio onde eram realizadas as reuniões. Eles chegaram a limitar a quantidade diária de alimento, para forçar os eleitores a chegar a um acordo.

‘Personagem menor’

Por fim, o conclave acabou elegendo o arquidiácono Teobaldo Visconti, que nunca havia sido ordenado sacerdote. Naquele momento, ele estava em cruzada contra os muçulmanos, na cidade de São João de Acre, no Oriente Médio.

“Por que eles escolheram um personagem menor que, além disso, estava no outro lado do mundo é um mistério que não conseguimos solucionar com as fontes disponíveis”, afirma Rodríguez de la Peña.

Visconti era italiano. Apesar de não ter recebido as ordens sacerdotais, ele havia conhecido e trabalhado com muitos cardeais franceses em diversas funções.

Por isso, ele tinha muito bons contatos e “podemos especular que talvez tenha sido eleito como um candidato de compromisso”, segundo o historiador espanhol.

Mas a interrupção ocorrida na Igreja Católica não se encerrou imediatamente. Visconti levou meses para regressar da Terra Santa – e também precisou ser ordenado sacerdote e nomeado bispo de Roma antes de ser coroado papa.

Uma vez no trono de São Pedro, “Gregório 10 demonstrou que seria um papa independente, que não se deixaria pressionar e acabou fazendo um bom papado”, conta Rodríguez de la Peña.

O novo papa tentou curar as feridas internas da Igreja Católica. Ele procurou o entendimento com a Igreja Ortodoxa e destacou a importância de encerrar as Cruzadas com a reconquista da “Terra Santa”.

Mas seu legado mais importante seria outro.

Um sistema mais rigoroso

Gregório 10 tentou fortalecer a independência da Igreja Católica frente aos “poderes terrenos” com a bula Ubi periculum, promulgada no Concílio de Lyon, na França, em 1274.

Segundo Rodríguez de la Peña, “a bula tenta isolar os cardeais eleitores das influências perniciosas do exterior e das pressões dos governantes da época, interessados em controlar uma instituição tão poderosa no mundo medieval, como a do papado”.

A bula estabelecia que os cardeais deveriam permanecer isolados e incomunicáveis no palácio onde morreu o papa. E, salvo por motivo de doença, só poderiam abandonar o local depois da eleição do sucessor.

Eles deveriam viver em comunidade, separados apenas por telas por toda a duração do conclave. E, a partir do terceiro dia, somente seria permitido um prato diário de comida.

A partir do oitavo dia, os cardeais só poderiam comer pão e água.

As disposições dificultavam a vida dos cardeais ao longo da duração do conclave. A aparente intenção de Gregório 10 era forçar um acordo, evitando que se repetissem as circunstâncias ocorridas na sua própria eleição.

Rodríguez de la Peña também destaca uma dimensão teológica das regras. Para ele, “a ideia é que o isolamento e a ausência de pressões externas dos poderes da época permitisse que eles ouvissem a voz do Espírito Santo e tomassem uma boa decisão sob sua inspiração”.

Gregório 10 morreu em 1278. Ele foi beatificado em 1713.

Algumas das suas disposições mais rigorosas para a eleição papal foram suavizadas por pontífices posteriores e outras caíram em desuso.

Mas a ideia essencial do isolamento dos cardeais eleitores é mantida até os dias de hoje – e voltará a ser praticada no conclave que irá eleger o sucessor do papa Francisco.

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