‘O número de acidentes aumentou nas vias públicas, principalmente pela questão da atenção’
Além dos fatores já mencionados, quais o senhor considera as principais causas dos acidentes de trânsito com vítimas fatais na Bahia?Sem dúvida, o campeão das infrações hoje é o excesso de velocidade, que são registrados nos radares, seja nas vias municipais, estaduais ou federais. Realmente, esse é o maior risco, que tem gerado o maior número de sequelas e de mortos no trânsito. Tanto que o tema da campanha Maio Amarelo escolhido para este ano pela Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito), passando por todos os órgãos de trânsito, toda a população, foi: “Desacelere, seu bem maior é a vida”. Justamente para lembrar a população, os condutores, de que é muito importante respeitar o limite de velocidade, que é disciplinado nas vias públicas.O senhor mencionou a questão da velocidade, e, segundo dados do Observatório, muitas vias não priorizam a segurança viária, dando lugar a outros interesses. O senhor acredita que isso é uma realidade?É claro que é muito importante que as rodovias, as vias públicas, tenham todos os equipamentos de segurança previstos no Código de Trânsito. Só que, por outro lado, as pesquisas já demonstram que 90% dos sinistros são causados por culpa do condutor. Então, na maioria dos casos, é algum problema no condutor, não é no veículo, nem na via pública. Apenas 10% dos sinistros são decorrentes de problemas de infraestrutura, problemas no veículo. Sendo que a grande maioria das causas de sinistro no trânsito é decorrente do condutor, seja por não prestar atenção, seja por não seguir as normas de trânsito.
‘Pesquisas já demonstram que 90% dos sinistros são causados por culpa do condutor’
O consumo de bebida alcoólica ao volante ainda é um dos principais fatores de risco para acidentes de trânsito na Bahia?Sem dúvida. O condutor dirigir alcoolizado realmente é um risco grande, não só para ele, como também para todos que estão à sua volta. Agora, com relação às infrações de alcoolemia, a gente vê uma redução até pelo grande investimento nas campanhas, nas fiscalizações, nas blitze. Você já vê uma mudança de cultura, mesmo que lenta, do cidadão que vai sair para ingerir bebida alcoólica, preferir sair com táxi, sair de carona, ou com veículo por aplicativo.Mesmo com o aumento das mortes no trânsito, por que essas tragédias ainda parecem causar menos impacto social que outras, como por exemplo a epidemia de dengue?Essa também é uma percepção nossa, que as consequências de um acidente de trânsito não causam tanto impacto social como outras pandemias, como a dengue, como a própria Covid, como um acidente aéreo. Me parece que a sociedade aceita melhor quando temos uma vítima de trânsito. Então a gente tem que trabalhar também essa questão psicológica nas pessoas, para que elas passem a entender que aquela morte, que aquela sequela, poderia ser evitada na maioria das vezes. E também para eles terem essa atenção e esse cuidado ao trafegar pelas vias.O senhor mencionou o tema da campanha Maio Amarelo deste ano, ‘Desacelere. Seu bem maior é a vida’. Quais ações estão previstas para essa edição?É um mês que todos os órgãos de trânsito se unem para poder fazer campanhas educativas. No Detran, fazemos isso todos os anos: realizamos eventos, trazemos autoridades na área do trânsito, fazemos divulgação de vídeos, de mídias, todas elas — seja nas redes sociais, outdoors, televisão, rádio. Vamos também nas escolas, o que é muito importante, com as crianças, com os jovens, para que eles já comecem a absorver essa questão da educação para o trânsito e já levem isso na sua formação. Isso realmente me parece ser o futuro da política pública de trânsito: a gente trabalhar a matéria já na escola. Então, durante todo o mês de maio, vamos atuar em todas essas frentes para poder levar a mensagem ao maior número de pessoas e tentar reduzir esse número bastante elevado de sinistros, para que possamos ter um trânsito cada vez mais seguro.O senhor mencionou a importância da educação no trânsito. Sabemos que o Detran tem firmado parcerias com instituições como a Uneb e o IFBA. Qual é a importância dessas parcerias?O trânsito é uma matéria transversal, ela perpassa por todas as áreas. Então, nós fizemos parcerias com outras secretarias como a de Educação, das Mulheres também, para poder tratar as questões que perpassam o trânsito, como a homofobia no trânsito, o racismo, o respeito às mulheres, e também a parte da educação. É muito importante buscar a parceria das universidades. Nós temos já contato com a Uneb, com a Universidade Católica do Salvador, com o próprio Ifba, para discutir esse tema e formar novos especialistas. Ainda é uma matéria que não é muito debatida na academia. Mas estamos tentando levar isso para o debate, para o estudo, para a pesquisa, para que possamos ter realmente cada vez mais ferramentas para poder ter um trânsito mais seguro.O disciplinamento do trânsito nas áreas urbanas também depende das prefeituras. Quais são os principais desafios dessas parcerias e o que pode ser feito para melhorar a gestão do trânsito nos municípios?Isso de fato é muito importante. A Bahia ainda tem poucos municípios que são integrados ao Sistema Nacional. Se não me engano, são 77 municípios. E esses que são integrados, nós temos relação e damos todo o apoio necessário para que eles possam fiscalizar e ordenar o trânsito municipal. Mas tem também um trabalho que é feito pelo Cetran, o Conselho Estadual de Trânsito, de tentar ampliar esse número. Porque já é uma obrigação, desde 2021, do Código de Trânsito, que todos os municípios se integrem ao Sistema Nacional de Trânsito para que possam realmente trabalhar o trânsito municipal. Aquelas cidades que já estão integradas, como Salvador, Lauro de Freitas, Camaçari, nós já fazemos essa ação de parceria, para que juntos possamos melhorar a segurança no trânsito.O Detran possui um mapeamento dos municípios baianos com os índices mais altos de acidentes? Há algum trabalho conjunto com as prefeituras para tratar dessas questões nas áreas mais críticas?A Senatran criou o Renaeste, que é o Registro Nacional de Estatísticas de Trânsito. Todos os órgãos do sistema precisam alimentar esse registro, e isso é até disponibilizado de forma transparente no site da Secretaria Nacional de Trânsito. Você consegue ver lá tudo o que foi registrado de sinistro quase que em tempo real. A Secretaria de Saúde da Bahia (Sesab) também tem um papel importante, porque os casos que chegam aos hospitais, eles fazem essas notificações e também ajudam a qualificar esse banco de dados.As ocorrências envolvendo motociclistas são responsáveis por grande parte das mortes e internações por acidentes de trânsito na Bahia. Quais ações específicas estão sendo implementadas para reduzir os índices nesse grupo, que é o mais vulnerável?Sem dúvida, os motociclistas são público mais vulnerável e são responsáveis pelo grande número de internações em emergências hospitalares. O governo do Estado, através do governador Jerônimo Rodrigues, está fazendo um trabalho importante. Foi lançado agora recentemente o programa Condução Decente, voltado para ‘motofretistas’ e mototaxistas, que traz toda a qualificação necessária para esse público atuar com segurança. Ao final da capacitação gratuita, eles ainda recebem um EPI, um kit com capacete, colete, antena para fios cortantes e, no caso do ‘motofretista’, uma bag para transporte. É um público que está muito presente no trânsito, porque trabalha de forma diuturna. São verdadeiros guerreiros. O Condução Decente, em parceria com a Setre (Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte), vai iniciar agora essa formação que é muito importante. Vai qualificar quem já trabalha e não tem registro e também fazer a revalidação de quem já tem. Começa agora e vai durar três anos esse programa. É muito importante para reduzir o número de acidentes como motociclistas.Depois dos motociclistas, os pedestres também são as principais vítimas fatais em acidentes. Há ações voltadas para a proteção desse grupo?Sim. Precisamos retomar uma campanha que tínhamos com os “mímicos do trânsito”, que orientavam os pedestres nas faixas, nos semáforos, para fazerem a travessia de forma segura. O pedestre faz parte do sistema de trânsito, até mais que o motociclista, então também precisa ser abordado e incluído nas campanhas educativas.Medidas mais coercitivas, como as blitzes, são mais eficazes na redução de acidentes do que as campanhas educativas, ou o ideal é combinar ambas as estratégias?O ideal é combinar, mas as estatísticas mostra que as blitzes são essenciais para a redução do número de sinistros. Isso é um dado não só da Bahia, mas diria até mundial. Locais com maior fiscalização têm trânsito mais seguro, porque o condutor evita arriscar uma infração com medo da punição pecuniária ou da suspensão do direito de dirigir.
‘Locais com maior fiscalização têm trânsito mais seguro, porque o condutor evita arriscar uma infração’
As blitzes do Detran contam com participação de policiais militares. Quais são as vantagens e desvantagens de envolver PMs nessas ações?O Detran da Bahia é até um modelo que está sendo copiado por outros estados. Utilizamos a PM, via convênio, para que sejam agentes de trânsito. A grande vantagem é a capilaridade: temos mais de 30 mil policiais em todo o estado que são potenciais agentes de trânsito. Nunca teríamos esse contingente com uma carreira própria. Além disso, são profissionais qualificados que atuam também pela segurança pública, que é seu mister mais importante. Dessa forma, a blitz ordena o trânsito e reforça a segurança.Embora alguns estados tenham registrado queda nas mortes em 2023, a Bahia viu um aumento. Quais fatores explicam essa discrepância?Não temos uma conclusão digamos científica ainda porque há muitas subnotificações. O Renaeste, que mencionei, ainda não está consolidado. Alguns estados alimentam mais, outros menos. A Bahia é um dos que mais alimenta. Talvez por isso apareça esse aumento no número de mortes no trânsito. Mas precisamos do Renaeste consolidado para termos um dado mais preciso a nível nacional.Para finalizar, qual mensagem o senhor deixaria aos motoristas sobre como contribuir para a redução dos acidentes de trânsito?Eu concluo com a mensagem da Senatran: ‘Desacelere, seu bem maior é a vida’. São dois pontos fundamentais: velocidade e atenção. Se o condutor se atentar a esses dois vetores, certamente teremos um trânsito muito mais seguro.