A partir desse ano talvez o mês de Agosto seja lembrado não apenas como o mês do suicídio de Getúlio Vargas, mas também como o mês em que o finado Twitter foi banido do Brasil por uma decisão do Supremo Tribunal Federal.
Guardadas as devidas proporções tragiográficas desses dois acontecimentos, a minha sensação, após 15 anos de convivência diária, ao deixar de usar a rede social comprada pelo bilionário Elon Musk em 2022, foi como a de se libertar de um relacionamento abusivo. Você sabe que te faz mal, que aquilo ali é um lixo, mas não consegue abandonar o vício.
Para muitos, após a compra do finado Twitter por Musk, aquela rede havia se transformado em uma espécie de crack digital. Uma droga poderosa que, a despeito de ser um subproduto de lixo tóxico, vicia com uma potência desconcertante.
Minha relação com o Twitter era a mais duradora entre todas as que tenho com redes sociais. Entrei no território do passarinho azul em 2009, após ler um texto (ou comentário… não lembro bem) do escritor e jornalista Mário Ivo Cavalcanti, sobre a nova rede de textos curtos que exigia que as mensagens fossem expressas em 140 caracteres.
Como sempre fui interessado por aforismas filosóficos, uma tradição que perpassa aqui e acolá o mundo da filosofia desde o tempo do Imperador Marco Aurélio até o de Ludwig Wittgenstein (autor que estudei no mestrado), resolvi entrar na tal rede para sacar qual era a onda.
De lá para cá passei por todas as fases do twitter:do boom inicial, passando pelo esvaziamento que se seguiu durante a “faceboquemania” que tomou conta do Brasil em 2013, até o seu renascimento, na segunda metade da década passada. Nos últimos anos o Twitter, transformado pelo bilionário sul africano que o comprou em um desolado “X”; se tornou uma terra digital inóspita, em que perfis de extrema direita vendiam ideias neofascistas sem nenhuma moderação e onde ódio e violência verbal gratuita proliferavam junto com Boots digitais carregados de propaganda de instituições financeiras e casas de apostas (especialmente a porra do “jogo do tigrinho” que não deixava em paz nenhum usuário da rede).
Musk transformou o twitter em um “feudo digital” no qual o controle dos algoritmos por parte de seu proprietário impulsionava os conteúdos políticos que interessavam ao “dono do cabaré”.
Enganando os incautos com o discurso liberal de “liberdade de expressão”, Musk usa, na cara dura, a rede social para reverberar seus interesses privados, entupindo com uma sucata de informação de baixa qualidade o suposto “espaço público virtual” dando a tal “ágora digital” a função política que o rádio e o cinema tinham no tempo de Hitler e Mussolini.
A atuação dele interferindo politicamente em questões internas das nações, não passou batido apenas no Brasil. Ao impulsionar postagens de influencers de extrema direita britânicos, Musk atou diretamente no estímulo aos distúrbios raciais que tomaram conta da Inglaterra esse mês de Agosto, após um ataque à uma escola de dança no País de Gales.
Por outro lado, o bilionário sul africano, herdeiro de negócios ligados a mineração na época do Apartheid, mantem-se extremamente dócil com os regimes políticos de países com os quais tem relações econômicas lucrativas, como a Árabia Saudita, a China e a Turquia.
A influência de herdeiros bilionários na política dos países não é nenhuma novidade. Desde que o modelo capitalista se consolidou, com a solidificação da chamada democracia liberal (ou democracia burguesa, como diriam os nossos amigos marxistas) é lugar comum ter grandes proprietários capitalistas influenciando a política.
A questão é que o usual é que eles “contratem” informalmente lideranças políticas para cuidar de seus interesses através do financiamento de suas campanhas ou mesmo do puro e simples lobby (que nas democracias mais “maduras” é um eufemismo para um suborno institucional de lideranças políticas).
A novidade na atuação de Musk, com sua rede social particular, é o fato de que agora o bilionário não parece se contentar em atuar nas sombras, através de seus representantes contratados, mas sim se esforça em projetar a si próprio como um agente político transnacional.
Essa hybris (desmedida trágica dos heróis da mitologia grega) parece ser impulsionada pelo poder que as big techs adquiriam ao colonizar o espaço digital. A Internet, que surgiu como uma utopia anarco-capitalista de hippsters nerds (uma contradição em termos como o próprio “anarco-capitalismo”) descambou para uma distopia totalitária em que os senhores feudais do espaço digital controlam não apenas a informação que circula, mas também o próprio mercado por onde as pessoas veiculam e vendem suas mercadorias e seus serviços.
Pense, por exemplo no Instagram… essa rede social hoje controla praticamente todo “mercado” do mundo analógico. Se você é um pequeno empresário dificilmente viabilizará seu negócio sem antes pagar um impulsionamento na rede que se transformou na própria “praça do mercado”. Por isso hoje tantos profissionais liberais, como médicos, advogados e arquitetos precisam antes de mais nada, se transmutar em “instagramaveis” para conseguir manter seus consultórios e seus serviços disponíveis para seus clientes. Esse monopólio total do espaço do mercado por parte do Instagram é o equivalente, no mundo do consumo, ao monopólio do “mercado das ideias”do Twitter.
Nesse sentido, a disputa entre o Estado brasileiro, na figura do judiciário e do ministro Alexandre de Morais com Elon Musk guarda dois aspectos: um primeiro é a expressão histórica de um conflito entre a própria Ideia de Estado Nacional contra a interferência transnacional de uma empresa privada de tecnologia que age de modo autônomo, como um velho império colonial. Em um segundo se mostra como parte da estratégia de ação da rede de extrema direita global da qual Musk faz parte.
Essa estratégia, extraída de algum manual de ação neo fascista, já foi usada com sucesso na Hungria, Polônia e Turquia. Aqui no Brasil o capitão Bolsonaro apostou nela e se deu mal, assim como Netanyahu em Israel, que antes do atentado do dia 07/10, bancava um confronto direto com o judiciário de seu pais no sentido de impor a agenda autoritária do sionismo radical de extrema direita que lhe dava suporte no parlamento.
Partir pra cima do judiciário é uma das estratégias recorrentes em todos os governos que tentam provocar uma mudança no regime político no sentido de construir aquilo que eles denominam “democracias iliberais”. Não podemos nos enganar sobre essa intenção política do dono do “X”, carinhosamente apelidado no Brasil de “Quico dos foguetes”.
Se o tal “X” vai ou não voltar ao Brasil eu não sei, mas o choque de Musk com outros “mercados digitais”, como a Grã Bretanha ou a União Europeia, que começam a fechar o cerco jurídico para controlar a atuação de agentes políticos transnacionais por meio de redes socais, pode tanto dar um freio no ativismo militante do seu proprietário quanto ajudar a implodir o que sobrou do espólio do finado Twitter.
E isso não tem nada a ver com essa luta abstrata pela tal “liberdade de expressão”, um recurso retórico dos liberais que costuma a ser usado sem moderação pela boca de muito fascista solto ai pela selva digital.
PS. : como muitos dos refugiados digitais brasileiros abandonei o feudo de Musk e aportei no Blue Sky e já estou aclimatado. Lembra muito o Twitter “das antigas”. Quem estiver por lá e quiser contato pode me ativar no @pablocapistrano.bsky.social
The post Adeus, Twitter! Descanse em paz appeared first on Saiba Mais.