Centenário de Mãe Stella: ialorixá que transformou o Candomblé no Brasil

Com um grande legado, a presença de Mãe Stella de Oxóssi percorre os terreiros, os livros, os espaços de luta e os corações do povo de axé. Mulher negra, escritora e ialorixá, ela foi uma das maiores vozes das religiões de matriz africana no Brasil. Em 2025, seu centenário marca não apenas a lembrança de seu nascimento, mas a celebração de um legado que reescreveu com dignidade a história do Candomblé no país. Nascida em Salvador em 2 de maio de 1925, Maria Stella de Azevedo foi iniciada no Candomblé aos 14 anos, no terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, na capital baiana. Recebeu o nome Ode Kaiodê e, décadas depois, assumiria a liderança da casa como sua quinta ialorixá.Além de sacerdotisa, foi também enfermeira por mais de trinta anos e uma das primeiras mães de santo a assumir publicamente a escrita como instrumento político e pedagógico. Ao falecer, em 27 de dezembro de 2018, aos 93 anos, em Santo Antônio de Jesus, a perda foi sentida em todo o país. 

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Rompimento da Igreja CatólicaEm entrevista ao Portal A TARDE, Adriano Azevedo, sobrinho de Mãe Stella, destacou o rompimento do Candomblé da Igreja Católica como um dos grandes legados da tia.”É quando ela diz que Iansã não é Santa Bárbara. Esse desligamento da Igreja Católica nos dá possibilidades de nos afirmarmos como religião porque o Candomblé tem pilares que fundamentam o candomblé como religião. A imagem que passa de Santa Bárbara foi uma mulher branca nascida na Nicomédia, na Europa. Iansã, uma mulher preta, nascida na cidade de Nupe, em Irá, na Nigéria. Então, são pessoas completamente diferentes”, diz.

Mãe Stella de Oxóssi

|  Foto: Fernando Amorim | Cedoc A TARDE

Mãe Stella defendeu que a tradição precisava ser compreendida historicamente: o sincretismo foi uma estratégia de sobrevivência dos povos escravizados, mas, com o tempo, se tornou também um obstáculo à afirmação do Candomblé como religião com fundamentos próprios.”A pessoa iniciada no candomblé não precisa da benção do padre. Tudo foi passado dentro do terreiro, fazendo todas as obrigações. Será que tudo que foi feito não tem valor? Para ter valor, para ter a legitimidade, precisa passar pela igreja? Precisa o padre jogar água benta para benzer? E o banho de folha que foi tomado durante 16 dias, 7 dias, seja lá quantos dias forem, não teve nenhuma importância? Não se faz necessário, não estou julgando nem dizendo que não é para ser feito”, destaca o sobrinho. Segundo Adriano, Mãe Stela acreditava que a fé das pessoas de axé não precisava da validação de nenhum padre, igreja ou santo.A oralidade eternizadaCom o tempo, Mãe Stella passou a transformar em livros o conhecimento ancestral do Candomblé, que até então era transmitido apenas pela oralidade. Ela estreou na literatura em 1988 e publicou nove obras desde então, entre elas “Meu tempo é agora”, “Òsósì – O Caçador de Alegrias”, “Epé Laiyé – terra viva” e “Ófun”.A frase “o que não se registra, o tempo leva” virou um lema da trajetória da ialorixá como escritora e pensadora.”Eu acredito que a partir desse pensamento dela transformar a oralidade em oratória quebrou este padrão, obviamente sem mexer no que já estava formado, porque o candomblé ainda continua sendo uma religião plural. Você não aprende candomblé por livro, mas é necessário que haja esses registros justamente para ficar para a posteridade”, afirma Adriano.

Mãe Stella de Oxóssi

|  Foto: Shirley Stolze | Ag. A TARDE

Adriano acredita que esse resgate tem uma dimensão pedagógica e reforça a cultura negra como potência.”Existem pessoas que não querem que a gente acenda, que querem que a gente esteja sempre subalternos. Então, eu acho que a educação é o ponto fundamental em você conhecer e saber da sua história, saber de onde você saiu. Perceber, a partir dessa investigação, que você é descendente de reis, de rainhas, de princesas e de pessoas nobres”, ressalta.Reconhecimento e legadoDurante sua vida, Mãe Stella recebeu diversas homenagens. Em 2001, foi agraciada com o Prêmio Estadão por sua atuação cultural. Em 2005, foi uma das 54 mulheres brasileiras indicadas ao Nobel da Paz. Em 2009, recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade do Estado da Bahia. Também foi reconhecida com a comenda Maria Quitéria, a Ordem do Cavaleiro do Governo da Bahia e uma comenda do Ministério da Cultura. Em 2010, recebeu uma placa em homenagem ao centenário do Ilê Axé Opô Afonjá na Câmara de Salvador.”O legado de Mãe Stella segue vivo, segue forte, segue nesta intensidade justamente por ela ter feito esses registros com medo que o tempo levasse e isso foi reconhecido pelas academias, pela universidade e outras instituições que reconhecem Mãe Stella como uma grande intelectual”, destaca Adriano.Livro do centenário

Mãe Stella de Oxóssi

|  Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE

No ano do centenário, um novo livro sobre Mãe Stella será lançado neste mês de maio. A obra é resultado de 12 anos de pesquisa do historiador Diego Copque, parente da ialorixá, que reconstrói a trajetória ancestral da líder religiosa desde seus avós, bisavós, tataravós. Para Adriano, a publicação ajudará as novas gerações a entenderem que não vieram do nada. “Viemos de algum lugar, temos uma ancestralidade, e ela precisa ser valorizada. A história de vida de Mãe Stella mostra que a juventude preta também pode alcançar o topo”, diz.Adriano ressalta que o centenário é apenas a continuidade das homenagens que ela já recebia em vida. “Mãe Stella foi homenageada em todo canto que ela chegava. Nada dos títulos que tem é título pós-morte. Esse centenário é para manter ela imortal. Mãe Stella presente, Mãe Stella vive em sua essência, é um ser de luz. Que Oxóssi esteja também ao lado dela, nos protegendo e nos livrando de todas as maldades”, conclui.

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