

No cotidiano, são diversos os objetos que não encontram mais uso, mas permanecem, por algum motivo, guardados nas gavetas, armários e outros locais da casa. Longe de atrapalhar, esse acúmulo das coisas revela trajetórias da vida de quem as guarda. Na exposição “Lealdade”, da pintora Luisa Friaça, a natureza morta contemporânea, de tudo aquilo que é guardado sem saber o porquê, ganha centralidade nas telas. A exposição fica disponível até o dia 30 de maio, na Subversivos Galeria, localizada no Espaço Cultura Coringa (ECCO), no Bairro Bandeirantes.
Colecionar à margem
As obras apresentadas em “Lealdade” trabalham com o conceito de “colecionismo marginal”, desenvolvido pela própria artista. Distante daquela ideia de ser algo compulsório, que atrapalha a vida da pessoa, como no caso dos acumuladores, e, ao mesmo tempo, distante também dos colecionadores de arte, os objetos do “colecionismo marginal” estão no meio e à margem dessas duas formas de colecionar. São objetos já sem uso, que naturalmente seriam vistos como descartáveis, mas que permanecem e a autora busca dar centralidade. “Coloco no centro esses objetos, expondo o que não tem o intuito de ser exposto, para trazer esse olhar de que essas coisas não são lixo”, afirma.
E a partir dessa centralidade dos artefatos, Luisa busca organizar na tela uma colagem entre sua própria subjetividade, a de seus avós – que também guardam esses objetos à margem -, e os diversos itens. “Cresci em uma casa com vários ‘cantinhos da bagunça’. É um ato de carinho, de respeito pelos objetos.” Ao fazer isso, a pintora percebeu que alguns elementos começaram a se repetir, dentre eles, as ferramentas. É por isso que nas telas estão representados objetos que fizeram parte da vida de seus avós, de sua própria, assim como alguns que estiveram na própria concepção das pinturas. Destacam-se representações de ferramentas de metal, de costura e do fazer artístico.
A tinta acrílica utilizada nas telas também reflete o tema geral da exposição e esse conceito. “A tinta acrílica é plástico. Na série, trabalho com essa alquimia do plástico, que dura para sempre e é feito para ser descartado. Quando trabalho com esse material e guardo os registros do processo – que não são mais arte – que exponho junto com as telas, é uma coisa muito intencional para dizer que tudo isso é plástico, que é amado e existe para ser amado, da mesma forma que muitos objetos existem para ser amados. Nas telas estão muitos objetos amados e honrados de maneira acidental”, destaca.

A vida dos objetos
Estes objetos quebrados, guardados, mas não úteis, também existem para além do afetivo na exposição. Em uma sociedade cada vez mais pautada pelo descarte, centralizar objetos quebrados gera, de acordo com a artista, quase uma relação de perdão com os objetos descartáveis, “de dar uma segunda chance para aquilo que está quebrado, assim como gostaríamos de ter uma segunda chance também”, tendo em vista que atualmente pessoas e objetos devem ser sempre novos e melhores.
“Entendo que olhar para essas coisas que já existem na sua vida e permitir a elas a cortesia de permanecer, existir sem as amarras da utilidade, é uma compaixão muito bonita de se ter com os objetos. Gosto de pensar que quem tem ela com os objetos pode usar essa série para pensar os outros lugares da própria vida, encontrando essa compaixão com as pessoas ao seu redor”, defende.
Com isso, Luisa busca trabalhar o espírito vivo das coisas, dando enfoque à permanência do não uso, em vez da transmutação do objeto em algo novo, como seria no caso da reciclagem. O colecionismo marginal vem de “algo mais visceral, de um afeto que foge à percepção do próprio que exibe e guarda ele”, enquanto a reciclagem “retoma o objeto ao uso” e está atrelado a “uma bondade ecológica” que não está presente na exibição. A reimaginação a partir de um outro ponto de vista, de um mundo interno, e não de sua utilidade prática. A “lealdade” entre pessoas e a vida dos objetos.
As obras apresentadas por Luisa começaram a ser construídas durante a graduação em Artes Visuais, no Instituto de Artes e Design (IAD) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em seu trabalho de conclusão de curso. Atualmente, a artista é mestranda em Artes, Cultura e Linguagens pela UFJF.
Serviço
Exposição “Lealdade” – Luisa Friaça
- Até dia 30 de maio, de 9h às 12h e 14h às 18h (de segunda a sexta-feira)
- No ECCO (Rua Sabino Francisco de Barros 969 – loja 13, Bandeirantes)
- Classificação: Livre
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*Estagiário sob supervisão da editora Cecília Itaborahy
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