‘Adolescência’: Escolas e pais refletem complexidades da juventude em Salvador

Mostrando os desafios e complexidades da juventude, a série “Adolescência” (Netflix) tem estimulado discussões sobre saúde mental, pressão social, efeitos do bullying e a influência dos conteúdos da internet na vida de crianças e adolescentes. Essa produção, assim como “A Lição” e “Beleza Verdadeira” (dramas disponíveis na Netflix), por exemplo, têm desempenhado um papel educacional e transformador na sociedade, indo além dos debates online e servindo de lembrete de que precisamos escutar, compreender e ter empatia com as demandas da juventude.“Hoje, com a tecnologia e a internet à disposição das crianças a todo momento, as famílias precisam buscar formas de estreitar os elos com esses filhos para que participem da vida deles. É importante saber, diariamente, o que pensam, veem e o que vivem, tanto na escola quanto dentro de seus quartos. Os quartos se tornaram o abrigo de proteção dessas crianças, e é preciso acompanhar o que eles estão vendo e vivendo ali dentro”, explica a coordenadora da educação infantil da Escola Ponto de Partida, Liliane Sodré, que assistiu a série “Adolescência”.

A educadora Liliane Sodré e a sua filha Laura (10 anos)

|  Foto: Denisse Salazar/Ag. A TARDE

Laura Sodré, de 10 anos, filha de Liliane, ficou curiosa ao ver a mãe assistir uma série onde um menino estava sendo interrogado pela polícia. “Com os devidos cuidados, chamei ela para assistir comigo, pois achei importante ela entender o que fez um menino de 13 anos ser investigado pela polícia”, conta Liliane, que, assim como a coordenação e direção da Escola Ponto de Partida, encontrou na série inúmeros pontos de debate e reflexão.Diretora da instituição, Geisa Marques Amor aponta que os excessos tecnológicos e os vários desdobramentos disso, se destacam na produção.“Há, por exemplo, a forte presença do ruído tecnológico na escola da série: notificações, mensagens e fotos sendo tiradas, enquanto policiais circulam pela instituição e os alunos não dão atenção alguma, presos na vida virtual. Uma falta de empatia encontrada até nos funcionários da escola, enquanto na realidade o ambiente escolar é um lugar de aprendizado, cuidado e zelo pelo outro”, explica a diretora, ressaltando que observar o comportamento dos mais jovens e suas mudanças é um trabalho que deve ser feito em conjunto pela família e a escola.Rótulos e violênciasÉ nessa mudança de comportamento que termos como “incel” (celibato involuntário) e “redpill” (masculinidade dominante), mencionados na série e cada mais populares entre os jovens, podem surgir.“Eles viram rótulos que pesam nesta fase da adolescência, sobretudo quando ganham camadas no mundo digital. Antes, o bullying era praticado enfatizando características físicas (nariz, altura, peso). Hoje, para além disso, são imputadas características emocionais, gênero e orientações sexuais. E isso é muito perigoso para um jovem que está em busca de sua identidade e se desenvolvendo”, explica Barbara Costa, orientadora educacional do Colégio Vitória-Régia.“São ideais que podem moldar crenças e comportamentos por muitos anos. Se esses indivíduos não forem expostos a alternativas e não aprenderem a desafiar esses discursos de ódio e violência, eles podem continuar a perpetuar essas ideias ao longo da vida adulta”, explica a psicóloga e docente na Uniruy, Bárbara Guimarães.A falta de empatia e desconexão emocional, características desses movimentos, “podem levar a um isolamento emocional e a uma incapacidade de construir vínculos significativos”, afirma.No Colégio Vitória-Régia e na Escola Ponto de Partida, o combate ao bullying e o cyberbullying é feito de forma preventiva, sempre seguindo o caminho do respeito e da empatia.Coordenadora pedagógica da Ponto de Partida, Daniele Conde aponta que é preciso combater o bullying de forma diária e contínua. “Logo que percebemos algum tipo de movimento, como apelidos, por exemplo, promovemos com mais afinco com eles a importância de respeitar o outro e as diferenças. Temos isso na cultura da escola, não é algo pontual, está presente a todo momento”, explica.LegislaçãoNo Brasil, o bullying e o cyberbullying possuem previsão específica no art. 146-A do Código Penal, com pena prevista de reclusão de 2 a 4 anos e multa. Além disso, de acordo com o art. 932, inciso I do Código Civil, os pais podem ser responsabilizados civilmente pelos atos praticados pelos filhos que estiverem sob sua autoridade e companhia, explica a advogada Daniele Medeiros Pereira, professora da UnifavipWyden e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/Caruaru.“Trata-se de responsabilidade objetiva, que independe da existência de culpa”, explica a professora.Porém, a responsabilidade para com crianças e adolescentes não é exclusiva dos pais. “O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescentes estabelece a responsabilidade compartilhada entre família, comunidade, sociedade em geral e poder público para assegurar os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Nesse sentido, os criadores de conteúdo que incitam ou promovem discursos de ódio podem ser responsabilizados por tais práticas, na esfera criminal ao praticar condutas tipificadas na legislação penal”, afirma.“Temos discutido mais esses comportamentos devido à mudança no modo como a sociedade lida com eles e ao aumento da exposição digital”, explica a psicóloga Bárbara Guimarães.Assim, séries como “Adolescência” se tornam educativas ao levar esses temas para serem debatidos dentro de casa, como a jornalista, curadora e organizadora da feira Bazá RoZê (@bazaroze), Brenda Medeiros fez com sua família.

A produtora e jornalista Brenda Medeiros assistiu a série junto com a sua família

|  Foto: Denisse Salazar / Ag. A TARDE

Depois de assistir a série sozinha, ela chamou a família para ver todos os episódios, parando para refletir e conversar sobre questões que chamavam a atenção.“Tenho um filho de 15 anos e assim como outras mães e famílias, tenho me preocupado em entender e saber o que é tão atrativo nesse mundo virtual nessa idade, além de escolher a melhor forma de protegê-lo”, explica Brenda Medeiros, que participa, junto com a sua família, do Arvorar Jovem (@arvorar_jovem), um programa que desde 2016 oferece um ambiente de convivência, reflexão e ação para jovens.Nas últimas semanas, a produção da Netflix foi base de vários debates e bate-papos no grupo. Produções como essa também cumprem um papel essencial na conscientização coletiva. “O ditado africano ‘é preciso uma aldeia para educar uma criança’ nunca foi tão atual: a responsabilidade de garantir um crescimento saudável e equilibrado para os jovens não é apenas das famílias, mas também das escolas, das políticas públicas e das grandes plataformas digitais”, destaca a educadora parental, coidealizadora e coordenadora do Arvorar Jovem, Faezeh Shaikhzadeh.

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