A tarifa zero no transporte público tem crescido e já atinge 145 cidades no Brasil, mas ainda em nenhum município do Rio Grande do Norte, segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). No RN, a Prefeitura de Parnamirim chegou a encaminhar um projeto de lei, mas a proposta de gratuidade está parada na Câmara de Vereadores.
Segundo a NTU, mais de 5,4 milhões de pessoas vivem em cidades com transporte gratuito integral. O modelo está presente em 15 estados e o Distrito Federal e, em 63% dos casos, é praticado em cidades com a população menor do que 50 mil habitantes.
Professor de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e especialista em Trânsito, Rubens Ramos destaca que a tarifa zero começou a surgir nos anos 1970 na França e, no Brasil, começou em cidades menores. Um dos municípios que se destacam é Caucaia, no Ceará, com população de 355.679 pessoas segundo o último Censo do IBGE. Para o docente da UFRN, a tarifa zelo estimula a população a utilizar mais o transporte público e também aquece a economia.
“Diferente do resto do Brasil, em que a demanda de transporte público caiu após no pós pandemia, a demanda em Caucaia e em todas as cidades do Brasil que adotaram o transporte de tarifa zero voltou ao pré-pandemia. Então, mostra que o transporte de tarifa zero faz com que mais pessoas usem o transporte. Se pegar o custo do contrato de Caucaia e dividir por usuário, dá uma tarifa de R$ 1,60. Então, a tarifa zero, no final das contas, é o modo mais eficiente de fazer subsídio ao transporte público”, aponta Ramos.
Em outro aspecto, diz o professor, a tarifa zero faz com que as pessoas usem o transporte como precisam, não limitado pela renda. Além disso, outro ponto positivo é que retira o custo do vale-transporte das empresas.
“As empresas em Caucaia não pagam vale-transporte. Então, por exemplo, não é um requisito para empregar alguém onde a pessoa mora na cidade. Hoje, por exemplo, a pessoa pergunta onde é que mora, porque dependendo de onde mora, vai pagar duas conduções, então encarece”, explica.
“Com a tarifa zero, não há mais problema de onde a pessoa mora para ter um emprego. Então, a geografia completa da cidade é o mercado de trabalho da cidade, não mais restrito a decisões econômicas do tipo ‘não vou empregar alguém porque mora em um lugar que encarece o vale-transporte’”, comenta.
E, por outro lado, sem o desconto no salário para o vale-transporte, sobra mais dinheiro para o trabalhador, que vira consumo.
“Então, o interessante é que você vai à Caucaia, é um centro dinâmico, com comércio vibrante, porque houve um acréscimo de renda disponível das pessoas para comprar, para consumir. De certo modo, o tarifa zero, que é bancado pelo imposto que a Prefeitura arrecada, gera uma sobra de dinheiro nas mãos das pessoas de menor renda, que vira, por sua vez, consumo, e gira a economia. Então, você tem um processo de girar economia e aumentar o fluxo de dinheiro na cidade”, aponta Rubens Ramos.
Em Natal, tarifa zero custaria de 4% a 5% do orçamento do município
Na capital potiguar, Ramos já realizou uma análise preliminar que mostrou que com 4% a 5% do orçamento da Prefeitura daria para ter tarifa zero no transporte público da cidade, percentual considerado por ele como o padrão atual das cidades grandes da Europa. A Lei Orçamentária Anual (LOA) estimulou um orçamento de R$ 5,2 bilhões para 2025.
“Hoje, em Natal, a demanda é cerca de um terço do que foi há 10 anos, uma queda considerável de uso do transporte coletivo. Da pandemia para cá, caiu quase metade. Então, [com a tarifa zero], você teria uma recuperação integral de 2019, de como era pré-pandemia”, explica o docente.
Ramos diz que o modelo de gratuidade é benéfico a jovens, idosos, adultos, empregados, desempregados, estudantes, não estudantes, ou seja, a todos, e não gera um consumo excessivo. Para isso, ele usa como exemplo o Circular da UFRN, que é de graça.
“Tem horário que está vazio, que ninguém usa. Porque a pessoa usa o transporte para fazer alguma coisa. Então o Circular do campus, que é de graça, não vive cheio com os estudantes andando pra cima e para baixo porque é de graça. Isso não acontece. Ninguém se move no transporte por se mover, se move para fazer alguma coisa. Então, o transporte tarifa zero também permite uma outra dinâmica da cidade, onde os desejos de movimento das pessoas vão acontecer. Isso é finito, isso é calculado. Então, e no caso de Caucaia, voltou ao que era pré-pandemia. No final das contas, a um custo para o usuário de R$ 1,60. Aqui temos um custo para o usuário de R$ 4,90”, diz.
Parnamirim
Na terceira maior cidade do Rio Grande do Norte, com mais de 252 mil habitantes, um projeto de lei para instituir a tarifa zero chegou a ser apresentado pela Prefeitura — à época comandada pelo prefeito Taveira — à Câmara Municipal de Parnamirim no ano passado. Estudos e audiências públicas foram feitas, mas a proposta está parada na Câmara.
Jorge Bandeira, atual adjunto da Secretaria Municipal de Segurança, Defesa Social e Mobilidade Urbana de Parnamirim (Sesdem), chegou a participar dos debates enquanto membro do Conselho Municipal de Transporte. Bandeira diz que o processo de uberização e muitas tarifas sociais da gratuidade e meia passagem do estudante praticamente inviabilizaram o sistema tradicional de pagamento de tarifa pelo passageiro e vale-transporte. Para ele, a tarifa é zero é uma necessidade para o transporte coletivo urbano das cidades.
“A tarifa zero é uma forma de garantir o direito social ao transporte por parte do poder público e, infelizmente, em Parnamirim essa discussão começou equivocada, porque eles [antiga gestão] mandaram um projeto de lei para a Câmara completamente fora da realidade, inclusive com as fontes de custeio inexistentes, como a receita oriundas de doações de pessoas físicas ou jurídicas para custear o sistema de transporte. Era uma das fontes possíveis de receita. Onde vocês já viu um cidadão comum ou uma empresa financiar o sistema de transporte coletivo? Não tem. Crédito de venda de carbono? Não tem. Arrecadação de estacionamento zona azul [sistema rotativo pago]? Também não tem. Resumindo: mandaram o projeto de lei para a Câmara completamente inexequível, fora da realidade para implantar o sistema de transporte tarifa zero. E esse projeto está parado na Câmara. E, principalmente, porque o município de Parnamirim hoje não tem recurso para bancar o sistema de transporte tarifa zero. Não tem previsão orçamentária, não tem verba para implantar. Mas o tarifa zero é uma necessidade para o transporte”, diz ele.
De acordo com Bandeira, o sistema é inclusivo e ajuda a movimentar o comércio.
“Mas só que é um sistema que precisa de custeio, precisa de verba para ser financiado e, infelizmente, a discussão [em Parnamirim] começou equivocada. O processo de lei é equivocado, não contempla a necessidade realmente da população de Parnamirim e nem está dentro da realidade financeira do município, porque foi mal planejado”, continua.
Segundo o secretário adjunto, hoje em Parnamirim de 40% a 50% dos passageiros transportados são com gratuidade. Ele diz que a tarifa zero é uma necessidade não somente para o município, mas para a resolução do problema de transporte no Brasil. Bandeira diz que o tema será discutido com a gestão da Professora Nilda, atual prefeita. Contudo, não há prazo.
“A gente, com certeza absoluta, vai ter essa discussão ao longo do mandato da prefeita Nilda, com o objetivo de implantar o projeto de tarifa zero, mas que seja um projeto sólido, tenha continuidade. Não é implantar um sistema de tarifa zero e logo em seguida, simplesmente, voltar a uma situação altamente precária que não atenda realmente a necessidade da população de Parnamirim. Isso a gente não quer”, aponta.
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