Parque das Tribos, periferia de Manaus e ações culturais através do projeto Cine Aldeia

O Parque das Tribos, é a maior comunidade indígena não aldeada do mundo, localizado na área urbana periférica de Manaus, com mais de 5.000 residentes de 38 etnias diferentes. Informação confirmada pela principal liderança, Ismael Munduruku, Cacique do Parque das Tribos, ex-gerente de agricultura IDAM, ex-chefe do fundiário Implurb, agrimensor, topógrafo, palestrante e educador político. Esse espaço abriga uma diversidade cultural e linguística, com mais de 20 idiomas falados, representando a maior concentração étnica do gênero em um único local, e a Agência de Notícias das Favelas esteve lá para conferir as conquistas e dificuldades da população indígena.

Preservação Cultural e Educação  

Há uma forte preocupação com a preservação das culturas desses povos, garantindo que cada etnia mantenha suas tradições e peculiaridades. Dentro da comunidade, ocorrem atividades que fortalecem os laços culturais, como reuniões, conversas e intercâmbios linguísticos. Além disso, a educação desempenha um papel fundamental: as escolas locais oferecem ensino nos idiomas nativos, assegurando que as crianças não percam o vínculo com suas línguas e culturas ancestrais.  

Artesanato e Empoderamento  

O Parque das Tribos também se destaca por seu polo de artesanato, que reúne mais de 200 artesãos. Projetos voltados para mulheres incentivam a produção de peças com características étnicas, incluindo moda e arte tradicional. Essas iniciativas não apenas valorizam a cultura indígena, mas também ganharam reconhecimento internacional, inspirando outras comunidades a replicar o modelo.  

Organização e Liderança  

A comunidade é organizada por meio de uma liderança geral eleita democraticamente. Em 2022, um representante do povo Munduruku, natural do município de Borba (Terra Indígena Kwatá-Laranjal), foi escolhido como cacique geral. Ele vive no parque desde sua fundação, que surgiu da união de grupos indígenas já organizados sob a União dos Povos Indígenas de Manaus (UPIM).  

O Parque das Tribos é um exemplo de resistência, diversidade e orgulho cultural, mostrando ao mundo como as tradições ancestrais podem florescer mesmo em um contexto urbano.  

Manaus, sendo a maior cidade da Amazônia, abriga uma população indígena significativa, incluindo pessoas de diversas etnias que migraram para a área urbana em busca de melhores condições de vida. A UPIM surge como uma voz coletiva para enfrentar os desafios dessas comunidades, como falta de assistência básica, perda de identidade cultural e pressões sobre suas terras.  

A UPIM (União dos Povos Indígenas de Manaus) é uma organização que representa os direitos e interesses dos povos indígenas na região de Manaus, no estado do Amazonas, Brasil.  

Objetivos da UPIM:

1. Defesa dos direitos indígenas – Luta pelo reconhecimento e garantia dos direitos territoriais, culturais e sociais dos povos originários.  

2. Promoção da cultura indígena – Valoriza e fortalece as tradições, línguas e conhecimentos tradicionais das etnias representadas.  

3. Combate à discriminação – Atua contra o preconceito e a marginalização enfrentados pelos indígenas em contextos urbanos e rurais.  

4. Acesso a políticas públicas – Busca melhorias em saúde, educação, moradia e sustentabilidade para comunidades indígenas.  

5. Sustentabilidade ambiental – Promove a proteção dos territórios indígenas contra invasões, desmatamento e exploração ilegal.  

Cine Aldeia

O projeto foi realizado pela primeira vez quando idealizado pela produtora indígena Thaís Kokama, o “Cine Aldeia” começou em 2019 com exibições de filmes para crianças da aldeia. No parque das Tribos seguiu-se o mesmo trajeto de concepção até à apresentação.

“Levar o cinema para a aldeia, para o ambiente indígena, é muito importante. Mais ainda é mostrar a nossa própria cultura, a cultura da Nação Indígena, porque não é algo que a gente vê sempre nos filmes ou na televisão.” 

Foi assim que Ane Mura, mulher indígena da etnia Mura, expressou sua esperança ao falar sobre projetos que levam o audiovisual para comunidades originárias. Com entusiasmo, ela aguarda o dia em que sua aldeia, localizada em uma área distante dos centros urbanos, também seja contemplada com essa iniciativa.  

Acesso à cultura como direito

Para Ane, a dificuldade de acesso a tecnologias e produções audiovisuais é uma realidade que distancia muitos indígenas das narrativas que lhes representam. “Dificilmente um indígena irá ao shopping para assistir a um filme no cinema. Além disso, é raro encontrar um filme que fale sobre a nossa tribo e os povos originários”, explica. 

Por isso, ela vê projetos que levam o cinema às aldeias como uma forma de valorizar a cultura originária e garantir que essas histórias sejam contadas e vistas por quem mais as entende. “É muito importante para nosso povo, porque muitos não têm como chegar até essas tecnologias”, reforça.  

Enquanto espera pela oportunidade de ver sua comunidade incluída nessa iniciativa, Ane relata a expectativa com o dia em que as telas mostrarão, em grande escala, a riqueza e a diversidade dos povos originários.  

Não apenas ela, mas muitos outros membros da família que frequentam o ensino superior também enfrentam e relatam situações de preconceito no ambiente educacional.

Quanto aos benefícios destinados aos povos originários, ela destaca que, recentemente, sua comunidade começou a receber atendimento em saúde — algo que antes não existia, ao contrário da aldeia do Parque das Tribos, que dispõe de ampla assistência, inclusive com uma Unidade Básica de Saúde exclusiva. Há a expectativa de que sua aldeia também venha a ter um polo de saúde próprio.

Ela relata que, atualmente, os indígenas deixaram de sentir vergonha de suas origens e estão lutando mais por seus direitos, o que atribui à evolução e aos cuidados que sua tribo tem recebido com maior intensidade nos últimos tempos.  

Segundo ela, há um pensamento compartilhado entre seu povo: a crença na igualdade entre todos, independentemente de etnia ou raça — uma visão que contrasta com a de alguns não indígenas.  

Para ela, essas conquistas simbolizam liberdade e direitos reconhecidos. Seu povo, conhecido por sua resistência e persistência, não desiste até alcançar seus objetivos. “Por mais difícil que seja, não perdemos o foco nem a determinação”, afirma.  

Esse pensamento é cultivado desde o ambiente familiar, na maloca, e acompanha todo o processo de amadurecimento dos membros da aldeia. Há pouco tempo, não havia essa consciência de resistência e fortalecimento coletivo. Lideranças passadas, ou mesmo os pais dos atuais caciques, não tinham a liberdade de se impor e lutar por seus direitos, muito menos de usar a cultura como forma de resistência. Hoje, porém, valoriza-se a aldeia como um todo, enquanto no passado qualquer tentativa era reprimida.  

Antes, até as lideranças sentiam medo e vergonha de manter as tradições. Agora, há um movimento de resgate cultural, que serve também para reafirmar a identidade dos povos originários. Ela própria conta que enfrenta dificuldades para falar sua língua materna, mas há um esforço coletivo para preservá-la e garantir que continue a ser um meio de comunicação entre seu povo.  

José Tikuna relata trajetória do Cine Aldeia e evolução do Parque das Tribos

Em entrevista, José Tikuna, mesmo não sendo residente do Parque das Tribos, afirma conhecer bem o local por acompanhar sua trajetória desde o início. Amigo do cacique Messias, primeira liderança do parque – que posteriormente se afastou por questões pessoais –, Tikuna acompanhou de perto o desenvolvimento do projeto, que tem como objetivo fortalecer a cultura indígena entre os jovens urbanos.

“Mesmo sendo indígenas na cidade, muitos não têm um conhecimento profundo de suas raízes. O projeto surge para mostrar que a cultura não foi esquecida e para aproximar os jovens da realidade do povo”, explica. A ideia do Cine Aldeia, iniciativa que levou cinema para a comunidade, foi concebida há tempos, mas só se concretizou após conversas com parceiros que trabalham com projetos culturais.

“Foi um projeto audacioso. No começo, tive dúvidas se daria certo, mas segui em frente”, relata. Com recursos captados via Lei Paulo Gustavo, a equipe elaborou e executou a proposta, que culminou em três dias de exibições, encerradas no dia 15/03/2025, com grande sucesso.

Evolução do Parque das Tribos

José Tikuna também destacou os avanços no Parque das Tribos, que passou de um aglomerado de palafitas para uma comunidade estruturada. “Antes era muito precário. Hoje temos Unidade Básica de Saúde – UBS, ruas asfaltadas, escola, transporte público e até condomínios em construção”, enumera.

Além da infraestrutura, ele ressalta a importância de investimentos em cultura, artesanato e língua materna – este último, um desafio urgente. “Há jovens indígenas que não falam a língua de seus povos porque os pais não repassaram o ensino. Agora, precisamos resgatar isso pela educação formal”, afirma.

Cursos de moda e grafismo já foram realizados, abrindo portas para geração de renda. “O artesanato e a cultura são o que mantém a comunidade viva. E o caminho é melhorar cada vez mais”, conclui Tikuna, reforçando a necessidade de políticas contínuas de incentivo.

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