Histórico de Conflitos Fundiários no Amazonas
Em um estado historicamente marcado pela violência no campo, pela grilagem de terras públicas e pelo apagamento sistemático dos direitos das populações vulneráveis, a recente decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) de suspender comissões e grupos de trabalho, através da Portaria nº 11/2025, reafirma um padrão institucional preocupante: o da omissão.
Decisão do TJAM e o impacto institucional
Entre os colegiados atingidos, encontra-se a Comissão de Conflitos Fundiários, criada em dezembro de 2023, a partir de determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), para funcionar como instância de mediação e prevenção de despejos forçados, sobretudo em litígios envolvendo comunidades inteiras. Na teoria, sua missão era nobre: promover soluções pacíficas e articuladas com diversos órgãos e esferas do poder público. Na prática, no entanto, a comissão pouco avançou — limitada por falta de estrutura, apoio político e prioridade institucional.
Havia um potencial de mudanças
Mesmo assim, sua existência representava uma possibilidade real de mudança, uma brecha de diálogo em um Judiciário que, por décadas, tem atuado com parcialidade em disputas fundiárias, geralmente a favor de grandes interesses privados, latifundiários e especuladores urbanos. Não é raro encontrar decisões judiciais que autorizam reintegrações de posse sem a menor consideração pelo impacto social ou sequer a mínima exigência de alternativas habitacionais para as famílias despejadas.
Grilagem e rede de proteção institucional
A grilagem, por sua vez, segue seu curso nas sombras da floresta, com a anuência silenciosa das instituições que deveriam combatê-la. No interior do Amazonas, terras públicas são apropriadas ilegalmente por grupos organizados, que frequentemente contam com redes de proteção política e jurídica. A Justiça raramente age com a mesma celeridade que demonstra quando é para despejar famílias pobres de áreas ocupadas por necessidade.
Potencial transformador da Comissão de Conflitos Fundiários
A Comissão de Conflitos Fundiários, mesmo sem ter de fato saído do papel, reunia potencial para subverter esse padrão. Ao menos em sua concepção, previa inspeções presenciais, escuta das comunidades, articulação com o Ministério Público e a Defensoria Pública, e o compromisso com a resolução pacífica e dialogada dos conflitos. Previa também um protagonismo inédito do próprio Judiciário na mediação institucional com governos e movimentos sociais. Era uma tentativa — ainda tímida, é verdade — de enfrentar um problema que tem raízes profundas no modelo desigual de acesso à terra no Brasil.
Recomendações do STF e CNJ na ADPF 828 e Resolução nº 510/2023
A suspensão da comissão, portanto, não é um mero ato administrativo. Ela revela a persistência de uma lógica excludente no coração do sistema de Justiça. Uma lógica que prioriza a letra fria da lei — frequentemente interpretada com viés de classe — em detrimento da dignidade humana. Uma lógica que desconsidera o que determina o Supremo Tribunal Federal na ADPF 828 e ignora as diretrizes do Conselho Nacional de Justiça na Resolução nº 510/2023, que exigem justamente a criação e manutenção de comissões como esta.
Não se trata aqui de defender uma comissão por seus feitos — pois ainda não os teve em escala significativa —, mas por seu valor simbólico e sua potência transformadora, caso houvesse real vontade política do Judiciário de atuar de forma republicana e socialmente comprometida.
Importância da estruturação efetiva da Comissão
O mínimo que se espera é que o TJAM reconheça a gravidade da crise fundiária no Amazonas e atue com a seriedade que ela exige. Reativar e estruturar de forma efetiva a Comissão de Conflitos Fundiários seria um primeiro passo nesse sentido. Caso contrário, continuaremos assistindo à perpetuação de um modelo de Justiça que fecha os olhos para os de baixo e serve, como sempre, aos de cima.
O post Comissão de Conflitos Fundiários no Amazonas sofre com interferência do Tribunal de Justiça apareceu primeiro em ANF – Agência de Notícias das Favelas.