O sagrado dos Povos Tradicionais de Matriz Africana vem da união de vários elementos naturais, culturas, cores, sons, biomas, faunas e floras. Desta forma, unindo uma só energia cósmica elementar para o processo vital desses povos. A relação dos Povos e Comunidades Tradicionais com a natureza é destacada pelo Decreto Federal nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007. “ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica”. (BRASIL, 2007). Essa relação e cosmovisão social ocorre dentro das Unidades Territoriais Tradicionais – UTT, conhecidas como (Terreiros – Roças). Tal decreto define: “Territórios Tradicionais: os espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária”. (BRASIL, 2007).
Para a sustentação do sagrado, as iniciações de adeptos, alimentação de elementos da terra e eventos festivos, têm-se como foco primordial os rudimentos da natureza tais como: os rios, à costa marítima, os pantanais ou mangues, às florestas, às folhas, montanhas, serras e toda a forma de natureza ocupada pelo homem.
Como o planeta Terra vive em vias de crise climática e ambiental, imagina-se o desaparecimento total de recursos naturais saudáveis na esfera terrestre, ocupada pela grande massa populacional. Tem-se uma média diária que 2 milhões de toneladas de resíduos sólidos recicláveis e não recicláveis, distribuídos em resíduos domiciliares, comerciais e industriais são gerados pela população do mundo. Cada brasileiro produz um 1 kg de lixo por dia, provocando uma produção brasileira de 170 mil toneladas de lixo e vulneravelmente 76% é despejado em lixões a céu aberto nas grandes cidades. (ONU, 2012.)
Mais de 20,8 mil hectares de Mata Atlântica – o equivalente a 130 Parques do Ibirapuera – foram desmatados entre 2008 e 2010 no Brasil. Toda esta devastação nos dias atuais vem aumentando em dados preocupantes e alarmantes. (JORNAL TRIBUNA DO NORTE, 2010). Nos rituais de iniciação realizados pelos Povos Tradicionais de Matriz Africana às folhas são sagradas, elementos essenciais aos rituais. Tal necessidade destaca-se nos versos do poema “Salve às folhas” de Gerônimo Santana e Ildásio Tavares, “sem folhas não têm sonhos, sem folhas não têm vida, sem folhas não têm nada”. Tal poema avulta às divindades das folhas, (Katendè, Agué e Òsànhe) como os guardiães dos segredos da flora. Para os Povos Tradicionais de Matriz Africanas essas divindades são responsáveis por liberar a energia de cada vegetal, de cada essência. À folha tem uma função detalhada.
Os Povos Tradicionais de Matriz Africana estabelecem uma relação com às matas. A folha, em especial, numa dimensão para além das propriedades biológicas de cada uma, a relação está numa dimensão que é divinizada. Relação biomítica. Um dito popular dos Povos Yorùbás reforça a obrigatoriedade das folhas nos ritos Tradicionais: “Kò si ewe, kò si Òrìṣà” (não há folhas, não há Òrìṣà). Sendo algo de extrema importância. Pois cada Nkise (divindade do povo Bantu), Vodun (divindade do povo Fon) e Òrìṣá (Divindade do Povo Yorùbá) tem uma folha em particular aos seus atributos naturais. (Makota Valdina, 1998).
Sem a preservação ou sustentabilidade de zonas de proteção, unidades de conservação ou áreas de proteção permanente e de uso sustentável que deem ressalva as espécies de flora, esses povos não terão como manter sua visão de mundo, seus ritos e mitos. Se às florestas desaparecerem por total do nosso meio, poderemos afirmar um desaparecimento do Povo Tradicional de Matriz Africana e os ritos dos Nkises, Voduns ou Òrìṣàs. Por mais, que tenha-se bosques artificiais, a essência natural dos biomas que transmitem a essência natural do nguzo-àce-àṣe (força mágica) das Divindades não será igualmente a mesma.
À água é alimento para os Povos Tradicionais de Matriz Africana, e vem se tornando um recurso cada vez mais escasso. Vista apenas como recurso hídrico é dividida globalmente em 69% para a atividade agrícola, 23% para as indústrias e apenas 8% em usos domésticos. (ONU, 2012). Dados assombrosos, pois setores industriais e agrícolas não reaproveitam o recurso da água conforme determina a necessidade do planeta Terra.
Mais de 70% da superfície da Terra é composta pelos oceanos e esses espaços biológicos já habitam os maiores animais do planeta. Mais de bilhões de anos que a vida dos oceanos vem contribuindo para o equilíbrio do planeta. A pesca industrial vem acabando com a população de grandes peixes no mar, mais de 90% destes animais desaparecerão do oceano, tais como: atum, marlim e tubarões. (ONU, 2012).
“Kò si ewe, kò si Òrìṣà” (não há folhas, não há Òrìṣà”

Os estoques pesqueiros em algumas regiões estão diminuindo altamente. Outro ponto para a degradação dos oceanos é a poluição provocadas pelas cidades, as grandes embarcações e exploração de petróleo em alta escala.
A especulação imobiliária em ritmo acelerado vem destruindo zonas costeiras, estuários, manguezais e zonas úmidas em todo o mundo. Sem uma noção de preservação de alguns países o maior bioma do planeta “o mar”, tem o risco de perder suas áreas de reprodução da fauna marinha e refúgios da vida silvestres. A destruição dos manguezais (berçário da vida marítima) para a expansão da construção civil ou criação de viveiros, salinas e outros empreendimentos vêm provocando um distúrbio na vida, pois um simples estuário pode abrigar e manter uma grande diversidade de aves, mamíferos terrestres e peixes. (ONU, 2012).
Sabe-se que não tem como ter adoração às divindades das águas ou aquáticas deusas das águas, com uma coleção de rios poluídos. A água encontra-se representada por diversos panteões, famílias ou grupos, divididos nos três troncos linguísticos e litúrgicos encontrados no Brasil.
Auden disse “muitas pessoas viveram sem amor, mas nenhuma sem água”.
Para os Bantos (povo de Angola) Ndandalunda é a senhora da riqueza ligada ao nascimento e água doce. Para os Fons ou Djedjes (Jejes) tem-se Aziri, Vodun das águas profundas. Òṣun dos Yorùbás é a Òrìṣá feminina dos rios, do ouro, do jogo de búzios, e do amor. (PINTO, 1998). A frase famosa do poeta inglês W. H. Auden que disse “muitas pessoas viveram sem amor, mas nenhuma sem água” reforça a importância desse elemento vital para nossas vidas. Nos ritos tradicionais, à água tem um papel importante, pois a mesma é ferramenta de defesa, caminho, invocação, essencialidade e alimento.
Água doce limpa, apropriada e em quantidade adequada e de vital importância para a sobrevivência de todos os organismos vivos, bem como para o funcionamento adequado de ecossistemas, comunidades e economias. Contudo, a qualidade dos recursos hídricos mundiais está sob ameaça crescente à medida que aumentam as populações humanas e se expandem as atividades industriais e agrícolas, em um cenário em que as mudanças climáticas poderão provocar grandes alterações no ciclo hidrológico. Água de baixa qualidade põe em risco a saúde humana e dos ecossistemas, reduz a disponibilidade de água potável e de recursos hídricos próprios para outras finalidades, limita a produtividade econômica e diminui as oportunidades de desenvolvimento. (BRASIL. 2011, p. 15,).
As fontes de água estão sendo ameaçadas de forma alarmante, por poluentes no solo, como o lixo doméstico, lixo industrial, lixo hospitalar e metais pesados. Esses poluentes chegam até os aquíferos e rios que abastecem as grandes cidades, provocando assim uma perda da essência mágica e vital do recurso. Para a Tradicionalidade de Matriz Africana, o uso da água não pode ser limitado ou cessado de forma alguma. Uma grande ameaça, já que às cidades vivem processos de conurbação alarmante, limitando o uso da água (racionamento) para com a população que crescera.
A água das grandes cidades está misturada a grande quantidade de nitrato, componentes químicos, coliformes fecais e metais pesados. Provocados pela elevada poluição dos aquíferos subterrâneos e rios. A falta de saneamento básico, coleta inadequada do lixo e falta de tratamento da água utilizada pela população, são fatores que favorecem a poluição desse elemento. Uma grande ameaça para os Povos Tradicionais de Matriz Africana em relação à água, e que, a mesma chega às cidades inapta para o consumo humano, e para as práticas tradicionais sagradas não é apropriada, tendo um elevado índice de poluição. (ONU, 2012).
As Unidades Territoriais Tradicionais – UTT na região rural, a poluição submete-se a agricultura desordenada, assoreamento de rios, erosão do solo e principalmente o uso elevado de agroquímicos. A água natural manuseado ou utilizado de forma desdourada, conspurcada ou poluída sem um teor natural para que invoque o sacro, não tem proficuidade para os Povos Tradicionais de Matriz Africana. À água estar presente em todos os ritos e a mesma precisa ser saudável e adequada e assim ter energia, força imaterial chamada pelos Povos Tradicionais de nguzu, àce ou àṣe (lê-se: unguzu, atxé ou axé).
Onde há desmatamento e poluição não há orixá. E sem os orixás, a vida humana empobrece e se descontrola. Nesse processo especulativo (existente em todas as cidades foco do Inventário), as roças, antes parecidas com pequenas chácaras, vão se reduzindo à dimensão de pequenos lotes urbanos, gerando como consequência uma série de dificuldades em relação à diversidade de itens que são necessários para as práticas rituais das diversas nações de candomblé. (BRASIL, p. 40, 2011).
Com a construção civil em ritmo acelerado elevando a urbanização, aumentando o número de habitantes das grandes cidades, provocando metropolizações em diversas regiões do planeta, os impactos ao solo e a poluição da atmosfera passam a ser mais elevados. Na década de 50 no Brasil viviam apenas 36,1% de brasileiros nas cidades, em 2002 o número aumentou para 82% (Guia Cidadão Sustentável, 2008).
Os Povos Tradicionais de Matriz Africanas vivem sufocados pela urbanização, crimes ambientais, poluições, crescimento desordenado e modernização das cidades. Proibidos de adentarem em reservas, parques naturais e unidades de conservação, trazendo assim um prejuízo destacável para a sua visão de mundo (ritos e mitos). Os espaços Sagrados necessitam de um “banho de natureza”, nas cidades espaços verdes e rios são algo de extrema raridade. As Unidades Territoriais Tradicionais – UTT do Povo Fon ou Djèdjè (Jeje), por exemplo, carecem de grandes espaços com cobertura vegetal, para o cultivo de ervas, adoração de árvores sagradas, quartos sagrados e até mesmo um rio ou lago.
Para essa realidade o zoneamento rural do município seria o melhor encaminhamento, respeitando assim a “terra e a territoriedade”. Onde podemos encontrar áreas verdes e alguns riachos. Porém, a grande ameaça é a conurbação (processo de crescimento das cidades), deixando a realidade natural do espaço ou zoneamento rural totalmente transformado.
Outra grande ameaça para com os Povos Tradicionais de Matriz Africana são as carências nas questões de regulamentação fundiária e reforma agraria. Um povo que foi retirado de suas terras em Áfrika. No Brasil, vivem diversas problemáticas de terras e territórios. Concessões fundiárias, são problemas reais sérios e precisam ser revistos pelas autoridades. E as unidades de conservação ambiental – UC não são destinadas zoneamento a esses grupos populacionais de Matriz Africana. Isso provocando uma série de transtornos, pois na realidade as relações sociais dos Povos Tradicionais de Matriz Africana coincidem com os problemas das cidades: poluição atmosférica, conflitos sociais, poluição sonora provocada pelo trânsito nas avenidas, intolerância e racismo ambiental provocado pelos moradores do entorno.
É insuportável para às autoridades das Unidades Territoriais Tradicionais de Matriz Africana, desenvolverem o seu continuo com a Áfrika com uma série de poluentes e perturbações provocados pelos chamados “ruídos das cidades”. O racismo sendo fomentador de leis disfarçadas de “proteção a animais domésticos”, de princípios de modernidade. Esses Povos vivem uma série de fatores de insegurança alimentar, carecendo de soberania para garantir a ancestralidade. Precisam ter total domínio sobre a produção, beneficiamento e comercialização dos alimentos e da alimentação, sendo todos esses pontos princípios civilizatórios afrocentrados. Para os de Matriz Africana, a alimentação torna-se soberana ao ser compartilhada com as Divindades. Os alimentos como: grãos, frutas, legumes, raízes, caules, folhas e carnes de animais precisam estar altamente saudáveis, não podendo ser produzidos ou manejados de qualquer forma. Os agroquímicos presentes nos legumes e frutas deixam esses inaptos para o consumo junto às Divindades. Sendo algo extremamente problemático e causador de doenças.
Outro ponto de Insegurança Alimentar é a perseguição ao abate tradicional, que é ritualístico e doméstico. Para esses Povos os alimentos como carnes de animais, tem que ser preparados dentro da própria Unidade Territorial Tradicional – UTT. Segundo os líderes, os animais são rezados, existe um serie de cânticos solicitando a permissão da natureza e dos Deuses, para que sejam abatidos, aves e caprinos “sem sofrimento”.
As leis federais de proteção às práticas Tradicionais são necessárias, outrossim, não suficientes para a defesa desse exercício alimentar tradicional.
Entendemos que a relação com à natureza é a base de vida para os Povos Tradicionais de Matriz Africana, que sua soberania alimentar e nutricional, suas línguas, suas formas de ver a economia, suas relações políticas tornam conceptualizados como POVOS civilizatórios.
Compreende-se neste capítulo que o planeta terra encontra-se em crise climática ambiental alarmante, que as autoridades ambientais internacionais precisam urgentemente criar mecanismos radicais de combate ao desmatamento e as mudanças climáticas.
O racismo, está ligado completamente a reprodução da pobreza e toda forma de violência às comunidades tradicionais do estado brasileiro. A Resolução Internacional número 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT e o Decreto Federal número 6.040 de 2007 não obtiveram avanços internacionais e locais. O racismo no Brasil, só avança.
Entre 2016 e 2021, diversos aparelhos públicos de controle ambiental e socioambiental e das políticas públicas para Povos e Comunidades Tradicionais foram desmontados e a negligência dessas políticas foi pauta de “gestão governamental”.
Mesmo com, tantos espaços de controle social os Povos Tradicionais de Matriz Africana continuam em vias de exclusão e descaso no estado brasileiro. As reparações de terras, territórios e territoriedades inda estão em um espaço de tempo muito distante da realidade destes povos.
O racismo ambiental cresce no Brasil, a via que cresce os planos de crescimento econômicos e de infraestrutura. O agronegócio é atualmente o grande inimigo das populações tradicionais brasileiras e em segundo vem a mineração.
Grandes empresas europeias de minério, impulsionam politicamente as mudanças na legislação ambiental e com isso suas práticas assassinas de extração ganham respaldo em uma legislação ambiental que vem se fragilizando.
Os Povos Tradicionais de Matriz Africana precisam promover a alusão do conceito dos princípios civilizatórios, as discussões sobre o marco conceitual destes povos, precisam expandir-se em todo os estados brasileiros. Uma das grandes ferramentas contra o Racismo Ambiental sofridos pelos Povos Tradicionais de Matriz Africana é a conscientização do conceito de POVO. Que pertencem a etnias com línguas próprias e essas com pertencimento e relações geopolíticas com o continente africano.
O post Poluição, Mudanças Climáticas e o fim da Tradição de Matriz Africana. apareceu primeiro em ANF – Agência de Notícias das Favelas.