É preciso coragem para cantar a própria luz. Dani Cruz sabe disso. Depois de anos entregando sua voz ao cenário musical potiguar, a artista estreia nesta terça-feira 29 seu primeiro álbum, “Canto de Sol”, um trabalho que é uma afirmação de identidade, afeto e amadurecimento. Em dez faixas, Dani transforma suas vivências — amores, desafios, maresias — em canções que desenham uma trilha sonora para quem acredita na força do recomeço. “Esse disco é um convite para reparar no que há de belo e no bem da vida”, disse ela.
Forjada entre alegrias e adoecimentos, entre imersões criativas e tardes de samba, a obra carrega uma intensidade que se recusa a ser domesticada. Com direção musical do mestre Jubileu Filho e parcerias que atravessam gerações da música potiguar — como Khrystal, Juliana Linhares, Gracinha e Daniela Fernandes —, o álbum vibra em afrolatinas, batuques, cordas, mares e abraços.
Não é novidade que Dani Cruz tenha chegado até aqui com tamanha autenticidade. Desde os tempos de coral de igreja, ainda criança, passando pelo jazz dos primeiros palcos até a explosão de personalidade registrada no EP Afoita (2019), a cantora e compositora vem pavimentando com firmeza uma trajetória própria, sensível e inventiva. Dentro da música criativa brasileira, agora assume de vez sua identidade múltipla, sem medo de soar debochadamente intensa.
“Canto de Sol” é, sobretudo, uma entrega: ao amor, ao tempo, ao próprio corpo. E carrega um desejo: o de que cada pessoa que ouça essas canções sinta vontade de amar, de sonhar e de se reconectar com a simplicidade que há em existir. Em entrevista ao AGORA RN, Dani falou sobre esse novo ciclo, as dores e delícias do processo. Confira:
AGORA RN – “Canto de Sol” marca uma nova era. Que transformações você viveu até chegar a esse momento?
Dani Cruz – Foram tantas! Incontáveis! Mas talvez a maior tenha sido no ano passado ter vivido um processo de adoecimento bem intenso que, inclusive, suspendeu a produção do álbum por dois meses e afetou diretamente o que eu venho dizer nesse momento. Meu volume de trabalho sempre foi grande, não é fácil se equilibrar entre duas profissões e eu sigo nessa ponte há alguns anos. Isso me gerou um estresse tamanho que culminou numa saúde fragilizada e em tudo o que aconteceu. Então “Canto de Sol” fala de uma retomada do sossego na minha vida, sobre aproveitar um dia de cada vez, os encontros, as relações, os amores, as coisas simples… é isso que nos nutre de verdade! Sei que muita gente também vive esses momentos desafiadores em suas histórias e é um recado para essas pessoas também.
AGORA RN – De que forma a cidade aparece nas canções?
Dani Cruz – Tenho uma relação de amor com esta cidade, apesar das muitas dificuldades que temos por aqui. A minha escolha de trazer símbolos potiguares nas composições e nos arranjos (juntamente com Jubileu) foi na intenção de afirmar essa identidade cultural rica. Essa marca cosmopolita que faz parte de nossa história aparece na sonoridade desse álbum, é como se em qualquer lugar do mundo ele pudesse apresentar nossas ruas, nosso povo caloroso, a relação que construímos vivendo numa cidade litorânea. Essa maresia sempre esteve presente nas canções: sou natalense demais!
AGORA RN – Como foi o processo de composição das faixas?
Dani Cruz – Cada uma teve um processo bem único e interessante. “Canto de Sol” foi a que mais demorou a “acontecer”, comecei a poesia e ela foi reformulada várias vezes, porque eu não sabia qual era o refrão e fiquei intrigada durante meses… até que eu e Carol fomos pra roda de samba em comemoração ao aniversário de Jubila, lá no Iate Clube, numa tarde musical linda e o pôr do sol no Rio Potengi me inspirou, aí veio o refrão, naturalmente. “Quebra de contrato” partiu de uma frase que recebi em sonho da minha mãe: “encosto é encosto, segurança é contexto de ter onde se apoiar”. “Incendiária” foi a primeira composição do álbum, feita com Mônica Michelly – a gente ama fazer músicas sobre paixão, duas emocionadas! – “Precisamos de quê” começou a surgir numa manhã em casa, um dia antes da imersão criativa “Compor” que eu participei em julho com Daniela Fernandes, Carol Porto e Mônica Michelly, aí mostrei às meninas no primeiro dia à noite e elas me entusiasmaram na ideia… dias depois, Diogo veio aqui em casa e começamos a compor melodia num domingo bem tranquilo e finalizei essa com Khrystal na mentoria de composição que fiz com ela. Nesse processo com Khrystal, surgiram ainda “Romanceira-facão” e “Cheirando à flor”.
AGORA RN – Você trouxe nomes conhecidos para parcerias.
Dani Cruz – Cada uma com seu jeitinho único fez “Canto de Sol” brilhar. Khrystal é uma força da natureza. Ela é uma autoridade na nossa cultura: ela traz essa força ancestral no seu cantar que toca a gente. Tê-la como parceira de composições nesse trabalho e em “Romanceira-facão” é um privilégio! Falando nessa faixa, fiquei feliz demais com a presença de Juliana Linhares que generosamente topou somar! Ju é uma grande cantadora de histórias. Sinto que ela trouxe essa faceta, dentre várias que tem, pra cá. É nosso orgulho potiguar e é muito auspicioso tê-la nesse lançamento trazendo toda sua força de abertura de caminhos. Daniela Fernandes é chiquíssima. Minha amiga é elegante demais, arrojada, ela traz exatamente quem é pra faixa que dividimos, mas dessa vez mostrando pras pessoas seu lado um pouco mais gaiato, leve, emocionada… que quem conhece, sabe muito bem! O feat com Gracinha é o mais surpreendente do álbum, na minha opinião, porque nossa sonoridade é bem diferente. “Espaço-tempo” foi uma delícia de fazer! Gracinha é sempre carinhosa e eu já desejava muito me aproximar dela pra fazermos algo juntas.
AGORA RN – A direção musical é de Jubileu Filho. O que essa parceria agregou ao seu som?
Dani Cruz – É sempre muito fácil trabalhar com Jubila, a gente se entende demais! Criamos uma relação de sintonia tão forte que às vezes nem preciso descrever muito o que quero, ele já entende além das palavras. Jubila é um dos grandes músicos do Brasil, então imagina ter a sorte de ter um produtor como ele, com diversas possibilidades de criação? E para o som que eu desejava, com referências afrolatinas e da música nordestina, não tinha como ser outra pessoa! Ele tem muita experiência, afinal são mais de 40 anos de carreira e muito estudo também. Além de tudo isso, ele é um curioso sem fim. É um músico inquieto e a gente também sintoniza muito nisso!
AGORA RN – Você regravou Djavan. Por que essa escolha?
Dani Cruz – “Deixa o sol sair” tem tudo a ver com meu álbum, é uma canção que me acompanha desde o início da carreira e é do meu álbum preferido de Djavan: o Malásia! Nunca imaginei realizar esse sonho de gravar uma música do mestre e olhe só a vida me surpreendendo de novo! Quantas vezes ouvi essa música indo à praia, sabe? Nem acredito que da próxima vez que for para o mar será me escutando cantá-la, é surreal…
AGORA RN – O álbum mistura elementos afrolatinos, música brasileira e outros gêneros. Como você enxerga essa fusão?
Dani Cruz – Eu sempre fui uma grande mistura. Minha identidade é marcada por isso: pela miscigenação, desde minha raça. Entendo hoje como uma potência: me aceito múltipla e desejo conhecer e criar uma sonoridade autêntica, cheia de swing, movimento, dança, interativa, é assim que eu me conecto com as pessoas e expresso minha verdade. Você escuta as canções e percebe as fusões, não há um rigor extremo ou purismo estético: minha estética é assim mesmo, fluida, diversa. “Canto de Sol” é também um projeto audiovisual: as imagens ilustram a atmosfera litorânea, mareada, calorosa, sensual e espiritual de “Canto de Sol”. As cores são quentes, as imagens têm movimento. O audiovisual traduz esse desejo de aproveitar este nosso canto ensolarado.
AGORA RN – O que você deseja que as pessoas sintam ao ouvir o álbum?
Dani Cruz – Que as pessoas tenham vontade de amar, de gostar, de encontrar, de se apaixonar, de acreditar. É um lembrete para nós (e antes de tudo pra mim) sobre a importância de sentir e reparar no que há de bom, no que há de belo e no bem desta vida. Numa sociedade tão voltada para o consumo que aliena, para produtividade que nos retira a sensibilidade de se conectar com os pequenos prazeres diários, esse discurso não é mero romantismo. É um convite, uma proposta concreta de criar um dia a dia que nos faça sentir bem.