Dia do Livro: maior autor de todos os tempos nasceu em solo baiano

Indagado por ninguém menos que Clarice Lispector há exatos 50 anos atrás, Jorge Amado respondeu, modesto, sobre qual crítica faria aos seus próprios livros. “São rudes, sem finuras nem filigranas de beleza. São pobres de linguagem e muitíssima coisa mais. São livros simples de um contador de história da Bahia”, disse o autor.Filho de Oxóssi e do sul do estado, mais precisamente da fazenda Auricídia, no distrito de Ferradas, município de Itabuna, o baiano foi um dos responsáveis pela propagação da cultura brasileira ao redor do mundo. Não à toa o sucesso com as adaptações para o cinema, teatro e televisão, sendo o escritor de literatura brasileira com mais traduções: são 53 países e 49 idiomas, entre eles, o raro esperanto.

Livro no idioma esperanto

|  Foto: José Simões / Ag. A TARDE

Engana-se quem acredita que ‘Capitães da Areia’ (1937) foi a primeira publicação do universo amadiano. Lá em 1929, aos 16 anos, ele já mostrava interesse pela escrita, tendo publicado a novela ‘Lenita’ com os amigos Edison Carneiro e Dias da Costa. Entretanto, não considerava o livro como a primeira obra oficial, tecendo críticas de ‘imaturidade’ ao texto. O título de livro inaugural da carreira é dado, então, ao exemplar ‘O País do Carnaval’, publicado em 1931.

Primeiro exemplar de ‘Lenita’ | Foto: José Simões / Ag. A TARDE

Primeiro exemplar de ‘País do Carnaval’ | Foto: José Simões / Ag. A TARDE

Fama vs Processo CriativoCaso fosse um ditado popular, “O mar não se limita a um rio” seria a sublime definição para o autor, que não se restringia a uma única perspectiva ou experiência. Em vida, atuou como militante, membro ativo do Partido Comunista Brasileiro (PCB), deputado federal mais votado do Estado de São Paulo (1945), Obá de Xangô no Ilê Axé Opô Afonjá, ocupante da cadeira de número 23 na Academia Brasileira de Letras (1961), além de colecionar prêmios na Itália, União Soviética, França, entre outros países.

Jorge Amado e Zélia Gattai

|  Foto: Arquivo A TARDE

O reconhecimento internacional era razão pela qual o escritor preferia se isolar no processo de criação das obras, buscando refúgio em sítios de amigos, em sua casa no bairro de Itapuã, ou no apartamento que tinha em Paris – este já no final da vida.

Jorge Amado tinha uma vida muito rica de experiências, ele tinha amigos, ele se envolvia com várias questões da cidade, do país, desde sempre. O perfil dele era de uma pessoa muito ligada ao outro, até a obra dele reflete isso

Joselia Aguiar – autora de ‘Jorge Amado – Uma Biografia’

Diego Rivera, Amado e Neruda em 1954 | Foto: Arquivo Pessoal

Amado, Caymmi e Carybé | Foto: Arquivo Pessoal

Jorge Amado e Jean-Paul Sartre | Foto: Arquivo Pessoal

O fato é: na lista do que fazer em Salvador, a visita a Jorge Amado aparecia no topo e como prioridade; todos queriam prosear com o itabunense.

Residência onde morou Jorge Amado e Zélia Gattai, Casa do Rio Vermelho é aberta a visitação

|  Foto: Olga Leiria / Ag. A Tarde

Luta e liberdadeQuestionado sobre o filho preferido dentre os escritos, Jorge Amado surpreendeu ao responder que não seria uma das mulheres protagonistas das tramas, como Tieta, Gabriela, Dona Flor ou Tereza Batista. O defensor dos pobres e marginalizados, Pedro Archanjo, foi escolhido em entrevista à TV Cultura, em 1984.

Luta a vida toda contra o preconceito. Que nascido do povo, se transforma num grande sábio. Que sabe as coisas. Aprendidas por um lado na vida, por outro lado nos livros. Pedro Archanjo é um personagem que estimo muito. Ele é a mistura de muita gente

Jorge Amado

Em ‘Milagres do Povo’, canção feita por Caetano Veloso em homenagem a Jorge Amado, o cantor eterniza as aspas cedidas pelo escritor ao jornal O Pasquim, em 1970, quando diz: “Mas que já vi o candomblé fazer milagres, já vi, e são milagres do povo”.

Quem é ateu e viu milagres como eu / Sabe que os deuses sem Deus / Não cessam de brotar, nem cansam de esperar – ‘Milagres do Povo’, Caetano Veloso

Jorge Amado e Caetano Veloso

|  Foto: Xando Pereira

A obra representa a luta incessante de Amado contra as desigualdades sociais, em especial ao racismo religioso. Quando deputado federal pelo PCB, foi o autor do §7° do art. 141, presente na Constituição de 1946, que declarava e reconhecia a liberdade de crença.

§ 7º – É inviolável a liberdade de consciência e de crença e assegurado o livre exercício dos cultos religiosos, salvo o dos que contrariem a ordem pública ou os bons costumes. As associações religiosas adquirirão personalidade jurídica na forma da lei civil

Constituição de 1946

Os fatos levam a refletir sobre a escolha de Pedro Archanjo como filho favorito. Seria o personagem, voz dos menos favorecidos, um alter ego do autor?“Pode-se dizer que Pedro Archanjo é, sim, o alter ego de Jorge Amado. Ele é a união do autor com respeitadíssimo Miguel Santana, Edson Carneiro e Martiniano do Bonfim, que era um outro intelectual negro, pintor de paredes e que era babalaô, o “pai do segredo”, do Ilê Axé Opô Afonjá”, explica Gildeci Leite, escritor e professor de literatura da UNEB.Lado infantil do universo amadianoCom a vida pessoal sendo um livro aberto, Jorge Amado foi pai de três filhos: Eulália, carinhosamente apelidada de Lila (1935-1949), João Jorge e Paloma; os dois últimos, fruto do grande amor com a escritora e fotógrafa Zélia Gattai, com quem casou-se em 1976 e viveu até os seus últimos dias, em 2001.

Jorge Amado com os filhos João Jorge e Paloma

|  Foto: Zélia Amado | Cedoc A TARDE

Um dos grandes sucessos amadianos é a historieta infanto juvenil ‘O gato Malhado e a andorinha Sinhá’ (1976). O livro foi um presente de aniversário para João Jorge quando este completou um ano, em 1948. Sem intenção de publicá-lo, ficou perdido até 1976, quando o jovem, vasculhando seus guardados antigos, reencontrou o texto e o transformou em obra com ilustrações inéditas do grande amigo e mundialmente reconhecido artista plástico Carybé.A obra se tornou um dos best-sellers da carreira do autor, que também lançou outra literatura infantil poucos anos depois, chamada ‘A bola e o goleiro’ (1984).

‘A bola e o goleiro’ e ‘O gato Malhado e a andorinha Sinhá’ | Foto: José Simões / Ag. A TARDE

Primeira e última edição de ‘O gato Malhado e a andorinha Sinhá’ | Foto: José Simões / Ag. A TARDE

Ilustrações de ‘O gato Malhado e a andorinha Sinhá’ | Foto: José Simões / Ag. A TARDE

Sobre o estilo de escrita, por muito tempo criticado como ‘simples’ ou ‘bruto’, Jorge Amado respondeu a Lispector, em entrevista a Manchete (1975): 

“Eu escrevo como me agrada; não há escritor mais livre neste país. Não tenho compromissos senão comigo mesmo: nem com modas, nem com escolas, nem com circunstâncias, nem com academias, nem com editores, nada. Tenho um único compromisso: com o povo – e não é demagogia, sou anti demagogo. Com o povo, porque creio que meu dever de escritor é servi-lo. Quanto ao público, é ele que tem compromisso comigo e não eu com ele” – Jorge Amado

Amado nos deixou no dia 6 de agosto de 2001, quatro dias antes de completar 89 anos. O autor presenteou o mundo com um rico legado para a literatura e cultura brasileira e baiana, registrados em suas obras e disponível para imersão ao público nas atrações turísticas Fundação Casa de Jorge Amado, localizada no Pelourinho, e Casa do Rio Vermelho, antiga residência onde viveu em Salvador.É também em honra a ele que acontece o maior evento cultural literário da Bahia, a Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô). Inspirada na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o evento acontece desde 2017 e é realizado pela Fundação Casa de Jorge Amado. A edição 2025, que acontecerá de 6 a 10 de agosto, vai homenagear o romancista, dramaturgo e autor de telenovelas Dias Gomes (1922-1999), conforme informação antecipada ao Portal A TARDE.*Sob supervisão de Bianca Carneiro

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