Cresce crime de ódio e apologia à violência envolvendo adolescentes

O nome “Desfaçatez” foi escolhido para batizar uma operação da Polícia Federal no Rio de Janeiro, no último dia 19, que expôs uma situação preocupante no país: o agravamento dos crimes de apologia a atentado contra a vida na internet. O nome remete à postura dos investigados, que aparentavam uma reputação de pessoas de bem enquanto participavam de ações criminosas e violentas, planejadas no universo digital, mas executadas na vida real.Nesse caso, o assassinato de um morador de rua, que aconteceria no dia Domingo de Páscoa, dia 20, com transmissão ao vivo pela plataforma Discord. Foram presos Bruce Vaz de Oliveira, de 24 anos, que se apresenta como ativista ambiental e embaixador da ONU, mas, segundo as investigações, organizava sessões de tortura a animais, transmitidas pela mesma plataforma. E os jovens Kayke Sant´Anna Franco, 19, e Caio Nicholas Augusto Coelho, 18, que planejaram o crime e receberiam uma quantia em dinheiro por ele. Um adolescente de 17 anos que era um dos administradores do grupo também foi apreendido.A polícia carioca chamou atenção para a prisão de Bruce, que seria o responsável pelo servidor que agrupa uma comunidade de jovens e está sendo acusado de maus-tratos a animais, indução à automutilação, estupro virtual, racismo e incitação a diversas formas de violência. De acordo com as investigações, iniciadas há cinco meses, o grupo promovia ataques de ódio direcionados a negros, mulheres e adolescentes.A plataforma disse, em nota, que tem uma política rigorosa contra discurso de ódio: “Assim que tomamos conhecimento de conteúdos desse tipo por meio de nossas ferramentas de segurança ou por denúncias de usuários, tomamos as medidas apropriadas, incluindo a remoção de conteúdo, banimento de usuários e o desligamento de servidores”. No entanto, no início do mês, a polícia civil de São Paulo abriu um inquérito para investigar a mesma rede social, que descumpriu uma solicitação emergencial das autoridades para encerrar uma transmissão ao vivo em um servidor, com cenas de violência mostradas para crianças e adolescentes.PlataformasReferência na prevenção e combate a crimes contra os direitos humanos na internet, a SaferNet Brasil defende o fortalecimento das políticas públicas de proteção e a regulação destas plataformas. Para a psicóloga Bianca Orrico, que é responsável pelo canal de ajuda da ONG, o Helpline, plataformas como o Discord, que alcançam muitos adolescentes e jovens, muitas vezes impulsionam conteúdos violentos e discursos de ódio.“É preciso cobrar maior responsabilidade das empresas de tecnologia na moderação desses conteúdos nocivos, que contribuem para amplificar discursos violentos e extremistas”, afirma Bianca, que também atua na área de cidadania digital.No ano passado, os crimes de ódio e apologia contra a vida ficaram em segundo lugar entre as mais de 100 mil denúncias recebidas pela entidade. Em primeiro lugar estão os casos de pornografia infantil – com predomínio absoluto. Segundo a educadora, este tipo de conteúdo envolve, por exemplo, postagens que glorificam massacres escolares e incentiva a violência contra grupos específicos, como mulheres, pessoas LGBTQIAP, negras e indígenas. “Também reúnem fóruns que trocam mensagens sobre suicídio e automutilação, muitas vezes apresentando essas práticas de uma forma romantizada ou como uma forma de libertação”, destaca. Já os praticantes normalmente são jovens do sexo masculino, entre os 13 e 25 anos, ue se sentem frustradas ou isoladas socialmente.A diminuição das denúncias em 2024 em cerca de 33% também cria uma preocupação a mais para autoridades e entidades. Para a SaferNet, um dos motivos que explica a queda é a migração dos criminosos para aplicativos de mensagem e redes fechadas como o Discord e o Telegram, serviços onde é mais difícil para o denunciante obter links para comprovar o crime.O caminho para realizar uma denúncia através da ONG é através do denunci.org.br, para onde deve ser enviado o link do site onde está o suposto crime, e não é preciso se identificar. O conteúdo é encaminhado para a Polícia Federal e Ministério Público Federal, que decidem ou não pela investigação. “A SaferNet atua gerando indicadores e fazendo essa ponte entre o cidadão e os órgãos de investigação para garantir que violações de direitos humanos na internet não fiquem na invisibilidade”, reforça Bianca .No dia 18 de fevereiro, uma denúncia enviada à SaferNet levou à apreensão de um adolescente de 15 anos que planejava um atentado a uma escola de ensino fundamental na cidade de Embu das Artes, em São Paulo. A denúncia foi encaminhada ao Ministério Público, que fez a apuração e identificou o adolescente, estudante do primeiro ano do ensino médio. Ele assumiu o plano e disse que queria se vingar da escola anterior, onde teria sofrido bullying.Rapidez é fundamental – Outro caminho para denunciar os diferentes tipos de crime virtual é através do Disque Denúncia 181, que também garante o anonimato dos denunciantes e das vítimas. O delegado Delmar Bittencourt, que coordena o Laboratório de Inteligência Cibernética da Polícia Civil da Bahia (Ciber-Lab), afirma que o maior desafio para se chegar aos infratores é justamente a rapidez com que a informação circula nas redes sociais. “Mas a internet não é uma terra sem lei, as pessoas precisam estar atentas para identificar aplicativos ou redes sociais e copiar o link ou arroba para formalizar a denúncia”, pontua.Ele cita o exemplo de um caso recente que teve muita repercussão, no qual a polícia baiana trabalhou em rede com a carioca para prender os criminosos. Foi o atentado a Ludierley Satyro José, de 46 anos, que teve 60% do corpo queimado em um ataque enquanto dormia nas ruas do Rio de Janeiro. Além do militar Miguel Felipe dos Santos Guimarães da Silva, de 20 anos, que virou réu no processo por arquitetar e gravar as cenas de crueldade, transmitidas ao vivo também na Discord, dois adolescentes foram apreendidos, um deles na Bahia. “Nós evitamos divulgar este tipo de crime e seus autores, pois muitos deles estão em busca de holofotes”, pontua o delegado. Na semana passada, outras duas pessoas foram presas em Itabuna por crime de ódio na internet.Criado em 2021, o Ciber-Lab funciona dando apoio a todas as unidades da polícia civil. De acordo com o delegado, houve um crescimento de crimes virtuais na pandemia, acompanhando a migração de muitos serviços para o ambiente virtual, sobretudo os ligados a aplicativos de bancos. No caso dos crimes de ódio, a grande maioria, diz, tem envolvimento de adolescentes. O delegado reforça que é preciso manter crianças e jovens sob controle e que os pais precisam conhecer as plataformas, saber com quem seus filhos interagem e evitar, por exemplo, manter computadores dentro dos quartos.
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