Cientista alerta: eugenia está novamente em alta


A falsa teoria de que pessoas de diferentes raças têm biologias distintas pode levar a proposta de ‘melhorias’ genéticas. Genevieve L. Wojcik é professora de epidemiologia da faculdade de saúde pública da prestigiosa Universidade Johns Hopkins. Em artigo publicado na revista Nature, alerta que as teses eugenistas estão novamente ganhando espaço e que os cientistas precisam tomar uma atitude para barrar as perigosas ideias pseudocientíficas que tentam justificar o supremacismo de alguns indivíduos em detrimento dos outros. O movimento eugenista surgiu no fim do século XIX e propunha uma “melhoria genética” da população humana em duas frentes: incentivando a reprodução daqueles considerados superiores e impedindo a reprodução dos avaliados como inferiores – não custa lembrar que o nazismo levou essas práticas ao extremo.
Mulher africana: em termos biológicos, não existem raças com contorno definido, apenas um grande número de variações físicas entre os seres humanos
Helen Groves para Pixabay
Em 1924, os Estados Unidos aprovaram o Johnson-Reed Act, uma lei de imigração para limitar a entrada de grupos étnicos menos “desejáveis”. A esterilização de “não aptos” também disparou. Entre 60 mil e 70 mil indivíduos foram esterilizados no país e o mais surpreendente é que, em estados, como a Virgínia, a esterilização continuou até 1979.
Um século depois, o presidente Donald Trump diz que “há muitos genes ruins em nosso país no momento”, referindo-se aos imigrantes, e o governo pretende estimular que as mulheres (brancas) tenham mais filhos. “Se não nos mobilizarmos, haverá uma onda crescente de nacionalismo branco em vários lugares do planeta, ameaçando o progresso da ciência e a luta por um mundo menos desigual”, ela escreve.
Wojcik lembra que, em fevereiro, o secretário de Saúde, Robert Kennedy Jr., repetiu um comentário que já havia chocado a comunidade científica, afirmando que as crianças negras deveriam receber vacinas distintas das brancas, por causa de diferenças entre os sistemas imunológicos.
Não bastava Kennedy questionar os benefícios das vacinas. O que está por trás dessa tese é uma falsa teoria: de que cada “raça” tem uma biologia distinta da outra. Para começar, os trabalhos científicos mostram que, apesar das diferenças fenotípicas (cor dos olhos, cabelos, pele etc.), as diferenças genéticas entre grupos de características físicas semelhantes são praticamente as mesmas quando comparadas com as diferenças genéticas entre grupos de características físicas diferentes.
Dois genomas humanos são, em média, 99% idênticos. Portanto, em termos biológicos, não existem raças com contorno definido, apenas um grande número de variações físicas entre os seres humanos.
A epidemiologista utiliza um exemplo para mostrar como o conceito de raça é um desserviço à ciência: as chances de alguém ter uma hemoglobinopatia (doença genética que afeta a estrutura ou produção da hemoglobina, proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue) varia substancialmente dependendo de onde a pessoa vive. Em certas regiões da Índia, a talassemia beta fica acima dos 8% da população; na China, não passa de 2,7%. “Essa heterogeneidade seria ignorada se os pesquisadores tratassem todos esses pacientes como asiáticos, um termo que, aliás, se refere a 60% da população mundial”, defende a professora.
Entenda o que é ‘racismo científico’, praticado por médica contra mulher negra no RJ
Adicionar aos favoritos o Link permanente.