Estudantes de medicina debocham de jovem transplantada que estava à beira da morte

estudantes debocham transplante
As estudantes e a paciente

Duas estudantes de medicina ridicularizaram publicamente uma jovem que lutava pela vida após passar por múltiplos transplantes cardíacos. O episódio chocou familiares, profissionais da saúde e internautas, levantando um importante debate sobre ética médica, respeito à vida e os limites do comportamento nas redes sociais.

ENTENDA

Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano, alunas do curso de Medicina, aparecem em um vídeo publicado no TikTok zombando de Vitória Chaves da Silva, uma jovem de 26 anos que, à época, aguardava por um quarto transplante de coração. No conteúdo, elas fazem piadas cruéis com a condição de saúde da paciente. Uma das frases ditas, e que causou maior comoção, foi: “Essa menina tá achando que tem sete vidas”.

O vídeo rapidamente viralizou e, diante da repercussão negativa, foi apagado. No entanto, capturas e trechos já circulavam amplamente pelas redes, gerando revolta e pedidos de responsabilização das estudantes.

QUEM ERA VITÓRIA

Vitória Chaves da Silva enfrentava desde a infância uma cardiopatia congênita grave. Ao longo da vida, passou por três transplantes cardíacos – todos realizados pelo Instituto do Coração (InCor), um dos maiores centros especializados em cardiologia do país. Ela aguardava, no momento da gravação do vídeo, por um quarto transplante.

A jovem faleceu no dia 28 de fevereiro de 2025, apenas nove dias após a publicação do vídeo ofensivo. A causa da morte foi choque séptico e insuficiência renal crônica. Sua história de superação e resiliência já havia sido compartilhada anteriormente por veículos de imprensa, sendo símbolo de esperança para muitas pessoas que aguardam transplantes no Brasil.

Indignação e medidas legais

A mãe da jovem, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves, demonstrou profunda indignação com a exposição indevida da filha. Em entrevista , ela declarou: “Elas expuseram minha filha como se ela fosse um experimento. Disseram mentiras, como se ela tivesse recusado corações ou como se vivesse em festa, e não em hospital.”

A família registrou um boletim de ocorrência e comunicou o caso ao Ministério Público de São Paulo, à Polícia Civil e também ao InCor, hospital onde Vitória estava internada. Cláudia afirmou que as estudantes compartilharam informações que violam o direito à privacidade e que não refletem a realidade da trajetória médica de sua filha, que sempre seguiu rigidamente as orientações médicas.

Posicionamento do InCor

O Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP divulgou nota oficial repudiando veementemente o conteúdo do vídeo. A instituição ressaltou que não divulga dados de pacientes e que está apurando o caso com rigor:

“O InCor repudia quaisquer atitudes que violem os princípios de ética, respeito e confidencialidade que norteiam a prática médica.”

O hospital confirmou que está colaborando com as autoridades competentes para que as medidas cabíveis sejam adotadas.

Consequências para as estudantes

Até o momento, Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano não se pronunciaram publicamente sobre o caso. Não há confirmação oficial sobre eventuais sanções acadêmicas ou expulsão das estudantes de suas respectivas instituições de ensino, mas a pressão social tem sido intensa.

A exposição também motivou protestos de estudantes de medicina, profissionais da saúde e pacientes transplantados que exigem ética, empatia e responsabilidade na formação médica.

Reflexões sobre ética e redes sociais

O caso expõe um problema crescente: o uso inadequado das redes sociais por profissionais e estudantes da saúde, muitas vezes em ambientes hospitalares e com informações sensíveis sobre pacientes. O médico Adriano Oliveira publicou um desabafo forte:

“Sou médico, tenho 55 anos e faço parte de uma geração que precisou se dedicar muito para ingressar na faculdade. Naquele tempo, havia poucas escolas, a maioria públicas, e o caminho até o vestibular exigia bastante conhecimento e esforço. Para concluir o curso, não era diferente: enfrentávamos instituições exigentes, noites de estudo sem fim e muitos plantões, numa jornada que, de certa forma, continua até hoje. Aprendíamos, desde cedo, que nosso cuidado e atenção deveriam estar sempre voltados ao paciente. Era ele o centro da nossa vocação. Hoje, no entanto, percebo que muitos estudantes, formados em escolas que surgiram recentemente, acabam enxergando a profissão mais como uma oportunidade de crescimento financeiro. O paciente, que antes era o foco, parece, em alguns casos, ter ficado em segundo plano. Vejo com preocupação a busca por prescrições fáceis e modismos que, muitas vezes, atendem mais aos interesses do profissional do que às necessidades do paciente. Sinto falta de um olhar mais atento, mais cuidadoso para com o outro — algo que sempre foi o coração da medicina. Também noto que, com o tempo, certos cuidados com a comunicação, como o bom uso da língua portuguesa, foram se perdendo. Escrever e falar com clareza fazem parte da nossa responsabilidade como médicos, pois nossa palavra é instrumento de acolhimento e orientação. A medicina vive momentos de transformação. É natural que as mudanças aconteçam, mas é importante que não percamos nossa essência. Gostaria de deixar, como reflexão, a lembrança de que seguimos sendo, antes de tudo, discípulos de Hipócrates: guiados pela ética, pelo respeito e, acima de tudo, pelo amor ao próximo”.

→ SE VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI… Saiba que o Pragmatismo não tem investidores e não está entre os veículos que recebem publicidade estatal do governo. Fazer jornalismo custa caro. Com apenas R$ 1 REAL você nos ajuda a pagar nossos profissionais e a estrutura. Seu apoio é muito importante e fortalece a mídia independente. Doe através da chave-pix: [email protected]

O post Estudantes de medicina debocham de jovem transplantada que estava à beira da morte apareceu primeiro em Pragmatismo Político.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.