A morte de um homem que acionou acidentalmente um artefato explosivo em seu apartamento revelou parte de uma estratégia de ataque da facção criminosa TCP (Terceiro Comando Puro), que há anos está em disputa com o CV (Comando Vermelho) em território fluminense.
O caso aconteceu em 4 de janeiro, no sétimo andar de um prédio no bairro Anil, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio.
Segundo a investigação, João Paulo de Oliveira Nascimento, 46, manuseava um artefato na área de serviço do imóvel, onde morava com a mulher e dois filhos.
A explosão ocorreu por volta das 17h. Com o impacto, ele foi atirado pela janela. O caso foi registrado na 32ª DP (Delegacia de Polícia), na Taquara.
Inquérito da Polícia Civil aponta que Nascimento recebia pagamentos de criminosos para produção de explosivos utilizados em conflitos entre o TCP e o CV.
Parte dos repasses eram feitos para a mulher de Nascimento, que vivia com ele e seus dois filhos. Somente entre 10 e 13 de outubro de 2024, ela recebeu R$ 15 mil.
A polícia concluiu que os depósitos foram feitos por pessoas ligadas ao TCP não só em favelas do Rio, mas também no conglomerado Cabana do Pai Tomás, em Belo Horizonte, para onde o TCP se expandiu.
Segundo inquérito da Polícia Civil, os artefatos encontrados no apartamento “possuem características idênticas aos artefatos previamente apreendidos em outras localidades sob o domínio da organização criminosa identificada como TCP”.
A mulher dele, uma esteticista de 34 anos, afirmou à polícia, na noite de 4 de janeiro, que estava com o filho mais novo quando escutou o barulho da explosão.
Ela disse que, dias antes, Nascimento havia chegado em casa com algumas latas e plásticos moldados.
A mulher afirmou que perguntou a ele se era algo ilegal, e ele disse que jamais faria nada de errado com os filhos em casa.
Histórico de clonagem de cartão
A polícia localizou no imóvel pólvora, uma roupa com alarme em um armário, itens conhecidos como “chupa-cabra” usados para clonagem de cartões, um cartão bancário em nome de uma terceira pessoa e outros 150 cartões bancários “em branco”.
Os policiais descobriram que um vizinho, identificado dias depois, havia retirado dois celulares que estavam ao lado do corpo de Nascimento. Na delegacia, esse vizinho afirmou que entregou os aparelhos para a irmã da mulher da vítima.
Ele também disse que sabia que Nascimento clonava cartões, mas que tinha curso de eletricista e que achava que o vizinho trabalhava com isso.
Na tarde de 8 de janeiro, a mulher de Nascimento foi chamada novamente para depor. Na ocasião, deu à polícia acesso aos celulares que haviam sido pegos pelo vizinho.
Afirmou saber que o marido “sempre esteve envolvido com coisas erradas” e que recebia encomendas em casa em nome de terceiros, sabendo que eram compras feitas com cartões clonados.
Ela disse que tentou pedir para o marido deixar o crime, mas não o convenceu.
Relação com o TCP
A mulher relatou que Nascimento era da Rocinha, na zona sul, na época que o então chefe do tráfico na favela, Antônio Francisco Bonfim Lopes, conhecido como Nem, era da facção ADA (Amigos dos Amigos).
Quando Nem pulou para o TCP e a Rocinha foi dominada pelo CV, Nascimento se mudou para favelas dominadas pelo TCP.
A mulher relatou aos investigadores que recentemente o marido começou a comprar maletas, fios e latas e que mantinha contato com pessoas que viviam no complexo de favelas da Maré, na zona norte, e na Ilha do Governador.
Desde o segundo semestre de 2024, Nascimento teria passado a obrigá-la a receber Pix de diversas pessoas e empresas. Ela passou à Polícia Civil os comprovantes das movimentações feitas.
A polícia identificou que os depósitos foram feitos por pessoas e empresas localizadas em áreas dominadas pelo TCP: Vila Kennedy, Complexo de São Carlos, Parada de Lucas e Ilha do Governador.
Bombas com membros do TCP
Em 27 de outubro de 2024, um suspeito de integrar o TCP na favela da Mineira, no Complexo do Estácio, região central do Rio, estava com um artefato explosivo. Um laudo do Esquadrão Antibombas identificou que o item foi produzido por Nascimento.
Em 9 de dezembro de 2024, quatro membros do TCP foram presos no Morro dos Macacos, na região de Vila Isabel, zona norte do Rio. Com eles, foram apreendidos cinco artefatos explosivos. Segundo o Esquadrão Antibombas, todos feitos também por Nascimento.
Em 30 de dezembro de 2024, outro suspeito de integrar o TCP foi preso pela Polícia Militar no Morro dos Macacos com uma bomba. Segundo o laudo, ela também foi produzida por Nascimento.
Em 8 de janeiro de 2025, traficantes do TCP fizeram um ataque contra o CV na favela do Jacaré. Na entrada da comunidade, ativaram um artefato explosivo —mais um feito por Nascimento, segundo o Esquadrão Antibombas.
Duas empresas realizaram Pix para a mulher de Nascimento entre 15 de novembro e 18 de dezembro. Numa das transações, havia a descrição “bomba” no comprovante.
A polícia identificou que essas duas empresas foram criadas no Complexo de Israel, no Rio, onde estaria o principal chefe da facção: Álvaro Malaquias Santa Rosa, o Peixão.