IndíciosO DIÁRIO teve acesso a documentos do processo 0815821-68.2024.8.14.0401, ajuizado pelo MPPA, no início do mês passado, na Vara de Combate ao Crime Organizado de Belém, para apurar o caso. Na capa do processo, no site do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), todos figuram como “acusados”, e não apenas como investigados. Segundo a documentação, o MPPA encontrou indícios de fraudes em 6 licitações milionárias das secretarias de Saúde (Sesau) e de Saneamento (Sesan), realizadas pela então CPL, hoje Secretaria Municipal de Licitação. As fraudes teriam beneficiado a Edifikka e a DSL. Em metade das licitações supostamente fraudadas, o ex-sócio e o enteado do então presidente da CPL, Manoel Palheta Fernandes, teriam figurado até como representantes legais das duas construtoras. O MPPA também descobriu que o secretário municipal de Saneamento, Paulo Roberto Cavalleiro de Macedo, agora afastado do cargo, residia no mesmo condomínio de luxo do empresário Danillo da Silva Linhares, na época em que a Edifikka foi contratada pela Sesan.Licitações são disputas de empresas, em igualdade de condições, para a execução de obras e serviços públicos. O objetivo do Poder Público é baratear os preços e conseguir a melhor qualidade possível, para essas obras e serviços. Mas, segundo o MPPA, há indícios de fraudes por uma “organização criminosa”, nas 6 licitações que teriam resultado no desvio de R$ 109 milhões, na Prefitura de Ananindeua.Os investigados, diz o MPPA, “estruturaram e ordenaram” a atuação de duas empresas, a Edifikka e a DSL, “dividindo tarefas com o objetivo de obter diretamente vantagem financeira na casa de milhões de reais”. Para tanto, frustravam justamente o caráter competitivo das licitações, crime previsto no artigo 337-F do Código Penal (CP), com pena de até 8 anos de cadeia. Isso teria sido feito através de exigências ilegais de uma série de documentos, o que prejudicava as demais concorrentes, enquanto beneficiava as duas empresas. É o chamado “direcionamento” da vitória de uma licitação.Entre 2022 e 2023, a Edifikka venceu quatro Concorrências Públicas da Prefeitura de Ananindeua, que somaram R$ 88,3 milhões. Todas para obras e serviços da Sesan. O que, segundo o MPPA, “aponta para a probabilidade de que esses certames tenham sido montados ou preparados” para favorecê-la. Em todos os editais licitatórios (o documento que rege uma licitação), foram identificados “itens restritivos” à competição, diz o MPPA. Ao mesmo tempo, não foram encontrados documentos comprovando as qualificações técnico-operacionais e técnico-profissionais da Edifikka, para a execução dos contratos que obteve. A maior das licitações que ela venceu foi a Concorrência Pública 3/2023-016-PMA/SESAN, para drenagem e pavimentação asfáltica. O contrato decorrente, assinado em 28 de agosto do ano passado e com vigência até o próximo dia 22, foi suspenso, na última sexta-feira, por ordem judicial. O valor inicial dele era de R$ 66,3 milhões, mas acabou atingindo mais de R$ 79 milhões, devido a um aditivo de preço. Apesar do alto valor em disputa, apenas 3 empresas se cadastraram para a licitação e só a Edifikka compareceu.
Ministério Público do Estado aponta irregularidade em resultados de licitaçõesO MPPA também detectou uma irregularidade surpreendente, em licitações vencidas pela Edifikka e pela DSL, a outra construtora suspeita de integrar a suposta quadrilha. Na Tomada de Preços 2/2022-049, da Sesan, para a reforma do Mercado do 40 Horas, o representante da Edifikka foi o empresário Antônio Gilberto Alves de Lima Júnior. Que, segundo as investigações, foi sócio da empresa J. Rocha Indústria e Comércio de Alimentos Ltda, da qual também foi sócio o então presidente da CPL, Manoel Palheta Fernandes.Idem para a Concorrência Pública 3/2022-030, também da Sesan, para drenagem, terraplenagem e recapeamento asfáltico, em vários bairros de Ananindeua, cujo valor contratual alcançou R$ 21 milhões, por força de um aditivo. Quem venceu foi a DSL, e o representante dela, na licitação, também foi Antônio Gilberto Alves de Lima Júnior.Irregularidade até mais grave ocorreu na Concorrência Pública SRP 3/2021-022, no valor de R$ 5,8 milhões, para a manutenção predial de todas as unidades da Secretaria de Saúde (Sesau): quem assinou o contrato, como representante da DSL, foi Fernando Frota de Lima Neto, enteado do então presidente da CPL, Manoel Palheta Fernandes, diz o MPPA.O MPPA também encontrou aumentos dos capitais sociais da Edifikka e da DSL, dias antes da divulgação de editais licitatórios. O que seria “indício de operação contábil para atender os critérios de qualificação econômico-financeira” desses editais. Ambas, também, estariam usufruindo de vantagens indevidas, inclusive em licitações, por permanecerem cadastradas como EPPs (Empresas de Pequeno Porte), embora as suas receitas operacionais superem, em muito, os R$ 4,8 milhões anuais, que é o limite para o enquadramento como EPP. O MPPA aponta, ainda, indícios de omissão de faturamento pela Edifikka, devido ao aumento irrisório de seus ativos, entre 2021 e 2022, apesar dos contratos milionários que assinou com a Prefeitura de Ananindeua. O pedido de busca e apreensão que atingiu também as duas empresas, na última sexta-feira, está assinado por quatro promotores do Gaeco: Muller Marques Siqueira, Bruno Saravalli Rodrigues, Carlos Alberto Fonseca Lopes e Thiado Ribeiro Sanandres.PARA ENTENDERSituação das empresas EdifikkaA Edifikka foi aberta por Danillo da Silva Linhares, em fevereiro de 2021, com um capital de apenas R$ 100 mil. Um ano depois, em março de 2022, o capital aumentou para R$ 500 mil. E, em maio de 2023, para R$ 1,2 milhão. A integralização de capital foi realizada com o registro de uma retroescavadeira e de 2 veículos, entre eles uma BMW.No endereço atual dela, na avenida Três Corações, no bairro da Cidade Nova, o MPPA encontrou apenas uma funcionária, que disse estar encarregada somente de receber as correspondências da empresa, e de atender o público em relação ao residencial Sky Park. Em nenhum momento, diz o MPPA, ela mencionou o empresário Danillo Linhares como o responsável pelo escritório.Já o endereço anterior da Edifikka, na Rua da Pedreirinha, no bairro da Guanabara, está cadastrado como sede, também, da DSL Construtora e da Gênesis Empreendimentos Ltda, ambas também pertencentes ao empresário. Mas, no local, o MPPA encontrou apenas um condomínio ainda em construção, o Sky Park, e uma corretora de imóveis disse que as três empresas não dispõem de sede fixa.Quanto ao primeiro endereço da empresa, não foi encontrado o número 111 da Travessa SN-15, na Cidade Nova 3, e a vizinhança disse que nunca existiu uma construtora por lá. A numeração mais próxima localizada foi do estacionamento do Hospital Modelo.O MPPA descobriu outros indicativos preocupantes da capacidade operacional da Edifikka, para os contratos com a Prefeitura de Ananindeua. A empresa possui apenas dois veículos cadastrados: um caminhão VW/13.180, ano 2002, e uma Land Rover, ano 2022/2023, veículo que nem é usado em obras de construção. Além disso, desde setembro de 2021, possui apenas 19 funcionários registrados. DSLJá a DSL, a outra empresa suspeita de integrar o esquema de fraudes, foi aberta pelo empresário em setembro de 2012, com o nome de Build Engenharia. O capital social era de apenas R$ 100 mil. Dez anos depois, em março de 2022, o capital aumentou para R$ 1 milhão, totalmente integralizado.O primeiro endereço registrado por ela foi no residencial de luxo, em Ananindeua, onde o empresário Danillo Linhares mora até hoje. Em 2018, teria se mudado para a avenida Doutor Freitas, nº 55, casa D, no bairro da Sacramenta, em Belém. Mas o Instituto Ambiente, que funciona naquele endereço desde 2012, disse ao MPPA que ali nunca houve nenhuma outra entidade além dele.Já em 2020, a DSL passou a registrar como endereço a rua da Pedreirinha, 126, no bairro Guanabara, onde o MPPA só encontrou um terreno com um condomínio em construção. Lá, segundo o MPPA, a empresa também já não possui cadastro de energia elétrica.O cadastro de energia que possuiu foi de agosto de 2022 a janeiro de 2023, mas com “média de consumo muito baixa, para os padrões de uma organização com complexo segmento de atuação”, diz o processo que os promotores ajuizaram. Além disso, ela possui apenas um veículo registrado: uma caminhonete RAM RAMPAGE R/T, ano 2023/2024.