A enfermeira Ana Luísa Assis trabalha em hospitais desde os 16 anos de idade, quando começou como jovem aprendiz. Quando conseguiu uma vaga em um grande hospital privado de Salvador, acreditou que seria o emprego dos sonhos, mas, seis anos depois, ela pediu demissão após sofrer burnout que foi ignorado pela empresa. “A equipe da UTI em que trabalhava foi reduzida de cinco para uma pessoa, com acúmulo de todas as funções. Era uma demanda técnica, burocrática e emocional sobre humana”, conta a profissional. A instituição ignorou as queixas dos funcionários, que “começaram a adoecer, a trabalhar sob medicação e a ter crises de pânico”, segundo relata a enfermeira. Em janeiro, após procurar terapia e contar com o apoio familiar, Ana Luísa largou o antigo emprego para atuar como especialista em estética. “Ainda tenho traumas, mas me sinto melhor, consigo equilibrar o trabalho com minha vida pessoal”, ressalta ela.Casos como o da enfermeira têm sido cada vez mais comuns. Dados do Ministério da Previdência mostram que, em 2024, quase meio milhão de brasileiros se afastaram do trabalho devido à ansiedade e à depressão. Trata-se de um número 68% maior do que em 2023 e o maior índice em uma década. As mulheres representam a maioria desses afastamentos, totalizando 64% dos casos registrados. Essa prevalência feminina está ligada a aspectos como a sobrecarga de responsabilidades – sendo elas as principais cuidadoras domésticas e familiares – e a desigualdade salarial e insegurança financeira. Conforme dados do IBGE, em 2022 as mulheres receberam salários menores que os homens em 82% das principais áreas de atuação. Nova regulamentação A crise da saúde mental no ambiente de trabalho é global: a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que depressão e ansiedade causam a perda de 12 bilhões de dias úteis por ano no mundo, resultando em um prejuízo de US$ 1 trilhão. Diante desse cenário, o Brasil atualizou a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) que prevê a inclusão dos riscos psicossociais nas fiscalizações trabalhistas e cujas mudanças entrarão em vigor no dia 25 de maio.A nova regulamentaçãoexige que as empresas adotem sistemas de gestão queidentifiquem os riscos psicossociais. Para isso,será necessário realizar umaanálise detalhada do ambiente de trabalho e mapearos fatores de risco, como ascondições de trabalho, a carga horária excessiva, a pressão por metas e o assédio. OGerenciamento de RiscosOcupacionais (GRO) é uma ferramenta já existente naNR-01, mas que agora passaa englobar também a saúdemental, como explica Fláviada Veiga, CEO da Be Happier, plataforma de Felicidade Corporativa. “A NR-1 é essencial para garantir que as empresas não só cuidem da segurança física dos trabalhadores, mas também de seubem-estar mental. Ignoraresses riscos pode trazer impactos significativos na própria organização, como aumento da rotatividade, absenteísmo e queda na produtividade”, afirma. As empresas agora estarão obrigadas a implementar medidas preventivas, como treinamentos, campanhas de conscientização eações de apoio psicológico. Apartir de maio, elas terão que registrar no e Social a identificação e o plano deação para os riscos psicossociais. As organizações que não fizerem isso, estarão sujeitas a penalidades,que vão de multas até mesmo o fechamentos operações, caso não comprovem que tomaram as medidas necessárias para garantir a saúde mental dos seus colaboradores. Mas não basta cumprir asexigências formais. É preciso promover mudanças reais na forma como saúde e segurança são tratadas no espaço de trabalho. “A prevenção é o melhor caminho. Após avaliar todos os riscos,com base em métodos e ferramentas apropriadas, o empregador deve criar umplano de ação com medidas corretivas e preventivas alinhadas às necessidades daequipe. Esse plano deve ser ajustado sempre que necessário”, explica Flavia de Castro, advogada especialista em prevenção de riscos trabalhistas. “Outro passo importante é criar programas de apoio psicológico voltados ao perfil dos colaboradores”, acrescenta. De acordo com dados da Gallup, programas de bem-estar reduzem em 43% os casos de burnout e 55% arotatividade dos funcionários. Os números também apontam que “trabalhadores mais felizes são 25% mais eficientes, 47% mais produtivos, 50% mais motivados, 82% mais satisfeitos com otrabalho e 108% mais engajados”. Por isso, vale o investimento para se adaptaràs mudanças na legislaçãobrasileira. “Deixar de implementar medidas de saúdemental ou não atualizar ostreinamentos conforme anova diretriz pode resultarem multas, processos judiciais indenizatórios e desgaste interno. Entender essas mudanças como parteda sua estratégia de gestão, enão como mero cumprimento burocrático, colocará as empresas um passo à frente, legal e institucionalmente”, resume Flavia deCastro.
Trabalhadoras são mais afetadas pela maior crise de saúde mental do país em uma década
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