Caso Ana Beatriz: perito em psiquiatria analisa comportamento da mãe que matou bebê de 15 dias

Ana Beatriz Silva de Oliveira tinha apenas 15 dias de vida quando foi morta. O corpo dela foi encontrado apenas nessa terça-feira (15), após dois dias buscas de um grupo integrado com as polícias Civil e Militar e Corpo de Bombeiros no Povoado Eusébio, em Novo Lino, na Zona da Mata Alagoana. A mãe, Eduarda Silva de Oliveira, de 22 anos, confessou, em seu último depoimento, que teria asfixiado a menina com um travesseiro porque ela não parava de chorar.

No entanto, esta foi uma das diversas versões ditas por ela, em depoimento à polícia. Inicialmente, Eduarda contou uma história – em um áudio bastante emotivo – de um suposto sequestro, envolvendo um grupo armado – com três homens e uma mulher loira – que teria a ameaçado e tomado a filha de seus braços, seguindo rumo a Pernambuco. Foram feitas buscas, uma pessoa foi presa de maneira equivocada, até que, antes de iniciar a procura pelo possível corpo da menina, a hipótese foi descartada oficialmente.

As falas dela aos agentes de segurança levantaram diversas perguntas, em torno não somente da veracidade do que foi dito, mas também do porquê foi falado e até mesmo da capacidade da suspeita de criar algo, para se livrar de um crime que teria cometido e confessaria apenas dias depois.

O perito em psiquiatria Guido Palomba, em entrevista à TV Pajuçara, explicou algumas das potenciais motivações que teriam levado Eduarda a matar a própria filha e criar as narrativas. “É sempre algo muito grave. Ela cometeu um delito em estado puerperal, ou seja, puerpério é o que se dá depois do parto até voltar às condições pré-gravídicas. Existem crimes nesse estado puerperal cometido por mulheres e quando é até 10 dias, chama-se infanticídio. Depois de 10 dias, é filicídio, mas é tudo um infanticídio”, explicou o perito.

Atuando há anos na psiquiatria forense, Palomba afirma que situações do tipo são raras mas que, todos os casos que viu, sem exceção, foram de mentes “deformadas”. “Nenhuma mãe [normal] mata filho no puerpério. O filho é uma bênção que vem, é uma alegria. Geralmente, o melhor estado da mulher é quando ela dá à luz. É algo muito querido. E todas as vezes que isso acontece, que eu já participei, é sempre um estado totalmente anormal da mente”.

O especialista contou que existe a psicose puerperal, um destes “estados anormais”. “É quando alucina, delira, acha que a criança é o ‘diabo’, é ‘fruto do diabo’, etc. Não me parece que é o caso dela. Outro caso, quando costumam matar os filhos, são pessoas que têm pouca capacidade mental, às vezes até um retardo mental, não muito grave, mas um retardo”.

Palomba detalha que estas pessoas podem achar que o filho, em vez de estar dando toda aquela alegria de ter trazido ao mundo, seria ao contrário, com a ideia de que o filho estaria “atrapalhando”. “Muitas vezes, o filho, quando nasce, ganha atenção de todos e a mãe perde aquela atenção que tinha quando estava grávida. Então, é como se fosse uma competição. E, muitas vezes, nesse estado tosco, primitivo, acaba acontecendo o infanticídio”.

Irritação com o choro da bebê

Ana Beatriz teria ficado duas noites sem dormir, por conta de dores causadas por cólicas. A Polícia Civil disse que a mãe alegou que teria ficado irritada com a situação. Para Palomba, este ponto pode ter contribuído, mas não foi apenas isto.

“Porque ela acabou, na verdade, achando que o filho era algo ruim, algo errado, tanto é que ela matou e depois simulou, deu uma versão, deu outra. Então, obrigatoriamente, ela tem algo de tosco, algo de retardado nesse sentido, que somente é possível dizer examinando”, pontuou o psiquiatra.

O comportamento dela, segundo o especialista, não mostra nenhum tipo de remorso, de ressonância afetiva com a gravidade do ato que confessou ter praticado. As histórias teriam sido criadas para se livrar de uma posterior culpa.

Imputabilidade penal

Para o especialista, é preciso examinar a situação de Eduarda com cuidado, para avaliar o que de fato existe no quesito de ela ser imputável ou inimputável do crime. Dados que devem ser averiguados durante a perícia vão apurar se ela teve a compreensão, se entendia o que estava fazendo, se queria fazer e se poderia evitar.

“É [um caso] de dificílima recuperação. Na verdade, para não falar que não existe recuperação para pessoas que agem dessa forma, porque é uma ausência, quase que completa –  para não falar completa – de sentimentos de piedade, de compaixão e mesmo aquele sentimento materno… Sempre dar à luz é algo extremamente importante para qualquer mãe, é algo querido pelas mulheres. Por quê? Porque isso está na própria natureza da mulher”.

“E eu arriscaria, claro, são todas suposições, mas eu diria que o passado dela deve ter algo significativo. Não com essa gravidade, mas algo significativo do ponto de vista psiquiátrico-forense, porque há uma ausência de remorso. Então isso chama a atenção e ela agiu de um modo absolutamente egoísta, porque estava incomodando, ela não estava dormindo, não estava conseguindo dar conta da criança, então ela a extermina”.

Depressão pós-parto

Durante toda a elaboração do inquérito, uma das hipóteses levantadas foi a de que a suspeita estaria com depressão pós-parto. No entanto, apesar de reconhecer a possibilidade, Palomba reitera que o fato que atrai é a ausência de remorso, que seria, segundo ele, incompatível com o quadro depressivo.

“[A depressão pós-parto] é rara ou passageira. O deprimido tem remorso. Se ele pratica algo em um estado que é alterado de consciência, quando ele volta e percebe, tem o sentimento. E ela me parece que não. Eu estou apenas falando do que eu vi. Posso estar enganado”.

Áudio chorando enquanto relatava o sequestro

No dia em que a Ana Beatriz “desapareceu”, a reportagem do TNH1 teve acesso a um áudio de Eduarda, no qual ela detalhou, aos prantos, o suposto sequestro da filha, gritando até que preferia ter levado um tiro do sequestrador, que não existiu, do que ter que entregar a filha.

O especialista avaliou que aquele era o momento conhecido como “palco”. “Ela estava representando aquilo naquele momento com segundas intenções, ou seja, de não ser dada como a culpada pelo crime. Então eu acho que esses detalhes precisam – todos – ser vistos e eu lamento imensamente porque é sempre muito grave, são casos gravíssimos”.

Assista à entrevista completa do perito em psiquiatria Guido Palomba à TV Pajuçara:

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