Juiz de Fora registra seis sequestros e cárceres privados no ano passado

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Após alcançar a menor taxa de sequestro e cárcere privado dos últimos onze anos, com apenas dois casos registrados em 2023, Juiz de Fora voltou a contabilizar aumento nesses crimes, retornando à média de seis ocorrências anuais em 2024. A informação é resultado de levantamento da Tribuna com base em dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). A maioria das vítimas são mulheres e pessoas negras.

A tendência da cidade (seis desses crimes por ano) foi definida com base nas taxas mais recorrentes dessas ocorrências entre 2019 e 2024. Uma métrica que, segundo o vice-diretor do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Juiz de Fora, Wagner Batella, fica abaixo de outras cidades do mesmo porte. “Trata-se de um valor que corresponderia a uma taxa que fica abaixo das verificadas em Minas Gerais e do Brasil. No estado, esses crimes violentos são mais recorrentes na Região Metropolitana e no Triângulo Mineiro”, explica. 

De acordo com o delegado Márcio Rocha, o retorno à tendência de registros pode estar relacionado a uma maior conscientização das vítimas e à ampliação da notificação desses crimes. “Além disso, mudanças no perfil das ocorrências, como crimes patrimoniais que envolvem privação de liberdade momentânea, podem ter influenciado os números. Ainda assim, a Polícia Civil investiga cada caso com a devida atenção, buscando sempre a redução desses índices”, garantiu. 

Contudo, segundo o levantamento feito pela Tribuna a partir dos dados públicos da Sejusp, as ocorrências de sequestro e cárcere privado – tipificadas em uma única categoria, uma vez que estão previstas no mesmo artigo do Código Penal -, não revelam todos os casos em que houve privação de liberdade da vítima. Assim a tipificação dos crimes pode afetar a percepção estatística, fator que pode ser exemplificado a partir de um caso que ocorreu em Juiz de Fora. 

 

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Quantidade de registros de ocorrências envolvendo sequestro e cárcere em Juiz de Fora nos últimos seis anos

Vítimas de sequestro e cárcere privado em Juiz de Fora

Quanto aos casos registrados de sequestro e cárcere privado em Juiz de Fora, a reportagem conseguiu, com exclusividade, um levantamento sobre o perfil das vítimas, a partir de dados da Sejusp. Trata-se de mulheres, pretas, entre 18 a 24 e de 35 a 64 anos. Na visão do delegado Rocha, se há uma incidência maior entre mulheres negras, isso pode estar associado a fatores socioeconômicos e ao contexto de vulnerabilidade. “É algo que merece atenção não somente da segurança pública, mas de outras instâncias da sociedade”, avalia, à medida em que ressalta também que, nos últimos três casos que investigou, as vítimas eram brancas.

A Diretoria de Estatística e Análise de Informações de Segurança Pública, que forneceu os dados, acrescenta que dos seis crimes desta natureza registrados na cidade, dois casos foram contra homens. Ainda sobre o perfil não predominante, há um caso contra uma pessoa de 65 anos ou mais e outro contra alguém entre 25 e 29 anos. Uma pessoa que foi vitimada é parda, e outros dois registros de vítima tiveram a cor ignorada. 

Outra perspectiva sobre quem são essas vítimas é apresentada pela advogada Leidiane Salvador. Ela explica que, nos casos em que a privação de liberdade não vem acompanhada de extorsão financeira – e, portanto, sem qualquer vantagem aos criminosos -, as mulheres que sofrem violência doméstica costumam ser as vítimas, pois o único objetivo é a restrição delas. “É muito comum, por exemplo, mulheres que passam por situações de violência doméstica, ao buscarem ajuda, relatar que, em algum momento, estiveram com privação de liberdade”, esclarece.

Ela também acrescenta que, por vezes, nesse cenário, o processo pode ser difícil de identificar quando está em curso – com a ressalva, é claro, de que cada caso possui suas especificidades. “Nessas situações, a mulher pode achar ou ser convencida pelo agressor que o fato de ela ser mantida dentro do lar e afastada de outras pessoas e do convívio social é uma forma de proteção. E tende a demorar para que essa vítima tenha real consciência do que, de fato, está ocorrendo”, destrincha Leidiane. Os casos de violência psicológica, por exemplo, costumam ser mascarados por excesso de zelo, cuidado, ciúme e controle. Abusos que podem ser sutis e dificultar o processo de entendê-los como violência. 

Privação de liberdade como modus operandi

As motivações de crimes com privação de liberdade podem ser múltiplas, no entanto, é o que volta a explicar o delegado da Polícia Civil. “Podem ter diversas motivações, não se limitando a extorsão ou violência doméstica. Há casos relacionados a disputas interpessoais, vinganças e até mesmo práticas criminosas associadas ao tráfico de droga”, comenta o policial.

Segundo uma advogada criminalista com quem a Tribuna conversou, mas que prefere não ser identificada, o cárcere pode também ser somente um meio para que o carro roubado de vítimas chegue até o destino, sendo assim, o maior alvo e também a finalidade são os automóveis. 

Casos semelhantes têm sido vistos pela Polícia Civil (PC) em Juiz de Fora, em que a privação de liberdade ocorre para a obtenção de senhas bancárias, transferências via PIX ou outros meios de pagamento eletrônico. Nestes casos, segundo nota da PC, a conduta é tipificada como roubo majorado pela privação de liberdade da vítima e não como sequestro.

Crimes com privação de liberdade podem ter números maiores

Era mais uma noite de uma segunda-feira de dezembro, quando um casal de idosos, 70 anos, estava sentado no sofá da sala de casa e a filha, 43, dormia no quarto no andar de cima. Até a porta da residência, localizada na Avenida Deusdedit Salgado, na Zona Sul de Juiz de Fora, se abrir e dois homens encapuzados entrarem, mandando todos ficarem quietos.

Ainda era 19h20 daquela noite do dia 16 – que pareceria mais longa. O idoso foi agredido e questionado se tinha mais alguém na casa. Enquanto um homem vigiava o casal, outro realizava a checagem dos cômodos. Acordada com tapas, a mulher, que até então dormia, se deparou com o segundo suspeito. Mãe e filha foram deixadas na sala, vigiadas, enquanto o pai era obrigado a acompanhar o suspeito à procura de itens de valor pela casa. O boletim de ocorrência, registrado no dia seguinte, continua contando a partir da perspectiva das vítimas o decorrer daqueles momentos, que se arrastavam por toda a madrugada. 

A família teria sido ordenada a entrar em um carro e, com os rostos cobertos, seguiu o percurso, sendo ameaçados de morte. No caminho, o veículo se envolveu em um acidente, momento em que chegou a parar. Os condutores de ambos os carros trocaram xingamentos, mas deram partida e seguiram em frente. Mais tarde, no dia seguinte, o carro seria levado para uma oficina mecânica, o que foi descoberto pela polícia. Com as mãos amarradas, eles foram retirados do carro e obrigados a caminhar em uma mata. As exigências aos dados bancários do idoso foram seguidas da tentativa de acesso à conta. Enquanto isso, a filha dele foi levada para outro local, onde foi vítima de estupro sob ameaça de que seus pais seriam mortos. 

Já amanhecia quando eles tiveram que continuar andando e passaram por um grupo de trabalhadores – que também teria sido ameaçado. Depois das tantas horas que se seguiram, eles foram liberados no Bairro Graminha, também na Zona Sul da cidade, na manhã do dia 17 de dezembro de 2024. Além dos pertences roubados durante as horas que foram mantidos reféns, a família também teve um carro de luxo levado. Posteriormente, a polícia descobriria que o veículo foi levado para Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Embora os suspeitos tenham levado as câmeras de segurança da casa, uma residência vizinha filmou a ação, e a partir daí foi descoberto que ao menos quatro pessoas estariam envolvidas. 

A Polícia Militar registrou o caso como ocorrência de roubo e estupro, que entrou como classificação secundária. No entanto, não houve qualificação em relação ao cárcere privado que as vítimas sofreram enquanto permaneceram reféns dos suspeitos por horas. Como consequência, o episódio não foi incluído nas estatísticas da pasta de segurança do estado. Mas a tipificação poderá sofrer alteração a partir da conclusão do inquérito pela Polícia Civil.

Investigações sobre o crime com privação de liberdade em Juiz de Fora 

À Tribuna, o delegado Márcio Rocha, responsável por conduzir as investigações, reiterou que o caso segue sendo investigado e que a tipificação de extorsão mediante sequestro, conforme prevista do Código Penal, é uma das hipóteses que vem sendo trabalhada pelos investigadores. Contudo, ele ressalta que a qualificação jurídica definitiva vai depender das provas arroladas ao longo do inquérito. 

Apesar de as diligências estarem em sigilo, pelo Boletim de Ocorrência era possível especular, em alguns trechos, um possível conhecimento dos suspeitos sobre quem seria o alvo da ação criminosa. A Polícia Civil confirmou a existência de indícios de que os autores teriam conhecimento prévio sobre a vítima, “o que pode sugerir planejamento”, confirmou o delegado à Tribuna. Por fim, ainda sobre o caso, foi informado pelo órgão que todas as motivações estão sendo apuradas com rigor técnico e isenção, e que nenhuma linha investigativa foi descartada. “A Polícia Civil está empenhada em identificar e responsabilizar todos os envolvidos”, finalizou a nota.

A Lei de Crimes Hediondos já abarca roubo com restrição de liberdade da vítima, emprego de arma de fogo e lesão corporal grave no rol de crimes hediondos, assim como extorsão mediante sequestro. Contudo, nesse último caso, a penalidade tende a ser mais rigorosa. Nenhum caso de extorsão mediante sequestro foi registrado em Juiz de Fora em 2024, conforme apurado pela reportagem a partir dos dados abertos da Sejusp. Em 2023 e 2022 houve um registro em cada. 

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