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‘Sweet Edy’
| Foto: Divulgação
Enturmado com Raul Seixas (que o chamava de Bofélia) e o povo do rock ‘n’ roll da época, aceitou o convite de Raulzito e se mandou para o Rio de Janeiro, onde participou do álbum Sessão das Dez, gravado durante as férias do diretor da gravadora. Vanguardista e anárquico, o LP foi polêmico. Consta que a matriz norte-americana da gravadora, quando tomou conhecimento da obra, enviou um famoso e monossilábico telegrama para a filial brasileira: “What‘s this?“ (O que é isto?).No álbum, Edy canta duas músicas: a faixa-título Sessão das Dez (de Raul Seixas, possivelmente seu maior sucesso, com os imortais versos “Ao chegar do interior / inocente, puro e besta) e Eu não Quero Dizer Nada (de Sérgio Sampaio).Caótico – ainda que genial – o LP foi recolhido das lojas. Em plena ditadura militar, o veto veio de onde menos se esperava. ”O disco saiu, as músicas foram liberadas pela Censura Federal e gravadas. A censura veio da própria gravadora”, lembrou Edy em 2010.O episódio fez barulho e Edy ganhou musculatura para começar a fazer shows solo no estilo que mais amava: cabaré, com música, humor e muita performance.Em 1974, contratado pela Som Livre, lançou sua estreia solo: Sweet Edy, em que canta composições criadas exclusivamente para ele, pela elite da MPB: Roberto e Erasmo Carlos (Claustrofobia), Gilberto Gil (Edyth Cooper), Caetano Veloso (O Conteúdo), Jorge Mautner (Olhos De Raposa), Moraes Moreira e Galvão (O Que Der na Telha) e outros.Em 1975, em entrevista à revista Fatos & Fotos, assumiu-se homossexual. Não deu outra: foi perseguido pela ditadura. “Eu fazia um show em 1976 ou 1975, com Carlos Machado (antigo Rei da Noite carioca), ele tinha o Night and Day (casa noturna) e me contratou para fazer um espetáculo. Na porta, tinha uma placa de três metros de altura: ‘Edy Star Especial‘. Ali em frente, tinha um café. Acabou o espetáculo, eu tô lá com o pessoal, tomando café e tal, chega a polícia. ‘Documentos‘. Eu, de botinha caramelo e bolsa Sansonite, digo: ‘Está logo ali, no carro. Ali, bem ali‘. Não quiseram nem saber, me botaram no camburão. Então, eu estava sentado ali, preso, e vendo o cartaz com meu nome bem em frente. Comecei a chorar porque compreendi que eu não era absolutamente nada naquele momento. Nada“, lembrou Edy à revista Muito.Após muitas idas e vindas, Edy foi embora do Brasil em 1992, indo morar na Espanha, aproveitando convite do Festival Teatro en Primavera, de Madri.Apresentou sua montagem de O Belo Indiferente, de Jean Cocteau, e por lá ficou, atuando e trabalhando em casas noturnas como apresentador.O devido reconhecimento
| Foto: Divulgação
Voltou em 2010, quando concedeu a já citada entrevista ao jornal A TARDE – possivelmente a primeira à imprensa brasileira após seu retorno. A volta ao Brasil foi aproveitando outro convite – desta vez, de Sylvio Passos, o célebre presidente do maior fã-clube de Raul Seixas, o Raul Rock Club. Curador do Palco Toca Raul na Virada Cultural de São Paulo, Sylvio chamou Edy para cantar o Sessão das Dez na íntegra.Desde então, recebeu homenagens e foi reconhecido. Em 2017, finamente gravou seu segundo álbum solo, 43 anos depois de Sweet Edy: Cabaré Star (Saravá Discos), produzido por Zeca Baleiro e Sergio Fouad, com participações de Caetano Veloso (em duas faixas), Ney Matogrosso, Angela Maria, o próprio Zeca Baleiro e Filipe Catto.Sweet Edy foi relançado em CD e LP de 180 gramas – ambos hoje vendidos por pequenas fortunas por aí.Em 2022, a editora Noir, do jornalista baiano Gonçalo Junior, lançou o livro Diário de um Invertido: Escritos Líricos, Aflitos e Despudorados (Salvador, 1956 –1963), reunindo seus textos.Em 2023, Edy lançou seu último álbum, Meu Amigo Sérgio Sampaio, com releituras do colega de Sessão das Dez e participações de Maria Alcina, Renato Piau e Zeca Baleiro.Em 2024, chegou aos cinemas o documentário Antes que me esqueçam, meu nome é Edy Star, dirigido pelo soteropolitano Fernando Moraes.Em janeiro último, saiu outro livro: Eu só fiz viver: a história oral desavergonhada de Edy Star, escrito por Daniel Lopes Saraiva, Igor Lemos Moreira e Ricardo Santhiago.Há cerca de um mês, Edy esteve em Salvador, para participar do Festival Mínimos Óbvios, evento anual de celebração da presença LGBTQIA+ no teatro. “Eu me sinto agradecido e surpreso. Nunca pretendi fazer nada desse tipo, ter um livro ou documentário. Nada disso. Que é que eu posso fazer? Não estou fazendo nada, eles estão fazendo”, declarou, em nova entrevista à Muito, publicada em 23 de março.“Eles dizem que eu sou maravilhoso. Maravilhoso, porra nenhuma. Consegui chegar a essa idade e acabou”, arrematou o artista.Descanse em paz, Bofélia.