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Em seu último álbum, o cantor e compositor baiano Caetano Veloso diz em sua faixa-título que “somos mulatos híbridos e mamelucos / e muito mais cafuzos do que tudo mais”, em uma referência à mestiçagem do Brasil. Nessa obra e em outras, o autor resiste à divisão do país entre pretos e brancos, ressaltando que os cafuzos, oriundos da mistura entre africanos e indígenas, são maioria entre os brasileiros.Nunca será incomum encontrar, no Brasil, brasileiros com características híbridas de africanos e indígenas. No período colonial, esses povos muitas vezes se misturaram em quilombos nos interiores do país, fugindo da escravidão e da morte imposta pelos donos do poder. No interior da Bahia, esses cafuzos são muitos. É possível vê-los sobretudo nas famílias mais humildes do sertão baiano.De uma dessas famílias humildes, em Aiquara, nasceram o governador Jerônimo Rodrigues e sua irmã, Marta Rodrigues, hoje vereadora de Salvador. Eles são filhos de um vaqueiro e de uma costureira que apostaram na educação, mesmo que precária, como uma saída para a melhoria socioeconômica de seus descendentes.Na primeira infância, ainda na pequena Aiquara, às margens do Rio de Contas, o fenótipo de Jerônimo não se destacava. Mas, chegando em Jequié aos 9 anos de idade, para estudar no Instituto de Educação Régis Pacheco e depois no Colégio Polivalente, tudo mudou.“Em Jequié, quando eu cheguei, a galera já me chamava de Índio, por causa do cabelo, por conta da cor da pele. O comportamento, nem tanto, mas já dava para se perceber um estilo meu mais recatado, mais lateral, por cultura mesmo”, contou Jerônimo, em entrevista ao Portal A TARDE.
| Foto: Acervo pessoal
Naquele momento, influenciado pelo olhar dos diferentes, o adolescente Jerônimo passou a tomar uma consciência maior de sua identidade. O apelido de “Índio” foi assumido com orgulho posteriormente, quando o rapaz tomou conhecimento de suas origens no povo tupinambá.“Se você for ver meu concurso na Universidade [Estadual de Feira de Santana, UEFS], quando eu fiz, eu não tinha expectativa nenhuma de ser governador e eu já me declarava assim. Quando eu fui trabalhar no Ministério do Desenvolvimento Agrário, onde eu fui secretário nacional do Desenvolvimento Territorial, se você for ver a minha ficha, está lá como descendente indígena”, argumentou o governador.Enquanto Jerônimo ainda se encontrava em Jequié, a irmã Marta, mais velha, se mudou para Salvador, para cursar Letras na Universidade Católica. Na capital mais negra fora da África, uma cidade fortemente envolvida com a cultura afrodiaspórica, ela se viu definitivamente como mulher negra, identidade que a guiou como pessoa, como professora e como militante política, no Partido dos Trabalhadores.Foi muito por influência de Marta que Jerônimo chegou à militância partidária no PT. Mas os caminhos foram distintos. Enquanto a irmã ficou de vez em Salvador, ele saiu de Jequié e passou pouco tempo na capital, saindo para estudar Agronomia na UFBA, em Cruz das Almas. Depois de formado, retornou a Aiquara e atuou como professor. Virou secretário de Agricultura no município e ficou por lá até passar em um concurso para professor da UEFS, se instalando em Feira de Santana — cidade que hoje considera a sua casa.Mesmo quando atuou nas pastas de Ciência e Tecnologia e de Planejamento no governo de Jaques Wagner (PT) a partir de 2007, Jerônimo nunca abandonou sua relação com a Agronomia. Defensor da agricultura familiar, deixou a Bahia em 2011 para trabalhar em Brasília, no Ministério do Desenvolvimento Agrário, à época comandado por Afonso Florence (PT-BA) — atualmente, secretário da Casa Civil na Bahia.
Jerônimo, a irmã Marta e o sobrinho Marcelo, falecido recentemente
| Foto: Reprodução | Redes Sociais
Retornou em 2014 para coordenar o plano de governo de Rui Costa (PT), eleito em primeiro turno. Jerônimo conquistou o governador e ficou para ser o primeiro secretário de Desenvolvimento Rural, focado justamente na área que mais gosta. “Ali, eu lidei com os quilombolas, com os indígenas, com a área rural”, explicou.Em 2018, coordenou novamente a montagem do programa de governo de Rui e, ao mostrar suas ideias de colégio de tempo integral para a Bahia, se tornou secretário de Educação no segundo mandato.Ele não esperava, de jeito nenhum, ser escolhido como o candidato à sucessão de Rui. Torcia e fazia campanha por seu ídolo, Jaques Wagner, que desistiu de se lançar e deixou um espaço aberto.“Nós tínhamos, na consciência, de que seria a volta de Jaques Wagner. Todos nós desejávamos que fosse a volta dele, uma referência nossa. Mas ele decidiu dar oportunidade a outros e isso é muito claro na cabeça do senador. Nenhum de nós poderia ousar a colocar outro nome. E eu sempre fui de bastidor. Eu fui assessor. Não carregava o desejo de fazer o bate-chapa”, relatou Jerônimo.Mas foi o nome de Jerônimo que apareceu como consenso no PT. Enquanto as possíveis escolhas de Luiz Caetano (PT) e Moema Gramacho (PT) geravam divisões entre as lideranças da legenda no estado, o então secretário de Educação aparecia como querido por todos. A decisão, então, foi considerada natural no seio do grupo governista. O atual governador, católico e devoto de Nossa Senhora da Conceição, se viu indicado pelos “encantados”.“Eu creio muito em Deus e não falo isso para agradar ninguém. Fui criado nesse ambiente, em que os encantados escolhem as coisas e a gente obedece. É uma força. Os evangélicos têm uma energia, os católicos, os espíritas, o povo de terreiro, seja quem for. Até mesmo os ateus. Acabou meu nome sendo escolhido e eu sei muito bem a missão que eu tenho”, justificou.
Católico, Jerônimo agradeceu no Bonfim a vitória em 2022, ao lado de seu filho João e de sua esposa Tatiana
| Foto: Adriel Francisco
Agora, como governador da Bahia, Jerônimo coloca algumas coisas como prioridades. A primeira delas é o combate à fome, no qual ele sempre acreditou que a agricultura familiar deve ter papel decisivo. Outro ponto que o incomoda é justamente a questão das terras indígenas, que tem sido um grande problema no estado, sobretudo no Extremo Sul.“Fico angustiado algumas vezes, quando a força do Estado não é suficiente para tranquilizar, por exemplo, a pacificação do território indígena. A causa mais nobre é o território, é a dominialidade. Se os indígenas tiverem direito ao território, sem contaminar com os não-indígenas, já é de bom tamanho”, disse o governador ao Portal A TARDE.Pessoalmente, Jerônimo demonstra indignação com o sofrimento dos indígenas na Bahia, povo com o qual se identifica. Mas, como governador, ele tenta manter um posicionamento imparcial, em busca de uma solução consensual.“Eu ainda fico muito indignado. Eu sei que tem uma estrutura muito difícil de se enfrentar. Eu sei disso, como governador e como cidadão. É muito tenso ainda esse tema. Por exemplo, no Extremo Sul: eu, como governador, não posso ter partido para dizer que estou a favor do agro ou que sou a favor dos indígenas. Eu quero é pacificar, para que não haja morte de nenhum lado, para que seja respeitado o direito de ambos”, sinalizou.Durante os primeiros anos de mandato, seu governo tem investido nas chamadas escolas indígenas, com quadro docente e coordenação pedagógica composta totalmente por indígenas. Recentemente, Jerônimo conseguiu aprovar na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) um projeto de lei que iguala esses profissionais, em vencimentos e direitos, aos demais funcionários da rede estadual. Ele sabe, porém, que isso não basta para essas comunidades que têm lutado por terras no interior baiano.“Eu tenho feito muito. Tenho depositado na Segurança Pública o acompanhamento. Se um ou outro policial sai da linha, não é a orientação. Pelo contrário. Espero que a gente possa pacificar, sentar à mesa, chegar a um consenso e que a Bahia não possa ser um mau exemplo, de forma nenhuma. Eu tenho lutado muito para criar um ambiente de pacificação, mesmo sabendo do passivo que nós temos com as comunidades indígenas”, concluiu.